Onde está o nosso problema?

As apreciações e as profecias não são coincidentes. Desde o sermos os melhores do mundo até ao anular das fronteiras, como único modo de podermos sobreviver, ouve-se de tudo, ora tocando as raias do optimismo, ora as do pessimismo, ambos pouco críticos e nada matizados.

Os juízos políticos e os meramente económicos não podem ser redutores acerca da realidade actual do país e das perspectivas de futuro. Também não o podem ser as opiniões dos que só vêem os seus interesses, normalmente sob um ângulo corporativo, e perdem assim a capacidade de reflectir a realidade no seu conjunto, com o que ela implica, em cada tempo, de direitos e deveres, pessoais e colectivos.

Nem somos os melhores, nem somos os piores. Somos o que somos, com capacidades nem sempre aproveitadas ou reconhecidas, com muita gente consciente e disposta a lutar, ao lado de outros a travar a caminhada, por determinação interessada ou por inconcebível inércia. A meu ver, somos um povo difícil de viver e de governar em democracia. Predomina a subcultura do individualismo e de gente que arrisca pouco, o hábito do imediatismo, o clima do favorecimento pessoal, da marginalização dos que incomodam, do seguimento acrítico dos líderes que muitas vezes não o são, da superficialidade e da preguiça mental, sem que isto seja um fatalismo.

Esta avalancha esmaga, porém, o esforço de muita gente honesta e trabalhadora, põe em causa condições indispensáveis de serviço ao bem comum e à justiça social, destrói valores onde assentam instituições fundamentais, alimenta um clima de não verdade e instabilidade. Família e escola são espaços em crise e cada dia a ser agredidos; exigências éticas e morais na profissão, na relação pessoal, na acção política e económica, tornam-se indesejáveis; princípios fundamentais a respeitar, necessários para uma vivência sadia e humanizante, ou rolam pelo mais fácil ou se atiram para o foro íntimo de cada um, que é a melhor maneira de não se reflectir sobre eles e o que comportam, como referência comum para uma vivência pacífica. A vivência plural não pode destruir valores reais.

O nosso problema parece ser o da aceitação realista de nós própios, da verdade objectiva, do âmbito da liberdade, da consciência comunitária, da responsabilidade colectiva, da hierarquização das necessidades e dos valores, do saber viver, com respeito, no pluralismo e na mudança. É, no fundo, um problema cultural, um problema de educação, um problema de identidade assumida. Um problema que não se resolve por passes de magia.

Na encruzilhada encontram-se as gerações mais fragilizadas e indefesas, presumindo de forças que ainda não têm e de direitos dos quais não atingiram ainda nem o âmago, nem o âmbito. Mas não se pode fechar a porta da vida para balanço. Há que reflectir e agir. Sentir o problema é estar já no caminho da solução. Em nós também há generosidade e coragem.