HOMEM CRISTO: Militar, Jornalista, Pedagogo e Gestor Público

Francisco Manuel Homem Cristo
(1860-1943)

Homem Cristo foi um jornalista polémico, sem medo, que por afrontar os poderes monárquicos e republicanos fez de “O Povo de Aveiro” um dos jornais mais lidos e temidos do seu tempo. Textos de Cardoso Ferreira

 

Francisco Manuel Homem Cristo nasceu em Aveiro, no dia 8 de março de 1860, cidade onde faleceu há 75 anos, mais precisamente no dia 25 de fevereiro de 1943.
Para além de levar o nome de Aveiro a todo o país, por intermedio do seu jornal “O Povo de Aveiro”, que tinha expansão nacional, Homem Cristo foi um impulsionador das obras da Barra e do Porto de Aveiro, tendo exercido o cargo de presidente da Junta Autónoma da Ria e da Barra de Aveiro, entre fevereiro de 1925 e dezembro de 1930. Presidiu também à Associação Comercial e Industrial de Aveiro.
Agnóstico pela Diocese
Apesar de se afirmar agnóstico e livre-pensador, Homem Cristo foi um dos jornalistas que batalhou pela restauração da Diocese de Aveiro.
Foi eleito deputado, por diversas vezes, tendo sido um dos parlamentares mais brilhantes da sua época, caraterizado por discursos vigorosos, claros e incisivos, que não deixavam ninguém indiferente.
Aveiro reconheceu o trabalho e obra de Homem Cristo em prol da comunidade, atribuindo o seu nome a uma das escolas secundárias da cidade e dando o seu nome a uma rua citadina.
Carreira militar
Com apenas 16 anos de idade, Homem Cristo iniciou uma carreira militar no Exército, tendo efetuado os seus estudos académicos na Academia Militar, facto que não o impediu de simpatizar, desde muito cedo, com os novos ideais políticos (republicanos e democráticos) e de intervir ativamente na sociedade, nomeadamente através da imprensa, tendo lançado, aos 17 anos de idade, o seu primeiro jornal, intitulado “O Trinta” e, no ano de 1881, foi um dos fundadores do semanário “A Justiça”, jornal de cariz republicano.
No ano seguinte, obteve o posto de alferes e, no dia 29 de janeiro de 1882, lançou o primeiro número do seu jornal, intitulado “O Povo de Aveiro”, que manteve apesar de ser oficial militar de carreira. A sua promoção ao posto de tenente (no Regimento de Caçadores 2) coincidiu praticamente com a sua entrada para membro do diretório do Partido Republicano Português.
Em consequência da revolta de “31 de Janeiro” (de 1891), Homem Cristo foi preso e julgado, sendo absolvido por se ter demonstrado não ter participado nessa fracassada revolta republicana. Por isso, no ano de 1894 foi elevado ao posto de capitão do Exército, no qual se manteve até 1908, ano em que pediu a sua demissão formal.
Homem Cristo foi um militar competente e que dedicou especial atenção à instrução e preparação dos soldados para acesso aos diversos postos, tendo sido, para centenas de soldados, o seu professor primário, ensinando-os a ler e escrever.
Jornalista polémico e sem medo
Com o abandono da carreira militar, Homem Cristo enceta uma forte atividade jornalística, entrando logo em polémica com ilustres monárquicos no período final da monarquia, fazendo do seu “O Povo de Aveiro” um baluarte dos ideais democráticos e republicanos.
Por motivos políticos, “O Povo de Aveiro” esteve suspenso no período compreendido entre 1894 e 1899, regressando nesse último ano às bancas. No entanto, com a implantação da República, em 5 de outubro de 1910, Homem Cristo continuou polémico, entrando em dissidência com os dirigentes republicanos, que então controlavam o regime, entre os quais Afonso Costa. Prevendo o pior, no ano de 1912, exilou-se voluntariamente em Paris, com a sua família, o que não o impediu de prosseguir com a edição, em Paris, do seu jornal, então intitulado “O Povo de Aveiro no Exílio”.
Com a subida ao poder de Sidónio Pais (1917/1918), Homem Cristo regressou a Portugal, sendo eleito deputado.
Tal como já tinha acontecido no período monárquico, também o poder republicano suspendeu a publicação de “O Povo de Aveiro”, pelo que entre 1916 e 1926, o jornal passou a intitular-se “O de Aveiro”. Tendo apoiado o Estado Novo, na sua fase inicial, cedo Homem Cristo entrou em litígio com o regime, pelo que “O Povo de Aveiro” foi definitivamente encerrado, por motivos políticos, no ano de 1941.
Sobre “O Povo de Aveiro”, o aveirógrafo Eduardo Cerqueira escreveu que Homem Cristo “foi, praticamente, durante mais de meio século, o único redator. O jornal de que foi diretor, em vez de seguir a feição de um órgão de propaganda regional, tomou o carácter de um contundente panfleto, e como tal atingiu extraordinária difusão e popularidade”.
Ao longo da vida, Homem Cristo manteve diversas polémicas com figuras de diferentes fações políticas e culturais, incluindo o próprio filho, Homem Cristo (Filho), um jornalista com projeção internacional e amigo pessoal de Mussolini.
Para além dos jornais que fundou e dirigiu, Homem Cristo deixou textos publicados em diversos outros jornais, com destaque para o “Século”, sendo ainda autor de diversos livros.
Panfletário temível
Homem Cristo foi um panfletário temível, como reconheceu o sociólogo Léon Poinsard, num artigo publicado em 1910, na revista “Les Documents du Progrès”, onde escreveu “existem na Europa três grandes panfletários: Clemenceau, na França; Maximilian Harden, na Alemanha; Homem Cristo, em Portugal”.
Por sua vez, o escritor português Raul Brandão considerou-o o maior panfletário português desde o padre José Agostinho de Macedo.

Pedagogo e professor universitário

No ano de 1918, Homem Cristo foi convidado por António de José de Almeida para lecionar na então recém-criada primeira Faculdade de Letras do Porto, como professor contratado do 4.º Grupo (Ciências Históricas).
No dia 26 de setembro de 1921, quando findaram os dois primeiros anos de contrato, Homem Cristo foi nomeado professor ordinário, regendo as cadeiras de História de Portugal, de História Antiga, de História Medieval, de História Moderna e Contemporânea, de História dos Descobrimentos e Colonização Portuguesa, de História Geral da Civilização e de História Universal.
Entre 1923 e 1926, Homem Cristo lançou um forte ataque contra a faculdade em que lecionava, devido a uma questão disciplinar com alunos, numa das suas aulas. Esse facto levou-o a abandonar as suas funções académicas e a exercer o cargo de deputado por Aveiro, ao mesmo tempo que presidia à Associação Comercial e Industrial e à Junta Autónoma da Ria e da Barra de Aveiro.
No entanto, com a vitória do Estado Novo, retomou a carreira docente universitária, tendo-se aposentado, por limite idade, em 26 de janeiro de 1931, último ano de funcionamento da primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto, após o anúncio da sua extinção, em 1928.
Eduardo Cerqueira considerou que Homem Cristo foi um “apóstolo convicto e entusiasta da democracia e da instrução popular”, tendo realizado uma “obra muito valiosa contra o analfabetismo, especialmente, em quartéis, enquanto oficial”, nomeadamente no Regimento de Infantaria 14 (Viseu).
Numa época em que o ensino ainda era visto como uma questão secundária, Homem Cristo foi um grande apologista do ensino obrigatório para todos.