Cativar, exigir, conquistar

Educar… hoje António*, o menino do 2º esquerdo, Mariana*, a filha da vendedora da loja em frente, Joana* e Tiago*, os irmãos cujos pais têm problemas de integração social, são algumas das pessoas com quem nos cruzamos todos os dias, e que tornam concreta a ideia de que a nossa sociedade se orienta em grande parte pelo ritmo dos anos lectivos.

Estas crianças, adolescentes e jovens fazem-nos perceber que os direitos e deveres consignados em Leis, Decretos e Declarações Universais são aplicáveis a eles, e não são noções abstractas. Enquanto o António e a Mariana esperavam ansiosamente pelo início do ano lectivo, os seus pais preocupavam-se com a inscrição na catequese, no clube desportivo da freguesia e no centro social, onde sempre andaram. O António foi para o primeiro ano, momento aguardado ansiosamente, porque vai poder ler como os crescidos, e escrever, porque quer ser jornalista. Mas está cansado de fazer ondinhas (para treinar o u) e quer brincar. A Mariana mudou de escola e vai de autocarro para a cidade, atravessando a zona rural onde viveu até aos catorze anos. Agora, entrou no ensino secundário, e vai ficar longe de casa durante mais de oito horas por dia. Terá tempo para treinar no clube desportivo? Terá tardes livres no seu horário? A Joana e o Tiago estão em escolas diferentes, supervisionados pelos assistentes sociais da IPSS que acompanha os pais. E como o pai só vem “de precária” lá de longe a longe, a mãe trabalha a dobrar para sustentar os dois filhos.

Quando nos cruzamos com tanta gente a caminho das Escolas (e Universidades), não pensamos que todos têm uma história, que cada um é único e irrepetível. Vemo-los como uma massa de alunos, com mochilas carregadas, livros debaixo do braço. Não imaginamos que, para muitos – para quem?… –, a Escola é o único lugar de conforto que conhecem, que se transforma muitas vezes em local de confronto, porque aí outros Antónios, Marianas, Joanas e Tiagos chegam, esquecidos de que os outros são diferentes, mas são iguais em dignidade, direitos e deveres.

Cativar, exigir, conquistar, por esta ordem ou por outra, poderia ser o lema dos educadores dos Antónios, das Marianas, das Joanas e dos Tiagos. E deles próprios, António, Mariana, Joana e Tiago. Seguindo a lição da raposa que ensina a amizade ao Principezinho, através do verbo cativar, que requer atitudes de exigência e responsabilidade, no cumprimento dos rituais de aproximação, conquistaríamos o outro, para a nossa luta: a do sucesso. E lidamos melhor com o sucesso do que com o insucesso. Lidamos melhor com a rotina do que com a mudança. Por isso, quando alguém propõe alterações de comportamentos, vemo-lo como um desafio negativo e nada positivo. É o que se passa com o António, cansado de fazer ondinhas, sem perceber o objectivo; a Mariana, aborrecida, porque se levanta às 6h30, enquanto os seus colegas da cidade acordam às 8h00, todos para começarem as aulas à mesma hora; a Joana e o Tiago que não vêem a mãe mais do que uma hora por dia, e que têm de ser acompanhados pelos assistentes sociais, que não são seus pais, mas parece que o são. É o que se passa com os educadores: também têm as suas famílias, os seus sucessos e insucessos, e têm de cativar e ser cativados.

Relendo o Diário de Sebastião da Gama, percebemos que continua actual. Actual nas palavras de Cecília Sacramento, viúva do médico Mário Sacramento, falecida recentemente, Professora da Escola Comercial de Aveiro (hoje Escola Secundária Dr. Mário Sacramento) e de cujas memórias ouvi ler um excerto: reflectia sobre uma turma de rapazes que lhe fora atribuída, “maus rapazes”, como alguém a prevenira. Mas como não há maus rapazes, já o dizia o Pe. Américo, a Professora conquistou-os pela sua postura de amizade. E a postura do Educador passa pela atitude da raposa da obra O Principezinho de Saint-Exupéry. A reler.

* nomes fictícios