Rede de serviço solidário, um bem a não desvirtuar

Os números dizem muito pouco, quando comparados com a realidade que se vive por esse país fora. Refiro-me à rede extraordinária das instituições particulares de solidariedade social, que actuam nas diversas comunidades, possibilitando respostas sociais, necessárias e urgentes, que o Estado nunca, por si só, poderia dar, com igual dedicação e os mesmos gastos.

É uma reflexão a que os cidadãos sem preconceitos têm de se habituar: verificar que há soluções para muitos problemas das pessoas no campo social, agora só falamos neste, que as instituições particulares, dentro das regras e das normais exigências, fazem melhor e mais economicamente que os serviços do Estado.

Alguns, que não abdicam do ideal do Estado providência e permanecem nostálgicos de um Estado colectivista centralizador, irmãos gémeos de há muito falidos, continuam a lutar contra as instituições particulares, distorcendo conceitos e dados, como se a vida em democracia fosse de sentido único ou apenas calibrada pela visão estrábica de pessoas e de grupos, mais barulhentos e teimosos para os quais há sempre púlpito aberto.

Quando se fala do contributo financeiro a estas instituições, para realizarem uma missão que é da responsabilidade do Estado, pois é ele que arrecada os impostos para obviar às necessidades gerais dos cidadãos e às exigências normais do bem comum, soltam-se gritos indignados, como se se tratasse de sanguessugas a chupar, para proveito próprio ou só de alguns, o dinheiro de todos. Procurem saber, se o conseguirem, quanto gasta o Estado com as poucas instituições de solidariedade que ainda teima em manter sob a sua direcção; e comparem com o que recebem, com igual número de beneficiados, as instituições particulares. Depois, falem, porque o facto dá argumento que chegue e sobre para tal. Neste e noutros campos.

As instituições de solidariedade são, no seu conjunto, o maior empregador, mormente em concelhos sem indústria significativa. E são o maior benfeitor das pessoas socialmente mais carecidas, em virtude das condições de trabalho de muitos casais com filhos e pais dependentes, da do crescente número de idosos, das muitas formas de exclusão social, da atenção qualificada a grupos sociais mais vulneráveis, da possibilidade de ocupar e de tirar da rua muitas crianças, cujos pais estão presos a rigorosos horários de trabalho.

Quando se visita uma zona que tinha há uma dúzia de anos duas ou três instituições de solidariedade e hoje as tem em todas as freguesias do concelho, sejam elas da iniciativa da Igreja ou de cidadãos voluntários que se associaram para o efeito, então se vê a diferença, em número e qualidade, das respostas sociais que foi possível implementar para problemas que já existiam e iam apodrecendo aos poucos. Os governantes, em momentos festivos, que controlam ao milímetro até no dizer da placa de inauguração ou de simples visita, vêm ver, embora sempre à pressa. Desfazem-se, depois, em elogios simpáticos, porque nunca imaginaram que, numa aldeia escondida, se pudesse fazer tanto bem e com tanto amor e dedicação. Raramente, porém, isto chega para dar outra orientação às leis e outro sentido à administração dos dinheiros públicos e até outro teor da comunicação oficial que mais pretende fazer passar a ideia de um favor que se faz às pessoas e instituições, que de um dever que se cumpre, e nem sempre bem, nem atempadamente.

Agora, entram as Câmaras no concerto. Vale a pena reflectir sobre a colaboração pedida e o espírito que parece animar a mesma. As instituições não são políticas, nem pode ser político o serviço social a quem dele precisa. Saberá isto a gente da capital?