Os católicos já não têm receio em aprender com os protestantes

1. O Pastor Eduardo Conde de Almeida afirmou que muitos católicos lhe tinham dito que aprenderam o Credo dos Apóstolos ao lerem a fachada da Igreja Evangélica Metodista de Aveiro. A afirmação revela, antes de mais, que muitos católicos não têm qualquer receio em dizer ao pastor protestante que andam a aprender com a igreja dele. Isso, sim, é ecumenismo. E faz da frase uma afirmação suficientemente forte para ser título.

2. Pessoalmente, não me custa aceitar que sejam “muitos”. Naturalmente, “muitos” é uma medida subjectiva. Mas perguntar, como sugere, “Como terá sido feita a contagem, por ele ou por outrem…?”, além de ser de uma ironia de mau gosto, revela que não percebeu que a pretensão do texto não é apresentar dados exactos, mas ouvir o Pastor. Por isso é que todo o texto é feito de citações. Não se trata de uma investigação em que o jornalista tem de ouvir várias partes, mas sim de um testemunho, quase ao jeito das reportagens televisivas em que só se ouvem os protagonistas, enquanto as perguntas ou assuntos sugeridos pelo entrevistador ficam de fora.

3. Ninguém disse, por outro lado, que os católicos paravam “em frente à Igreja para lerem, até decorarem, aquela fórmula”, conforme afirma o Pe Belinquete. “Aprender” e “decorar” não é a mesma coisa, como bem sabe. Mas mesmo que alguns católicos tenham decorado o Credo dos Apóstolos da fachada, nada obriga a que tenham disposto de uma única vez para o fazer (“lendo uma só vez”, como afirma). Essas conjecturas são, no mínimo, ridículas.

4. Mais preocupantes são as afirmações que o Pe Belinquete faz no parágrafo que começa por “Uma dificuldade teriam encontrado…” e vai até “já não se poderá dizer que eram católicos”. Dá a entender que pensa que só existe um “Credo” – o habitualmente rezado na Missa. Quero crer que ou o Pe Belinquete se confundiu, ou eu estou a interpretar mal. Na verdade, o Missal sugere dois credos, o “Niceno-constantinopolitano” (o mais rezado na Missa) e o “Símbolo dos Apóstolos”. Este é menos rezado – sugerido pelo Missal Católico principalmente para a Quaresma e Tempo Pascal – e é o que está na fachada da Igreja (com pequeníssimas diferenças: em vez de “Hades” tem “mansão dos mortos” e em vez de “ressurgiu” tem “ressuscitou”).

Contudo, as afirmações que o Pe Belinquete faz nesse parágrafo permitem entender a frase do Pastor. É que, de facto, durante muito tempo, o Credo Niceno-constanti-nopolitano foi o único divulgado entre os católicos na Missa mas em latim, levando a ignorar quase por completo que há o outro, esse sim, conhecido por Credo ou Símbolo dos Apóstolos dado que, embora aprendido na catequese, não se recitava. E muitos cristãos, principalmente das gerações mais novas, nunca o aprenderam. Assim se entende que para muitos católicos a fachada da igreja metodista tenha sido uma porta para aprender o Credo dos Apóstolos, que é perfeitamente ortodoxo e reconhecido por todas as confissões cristãs.

(A propósito dos símbolos niceno-constantinopolitano e dos Apóstolos, veja-se a secção “O leitor pergunta”. Nesta caso, a questão não veio dos leitores, mas da redacção. Talvez ajude vários leitores, incluindo o Sr Padre).

5. Ao chamar “sensacionalista” a um testemunho (as frases em questão estão sempre entre aspas) que não é apresentado com as regras do sensacionalismo (tipo e tamanho da letra, cor, imagens, assunto…), o Pe Belinquete revela desconhecer os géneros jornalísticos. Trata-se, afinal, dos seus critérios, claro. Não me parece é que sejam os melhores para defender os leitores.

Nota final: O Pe Belinquete refere 1993 como ano em que “passou a usar-se a língua materna em vez do latim” na liturgia. O ano em questão é 1963. Tratou-se, é óbvio, de um erro. Deixámo-lo passar, deliberadamente. Todos damos erros. Felizmente, jornalismo não é dogmática.

Jorge Pires Ferreira

Director-adjunto