Seminário, espaço de misericórdia e de descoberta da vocação

Prestes a terminar o Ano Santo da Misericórdia, a Semana dos Seminários 2016, que vai decorrer entre 6 e 13 de novembro, tem como base o Jubileu da Misericórdia e destaca a importância desta componente no desenvolvimento das vocações. “Movidos pela misericórdia de Deus” é o tema sobre o qual somos convidados a refletir. 

 

1. Vocação: dom de Deus, resposta da Pessoa
Falar da vocação é falar do caminho que cada pessoa percorre para construir a sua maneira própria de ser feliz e fazer felizes os outros.
Deus é a fonte da vocação: o Pai chama para a missão; o Filho, servidor do Pai, envia-nos; e o Espírito Santo faz ecoar a palavra tendo em vista o bem de todos.
Toda a vocação exige uma resposta. Assim procedeu Deus com aqueles que chamou para guiar o seu povo: o seu chamamento e projeto traduziram-se neles em disponibilidade e aceitação. Maria é o exemplo perfeito: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38). Também assim atuou Jesus no chamamento dos discípulos: “Vem e segue-me” (Mt 4,19; Mc 2,14) ou o “Vinde e vede” (Jo 1,39). Os que se sentiram chamados corresponderam: “Deixando tudo seguiram-no” (Lc 5,1) e “Foram e ficaram com Ele” (Jo 1,39) – Iniciaram uma relação com Ele.
Saber-se chamado pessoalmente por Deus é a experiência chave de toda a vocação e de todo o projeto de vida. Este seguimento nasce do encontro pessoal com o Ressuscitado, num dinamismo de conversão, entrega e renúncia: no dom de si, na relação com os outros, na transformação da sociedade e do mundo, segundo o projeto salvífico de Deus.
Para o cristão há apenas um caminho para encontrar o que agrada a Deus – o do discernimento – discernimento que depende da pessoa e da abertura da sua consciência ao Espírito: «E é isto o que eu peço, que o vosso amor cresça cada vez mais em conhecimento e sensibilidade, a fim de poderdes discernir o que mais convém» (Fl 1,9-10). É necessário abrir o coração às sugestões interiores do Espírito, que convida a ler em profundidade os desígnios da Providência.

 

2. Da pertença à identidade
Deus dirigiu-se aos homens e fez-se entender por eles através de mediadores e de mediações. Jesus Cristo, seu filho, foi a grande e definitiva mediação (Heb 1,2). Consciente do seu papel, aquele que faz a proposta vocacional há de proceder de acordo com a pedagogia divina.
A resposta torna-se fruto de uma busca, diálogo e autenticidade – critérios que nos dão acesso a uma nova identidade. Isto supõe “deixar-se trabalhar” pelo Evangelho, para ousar propô-lo a outros ao estilo de Jesus de Nazaré. A marca que distingue o seguidor de Jesus, o seu discípulo, é o amor, sentido pleno da vida: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13, 34-35).
O fundamental da vocação do discípulo é o ser pessoa humana e cristã, uma pessoa configurada com Cristo; revestida de “entranhas de misericórdia” (cf. Cl 3,12; Fl 2,1). Perguntemo-nos: Qual a transformação que a vocação, ou melhor, o encontro com Cristo operou na minha vida e na vida da minha comunidade? Lancemos a semente à terra!

3. Movidos pela misericórdia de Deus
Seguir Cristo compromete. Só na medida que vivermos em intimidade com Ele e na solidariedade com os irmãos, podemos tornar possível o Evangelho
A grande mensagem de Deus é a misericórdia – a prova de como Deus ama. A misericórdia envolve-nos a todos: como destinatários e como atores. Somos chamados a contemplar o rosto misericordioso do Pai. Ao contemplarmos o rosto do Pai revelado no Filho, percebemos um chamamento (vocação) de Cristo à vida em santidade: “Sede perfeitos, como o Vosso Pai que está nos céus é perfeito” – este deve ser o nosso horizonte.
O ser filhos compromete-nos a uma atitude filial com o Pai e fraternal com todos os irmãos. O amor aos irmãos na fé pertence ao princípio da caridade e da santidade. «Que o vosso amor seja sincero. Detestai o mal e apegai-vos ao bem. Sede afetuosos uns para com os outros no amor fraterno; adiantai-vos uns aos outros na estima mútua. Não sejais preguiçosos na vossa dedicação; deixai-vos inflamar pelo Espírito; entregai-vos ao serviço do Senhor. Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração. Partilhai com os santos que passam necessidade; aproveitai todas as ocasiões para serdes hospitaleiros (Rm 12,9-13).
A configuração a Cristo não se pode alcançar por si mesmo ou fora da comunidade de fé, mas numa vida em comunhão, que comporta exigência, sacrifícios, generosidade, doação, dedicação e paciência. A atitude do Filho expressa-se como obediência. Esta obediência filial à voz do Pai conduz a cumprir a missão recebida por sermos membros de um povo enviado, sacerdotal, profético e de reis.

4. Chamados a anunciar o Evangelho da Esperança
O amor encerra em si todas as vocações. «Os discípulos do Senhor são chamados a viver como comunidade que seja sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-16). São chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma pertença evangelizadora» (EG 92). O amor de Deus que lhe enche o coração compromete-os no amor aos irmãos.
A tarefa das vocações diz respeito a toda a Igreja, a todas as instituições, a todos os organismos, a toda a sociedade. Todos somos chamados a cultivar uma cultura vocacional em toda a Diocese e em cada uma das nossas comunidades cristãs e tem de ser transversal a toda a pastoral diocesana. A pastoral das vocações situa-se, pois, na compreensão da Igreja como comunhão e missão. Nós, a Igreja e todos os cristãos, estamos chamados a viver o ideal comunitário de amor, que nos convida a promover ações onde possamos experimentar a misericórdia de Deus. Não podemos esquecer que Deus é comunhão na unidade e na relação (cf. Jo 17, 20-23).
Ser chamado a uma vocação concreta é ser chamado a construir, com esperança, a sua vida no amor. Neste sentido, todos e cada um dos membros da Igreja devem ser mediadores da proposta vocacional. As paróquias, pela sua própria identidade, são lugares privilegiados onde se proclama o Evangelho da vocação. À família, compete cultivar relações de reciprocidade, ternura e compaixão evangélicas, fomentando os gérmenes da vocação.
O Seminário, “o coração da Diocese”, representa para a Igreja local um dos bens mais preciosos. Dele fazem parte a Comunidade residencial do Seminário de Santa Joana Princesa, o Pré-Seminário e o Seminário Maior na diocese de Lisboa. É efetivamente o lugar onde os jovens aprendem a misericórdia do Pai, para depois se entregarem ao serviço dos outros. Nesse sentido, foram recentemente renovadas e criadas, a nível diocesano, estruturas que, de maneira empenhada e interpeladora, conduzam a um maior envolvimento das estruturas da pastoral, nomeadamente das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada.
Enquanto crentes e chamados a difundir o dom da fé e a promover a disponibilidade ao chamamento de Deus e da sua Igreja, não podemos deixar de refletir sobre as nossas responsabilidades. Exorto a todas as famílias e comunidades a deixarem-se mover pela misericórdia de Deus, tendo em vista as necessidades do nosso Seminário, mesmo as de ordem material.
Rezar pelo Seminário significa rezar pelos jovens que ali fazem o seu caminho de discernimento vocacional e por todos aqueles que colocam a si mesmos o sentido da vida e do seu futuro. Imploremos, sob o auxílio de Santa Joana Princesa, para que todos, guiados e animados por testemunhos credíveis, descubram a sua vocação.

Deus, Pai de misericórdia,
A vós que nos consagrastes como filhos muito amados,
Nós vos pedimos jovens disponíveis para o sacerdócio e para a vida consagrada,
Famílias abertas ao amor,
Paróquias vivas na comunhão,
Sacerdotes felizes no ministério.

Maria, Mãe do Amor e da Misericórdia,
Intercedei por todos os Seminaristas,
Para que respondam com generosidade à sua vocação
No cumprimento da vontade e do amor de Deus.

Maria, Mãe do Evangelho e Mãe da Igreja,
Intercedei por todos os que exercem um serviço,
Para que na docilidade ao seu ministério
Sejam fortalecidos no coração de Cristo.

† António Manuel Moiteiro Ramos,
Bispo de Aveiro