Pior do que não conseguir trabalho é não conseguir sair dele

Direitos Humanos Enquanto a Comissão de Justiça e Paz aqui na Diocese de Brejo (Nordeste Brasileiro) está em fase de articulação de estruturas, vou tomando conhecimento de alguns factos que, num futuro próximo, serão alvo do estudo/reflexão e da acção da referida Comissão.

Uma dessas situações, atentatórias aos mais elementares direitos da pessoa humana, é o trabalho escravo no Brasil.

A escravatura foi abolida, em Terras de Vera Cruz, no ano de 1888. A chamada Lei Áurea, promulgada pela Princesa Isabel, decretava que, a partir daquele momento, ninguém mais seria sujeito a exploração e a tratamentos desumanos, porque todos os cidadãos eram livres, não poderiam ser propriedade de outro cidadão.

Infelizmente a escravatura subsiste, no Brasil e em tantos outros países, camuflada por vários tipos de exploração. O Estado do Maranhão é, por exemplo, um dos maiores fornecedores de mão-de-obra para o trabalho escravo na Amazónia e em outras áreas de latifúndio do Norte/Nordeste do Brasil e até da região central do país. Segundo estimativas da Comissão Pastoral da Terra (organismo da Igreja Católica que, aqui no Brasil, trata das questões fundiárias), neste momento, o número de trabalhadores rurais que são submetidos a trabalho escravo cifra-se nos 30 mil, podendo ainda indicar que os dados se elevam até 50 mil!

A primeira denúncia de trabalho escravo foi feita por dom Pedro Casaldáliga, em 1971. O corajoso bispo de São Félix do Araguaia, na Amazónia Matogrossense, insurgia-se, então, contra a situação que os fazendeiros da região infligiam a muitos trabalhadores rurais que trabalhavam nas fazendas da sua diocese. Eram migrantes que vinham, sobretudo, da região Nordeste do Brasil. Chegados à Amazónia, aí eram aprisionados em fazendas, vigiadas por “jagunços” armados, das quais não podiam sair sob ameaça de morte.

Mais de 30 anos se passaram. A ditadura militar caiu nos anos 80. Porém, a situação permanece crítica, com laivos de inverosimilhança, de tão surreal que se torna.

O trabalho escravo no Brasil segue, normalmente, o seguinte esquema: o “gato” (nome que se dá, na gíria, ao angariador de trabalhadores) vai até aos povoados mais isolados dos municípios mais pobres – Buriti, paróquia desta diocese, é um dos locais preferidos. Bem falante, o “gato” alicia os trabalhadores com a promessa de trabalho e de bom salário. Ele garante a viagem até à fazenda.

Quando o trabalhador lá chega, adquire as ferramentas de trabalho na lojinha da fazenda. Sem dinheiro suficiente, começa logo a comprar fiado. Inevitavelmente as fazendas são lugares isolados, cercadas por arame farpado e fortemente guardadas por “jagunços” armados. Quando o trabalhador se apercebe da trama, já é tarde. Forçado a trabalhar no desmatamento da floresta, na limpeza dos pastos, no garimpo ou nas carvoarias, não recebe salário. Sem remuneração, não pode pagar o que deve ao fazendeiro: a viagem, as ferramentas e os produtos diários. Os seus documentos ficam na posse da fazenda (que, muitas vezes, até são empresas bem conhecidas) e, sem eles, o trabalhador passa a ser um “indigente”. Não consegue fugir por causa da segurança da fazenda e, quando o consegue, está longe de tudo, sem dinheiro para transporte, amedrontado como um “animal assustado”, pois sabe que, em breve, virão no seu encalço.

São situações inacreditáveis. Foi criado recentemente um Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão, para agir na denúncia e, principalmente, na prevenção de situações de escavatura. A Comissão Justiça e Paz da Diocese de Brejo entrará, como parceira, nesse fórum. O desafio é imenso. Não será uma tarefa fácil. Para isso contamos com o vosso apoio e com a oração de todos.