Renovação sempre inacabada

A renovação que se opera no interior de nós próprios e daí parte, procurando atingir os diversos campos de acção onde nos vamos gastando, mesmo que generosamente, será sempre uma renovação inacabada. Fácil de entender e aceitar, dado que se vão criando, em todos nós, laços que não se desatam de repente e hábitos que não se apagam com um sopro. Por outro lado, as mudanças contínuas que temos de enfrentar são mais rápidas que a capacidade de irmos sempre à frente ou, pelo menos, lado a lado, com respostas e propostas adequadas.

Em relação à Igreja, uma renovação, auspiciada e repetidamente sonhada, está relacionada com os ventos novos do Concílio que acordaram mais os que não dormiam o sonho profundo do comodismo nem de uma indiferença já instalada. E estes eram muitos. Quarenta anos passados, podemos perguntar, muito legitimamente, em que ponto nos encontramos no processo da renovação necessária. Esta não é, nem pode ser a que alguns por aí reclamam, de cedência ao essencial, para poder ser do tempo. É sim a que permite tirar do tesouro coisas que nele se encontram e que as mudanças sociais e culturais postulam para um melhor serviço a Deus e aos outros, cada dia exigido.

Em alguns aspectos, cada um só poderá responder por si próprio. Em muitos outros, com resultados na praça pública, a apreciação será mais fácil, mesmo que nos guardemos de juízos morais sobre intervenientes conhecidos.

Como são muitos os aspectos sob apreciação, iremos por partes, a fim de que seja possível maior objectividade, capacidade de revisão e propósito de acordar ou de não parar. Falemos da situação dos leigos cristãos, hoje, na Igreja e na sociedade.

Os leigos encontraram no Concílio e nos anos posteriores uma luz nova e um novo caminho para se situarem na Igreja e no mundo. Clarificou-se a teologia do laicado com a afirmação, sem favor, da dignidade radical dos leigos como membros de pleno direito do Povo de Deus; o legítimo protagonismo que lhes é próprio na missão normal da Igreja; o direito de livre associação, quer em relação ao seu enriquecimento espiritual, quer ao seu empenhamento apostólico; o sublinhar da sua autonomia nas tarefas e opções que lhes pertencem e onde é legítima e plausível a sua liberdade; a preocupação pela sua formação, com o direito de que lhes sejam proporcionados meios adequados e acessíveis para se formarem.

Tudo isto deu origem a muitas iniciativas e inúmeras portas se abriram na Igreja e em suas comunidades. Os ministérios laicais multiplicaram-se; nasceram os órgãos de participação e corresponsabilidade; o acesso à formação regular e mesmo superior é um facto; a multiplicação de movimentos laicais de espiritualidade e apostolado está à vista; os diversos serviços da Igreja, que lhes foram confiados como primeiros responsáveis, são sinais desta abertura. Porém, deram-se ainda poucos os passos em ordem ao compromisso social e político, à preparação para a intervenção regular nas estruturas sociais, à formação de movimentos de fronteira, necessários num mundo que está sujeito, cada vez mais, a influências estranhas, quando não mesmo opostas, aos princípios e critérios do Evangelho. Cristãos no mundo por vocação, não se vê em muitos leigos o ardor desta vocação e militância, sinal de que não tem andado por aí a preocupação de lhes proporcionar formação na linha da doutrina social da Igreja, rica e apelativa.

Aliás, será talvez o sinal menos positivo do pós-Concílio, a dificuldade da Igreja e dos seus responsáveis em manter uma relação positiva com a sociedade, no respeito pela sua autonomia e dinamismos próprios. Mais leigos nos serviços do templo, que nas tarefas temporais, é sintoma de uma renovação que estagnou ou vai ao arrepio do Concílio.