“Agora o Livro de Batismos da igreja de S. Miguel está no lugar certo”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José António Queirós de Oliveira Rebocho Cristo entregou no dia 19 de maio ao Arquivo Distrital de Aveiro o “Livro de batismos da paróquia de São Miguel”. O volume de 232 folhas, com capa em pergaminho, regista os batismos da antiga paróquia do centro de Aveiro (a igreja ficava onde hoje é a Praça da República, junto aos Paços do Conselho), entre 15 de junho de 1594 e 20 de janeiro de 1616.
No mesmo dia em que o Arquivo Distrital de Aveiro começou a comemorar os seus 50 anos, foram entregues por António Eduardo Hargreaves Macedo Rabaça de Carvalho outros três livros da antiga paróquia e freguesia aveirense: livro misto com casamentos (1598-1669), óbitos (1606 a 1662) e batismos (1569 a 1583); livro de óbitos (1737-1762) e outro livro de óbitos (1762-1787). O Arquivo da Universidade de Coimbra entregou o Tombo da Paróquia de Roge, de Vale de Cambra (1716-1738).
Os volumes são importantes para o conhecimento da história aveirense, pelo que os gestos de dádiva foram considerados “nobres” e “grandiosos”, desejando-se que “possam ser replicados por futuros intervenientes”, como se lê no sítio digital do Arquivo do Distrito de Aveiro. Em adavr.dglab.gov.pt, podemos, aliás, ver com pormenor imagens das ofertas.
José António Cristo é atualmente diretor do Museu de Aveiro, mas fez a oferta a nível pessoal, como explica nesta entrevista. J.P.F.

 

 

CORREIO DO VOUGA – Fez o depósito de um livro de registos de batismo da paróquia de S. Miguel no Arquivo Distrital. Antes de mais, supomos que foi a título pessoal e não enquanto responsável do Museu de Aveiro, não é assim?
JOSÉ ANTÓNIO CRISTO – É exatamente assim, chegou às minhas mãos por via familiar, porém, sempre entendi que o seu lugar era no ADA (Arquivo Distrital de Aveiro).

 

Por que é que o deu agora?
Uma mera questão de circunstâncias. Há muito tempo que tinha a vontade de colocar o “Livro de Baptismos” acessível a todos os investigadores e a todos aqueles para quem as informações preciosas que contém são úteis. Inicialmente esta entrega foi acordada com a anterior Diretora do ADA, Dr.ª Lucinda Tavares, mas entretanto, e na medida em que nunca “escondi” ter este documento, foi sendo emprestado sucessivamente e o tempo foi passando. Agora, e fruto das celebrações dos 50 anos do ADA, o assunto foi retomado e pareceu-me uma oportunidade de excelência para dar existência real ao que permaneceu muitos anos em estado de intenção. Tenho-o como cumprimento de um dever. Património é legado, que deve transitar de geração em geração e, nestes casos, é também uma questão de responsabilidade e consciência. Como investigador conheço bem a falta que estes manuscritos, únicos, fazem e o quanto limitam o evoluir do conhecimento da nossa história. Agora está no lugar certo!
É um gesto louvável, a oferta…
Sem falsas modéstias, a visibilidade que teve a cerimónia da entrega também a entendemos como favorável, como modelo, como exemplo para que todos aqueles que possuem este tipo de acervo o destinem aos arquivos nacionais, nos quais serão devidamente tratados em termos técnicos, preservados para a posteridade, e estarão à disposição de quem por eles se interessa e neles encontra informações preciosas para a reconstituição e compreensão do passado.

José António Cristo, 47 anos, é diretor do Museu de Aveiro  desde os inícios de março de 2015

José António Cristo, 47 anos, é diretor do Museu de Aveiro desde os inícios de março de 2015

 

Há uma questão que é inevitável: como é que o livro foi parar às suas mãos?
Essa é a parte curiosa da história do livro. Na capela que existia na casa da nossa família havia um grande armário cheio de livros “piedosos” e de doutrina, para além de uns maços de “papéis velhos”, cheios de humidade. Em determinada altura um dos meus tios decidiu “arrumar” a casa, deitando fora imensos livros. Ora eu era miúdo e fazia-me imensa confusão o que se estava a passar… sempre fui um apaixonado por livros e por ler e aquela atitude ultrapassava a minha compreensão. Pouco podia fazer mas, quando havia esses, chamemos-lhe, “autos de fé” via contentores, quando dava pelos livros a sair, esperava uns minutos e depois ia ao dito contentor salvar o que podia. Este manuscrito, em particular, ficou escondido, com mais alguns documentos, no cacifo do meu quarto, embrulhado atrás dos sapatos.
Na altura era mais a curiosidade que me movia, a noção de que era um documento precioso em pleno contexto veio mais tarde e desde aí andou sempre comigo. Em termos mais recuados, julgo não estar longe da verdade ao supor que terá sido facultado ao meu avô, António Christo, que terá tido necessidade de o consultar e, coisas de tempos há muito idos, ter-lho-ão disponibilizado para consulta em sua casa, dada a sua debilidade física e doença prolongada. Com a sua morte prematura, terá ficado no arcaz. Existem ao longo do manuscrito alguns sublinhados, a lápis, incidindo sobre toponímia, o que me leva a imaginar que seria uma, mais uma, das fontes que o acérrimo aveirense que foi o nosso avô usou para os seus múltiplos trabalhos de investigação, muitos deles felizmente levados ao prelo.

Como descreve o livro e qual o seu valor histórico?
O “Livro dos baptizados da igreja matris de Sam Miguel de Aveiro”, 1594-1616, chama logo a atenção uma vez que está encadernado, como era habitual, através da “reciclagem” de uma folha de pergaminho pertencente a um livro de cantochão, tendo mais de 220 fólios em papel. Constituía um hiato no conjunto de livros de batizados da antiga matriz aveirense que assim fica mais completo. Este exemplar, apesar do seu historial, apresenta-se em bom estado de conservação podendo ser lido da primeira à última folha. Através dele podemos conhecer, no período que abrange, quem foi batizado intra muros, na zona muralhada, fornecendo indicadores de natalidade de grande importância em plena monarquia dual, sob o domínio dos Áustrias. Para além disso, e de referir os pais e padrinhos dos batizados, não se extingue nestes elementos ou na sua grande valia para os genealogistas, fornece-nos ainda e em muitos casos as profissões que exerciam (dos ourives aos medidores, pintores, oleiros, etc.) e as ruas ou lugares em que viviam, permitindo-nos assim desenhar com mais rigor a então vila de Aveiro.