“Cuidar”, “guardar” e Francisco de Assis são chaves do pensamento do Papa na nova encíclica

Combate à fome, à destruição de recursos naturais e a violações da dignidade humana são marcas do atual pontificado desde o seu começo.

O Papa vai publicar amanhã a sua nova encíclica sobre o ambiente, tema a que vem dedicando particular atenção, com várias intervenções centradas nos verbos “guardar” e “cuidar” desde os primeiros dias do pontificado.
O Vaticano já revelou que o documento se intitula “Laudato si” (de “Louvado sejas, meu Senhor”, no “Cântico das Criaturas” de Francisco de Assis) sobre o cuidado da casa comum, trazendo a temática ambiental para o centro das preocupações da Doutrina Social da Igreja e assumindo a inspiração em São Francisco de Assis (1182-1226).
Francisco utilizou a palavra “criação” por sete vezes na homilia da Missa de início do ministério petrino, menos de uma semana depois da sua eleição pontifícia (13 de março de 2013).
“Guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa (…), eis um serviço que o Bispo de Roma está chamado a cumprir”, declarou. Duas semanas depois, na mensagem de Páscoa, Francisco renovou o convite a “guardar toda a criação” e evocou as vítimas de desastres naturais.
A 22 de março de 2013, no primeiro encontro com os diplomatas acreditados na Santa Sé, o Papa argentino falou de São Francisco de Assis como uma figura inspirado, inclusive no “respeito profundo por toda a criação” e na necessidade de “guardar” o meio ambiente.
Um mês depois, em audiência ao presidente do Equador, Francisco usou uma das expressões que tem vindo a repetir a respeito destes temas: “A natureza nunca perdoa”.
A audiência de 5 de junho de 2013, na Praça de São Pedro, é uma das melhores sínteses do pensamento do Papa neste campo, criticando a “cultura do descarte” e do desperdício, na qual a vida humana” já não é sentida como um valor primário a respeitar e salvaguardar” e se deixou de ser sensível ao desperdício alimentar. Nesta intervenção, Francisco ligou a ecologia humana à ecologia ambiental, convidando mais uma vez a “respeitar e cuidar da criação”.
A exortação apostólica “Evangelli Gaudium” (“A alegria do Evangelho”), apresentada em novembro de 2013, refere no seu número 215 as ameaças ao “conjunto da criação”, de que os seres humanos são “guardiões das outras criaturas”. “A desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação”, escreveu.
Entre muitos outros pronunciamentos, Francisco enviou uma mensagem à 20.ª conferência dos Estados da convenção-quadro das Nações Unidas sobre as mudanças do clima (Lima, dezembro de 2014), apelando à “luta eficaz contra o aquecimento global”. “O tempo para encontrar soluções globais está a acabar”, advertiu.
A 15 de janeiro deste ano, Francisco disse que a sua próxima encíclica iria ser publicada ainda a tempo de pressionar a comunidade internacional para decisões corajosas na Conferência do Clima 2015, em Paris, afirmando que “em grande parte, é o ser humano, que dá chapadas à natureza, quem tem responsabilidade nas alterações climáticas”.
Ag. Ecclesia

 

 

Reflexão que vem de longe

O tema do ambiente não é novo nas reflexões papais, mas a publicação de uma encíclica impulsionará novas reflexões e mais ação.

João XXIII afirmou na “Mater et Magistra” que “o mandamento divino de dominar a natureza não é imposto com fins destrutivos, mas sim para serviço da vida”.

João Paulo II, na “Sollicitudo rei socialis” (1987), afirma: “A humanidade de hoje, se conseguir conjugar as novas capacidades científicas com uma forte dimensão ética, será certamente capaz de promover o ambiente como casa e como recurso, em favor do homem e de todos os homens; será capaz de eliminar os fatores de poluição, de assegurar condições de higiene e de saúde adequadas, tanto para pequenos grupos como para vastos aglomerados humanos”.

Bento XVI, na “Caritas in veritate” (2009) acrescenta: “A Igreja sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. Requer-se uma espécie de ecologia do homem, entendida no justo sentido. De facto, a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana: quando a «ecologia humana» é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental. Tal como as virtudes humanas são intercomunicantes, de modo que o enfraquecimento de uma põe em risco também as outras, assim também o sistema ecológico se rege sobre o respeito de um projeto que se refere tanto à sã convivência em sociedade como ao bom relacionamento com a natureza”.