Para não deixar sabotar o Concílio

Livro Em 2005 completaram-se 40 anos sobre o encerramento do acontecimento eclesial mais determinante do século XX: o segundo Concílio do Vaticano (1963-1965). As comemorações, sob a forma de balanços, congressos, livros, ou outros eventos, praticamente não existiram.

Entre nós, tem havido algumas acções sobre a Gaudium et Spes, documento maior do concílio, e o próprio lema da diocese – “A Igreja ao serviço das pessoas e da sociedade” – se inspira na nova forma de estar preconizada por essa constituição pastoral e, por extensão, pelo Concílio.

Sintomas dessa ultrapassagem do Concílio, que pode ter várias interpretações, são, por exemplo, duas atitudes de Bento XVI (que foi perito no concílio). A primeira, ao dizer que João Paulo II, com o que escreveu e fez, constituiu a interpretação fiel do Concílio. Recorde-se que João Paulo II, logo no início do pontificado comprometeu-se a levar a bom termo o concílio (“é para nós obrigação explícita garantir-lhe a devida execução” – lê-se na primeira mensagem do papa polaco). A segunda, ao citar o Concílio apenas uma vez e referi-lo outra na encíclica “Deus Caritas Est”. Nunca uma encíclica foi tão parca em citações conciliares.

Talvez Bento XVI seja verdadeiramente o primeiro papa pós-conciliar. E isso pode ter várias interpretações: significar que o Concílio está devidamente assimilado, portanto não será preciso a ele voltar; ou significar que é preciso esquecê-lo, relegá-lo para um lugar secundário, voltar a trás ou, quem sabe, dar um passo em frente e convocar um Vaticano III.

“Vaticano II, 40 anos depois”, com coordenação de Ângelo Cardita, é o único livro-balanço dos 40 anos do Vaticano II em português. Consiste em quatro ensaios com a pretensão explícita de valorizar o Concílio. Retomando expressões de D. António Ferreira Gomes, antigo bispo do Porto, Ângelo Cardita escreve: “Falemos, pois, do concílio; leiamos uma e outra vez os seus documentos; consideremos os seus frutos, para o não deixar sabotar”.

Os quatro ensaios, de quatro teólogos leigos, abordam cada uma das quatro constituições (os documentos mais importantes) do Concílio. Ângelo Cardita, professor de Liturgia no Instituto Superior de Liturgia de Barcelona, escreve sobre a Sacrosantum Concilium, a constituição sobre a Sagrada Liturgia. José Eduardo Borges de Pinho, professor na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa), escreve sobre a Lumen Gentium, constituição dogmática sobre a Santa Igreja. José Carlos Carvalho, assistente de Teologia Bíblica da UCP (Porto), disserta sobre a Dei Verbum, constituição dogmática sobre a Revelação Divina; e João Duque, professor na Faculdade de Teologia da UCP (Braga), aborda a Gaudium et Spes, constituição pastoral sobre a Igreja no Mundo actual.

É de duvidar que este livro faça com que os cristãos conheçam mais os documentos conciliares, embora seja uma das suas pretensões. A melhor forma de os conhecer não é ler comentários. É lê-los. E há que dizer claramente que, para ser cristão, não é essencial conhecer o Vaticano II. O Evangelho, sim. Mas um olhar mais reflexivo (ou seja, por parte dos cristãos que dedicam mais tempo e esforço ao trabalho pastoral ou estão mais atentos à evolução da Igreja) sobre a liturgia, a Bíblia, a identidade da Igreja e acção pastoral não deveria dispensar a leitura destes textos.

J.P.F.

Vaticano II, 40 anos depois

Organizador: Ângelo Cardita

Textos de: Ângelo Cardita, José Eduardo Borges de Pinho, José Carlos Carvalho e João Duque.

Ariadne Editora

156 páginas