Caminhos novos para ódios velhos

Quem tem olhos que veja, quem tem ouvidos que ouça, quem tem coração que aprenda e ame: palavras de sabor bíblico, que podem servir de caminho para reflectir serenamente e para novas atitudes, tal é a eloquência dos factos que elas iluminam.

O DN de 12 de Novembro titulava a notícia assim: “Menina israelita recebe coração palestiniano”. E, com realce, a tradução da notícia é esta: “Khatib foi morto por tropas de Israel. O coração do menino palestiniano bate agora no peito de uma rapariga israelita”. Traz-se ainda à memória que, há quatro anos, um farmacêutico palestiniano, assassinado por um israelita, tem o seu coração a ajudar a viver um judeu. Igal Cohen, o beneficiado pelo transplante, disse esperar que este viesse a trazer a paz entre as duas nações em guerra e amassadas em ódios.

Li, comovi-me, recortei a notícia, para poder fazer acerca dela um eco e um ponto de reflexão, que possa chegar a quem a não leu ou depressa a esqueceu.

Bem tortas as linhas por onde Deus escreve direito, e bem difícil ser lida esta escrita eloquente, quando o coração se fecha à luz esplendorosa e única de um amor sem fronteiras.

A verdade é que todos precisamos de todos. A guerra e a luta fratricida, o orgulho e a indiferença ostensiva, o ódio e o preconceito que cega, são sempre uma loucura humana, porque agravam a memória das ofensas mútuas e fazem perder o bom senso, que se dobra perante factos de vida.

Não se vê caminho mais eloquente para o final de uma guerra com anos a mais, que estes factos que Providência vai suscitando e para os quais não há fronteiras que resistam, a não ser as da frieza pessoal ou nacional, que se nega a aceitar que o perdão é a riqueza que mais e melhor traduz a grandeza interior e dá nobreza de alma às pessoas e aos povos.

A paz tem sempre um preço que ninguém paga por inteiro, se se recusar a passar pelo caminho da humildade, a única atitude de alma capaz de reconhecer culpas e méritos, próprios e alheios.

Que pobreza esta, que leva à morte irmãos, por palmos de terra, e não é capaz de perceber a riqueza dos gestos que dão vida!…

Todos somos devedores de amor uns aos outros, e há sempre o momento em que a dívida vem ao de cima, tendo a emoldurar, como fundo, a fragilidade de quem precisa e a generosidade de quem faz bem sem olhar a quem.

A verdadeira paz não é, nunca nem apenas, fruto dos arranjos diplomáticos ou da intervenção de amigos preocupados. A mediação ajuda a aplanar caminhos de paz, mas só um coração humilde é capaz de a construir com esperança de solidez, porque só ele é capaz de amar.