(00 351) 218 855 470 ocpm@ecclesia.pt

Comunicado do Observatório para a Liberdade Religiosa

(acolhido na área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona)

 

Nice: Um quase ultimato às lideranças religiosas e políticas na Europa

A estratégia do terror manifesta-se de novo e ainda na Europa. Como o Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR) referiu noutras ocasiões, “não importa o lugar onde o horror se ergue com aquele formato da cobardia que o torna só aparentemente triunfante. Será sempre um lugar onde se acoitam os assassinos” (24.05.2017).

Não importa se é Nice ou qualquer outra terra sem nome. Religiões que fazem o Ser humano no primado da ética, da relação e da consciência, não dão a ninguém o direito de atentar sem vislumbre mínimo de respeito pela vida humana.

“Estes que matam arriscam-se a não merecer outros e não têm o direito de reivindicar um qualquer Outro, porque, como dizem crentes da mesma religião que alegadamente professam, não há um Outro que os justifique. Assassinos são assassinos, mesmo que mudem de nome, roupa, pronúncia ou arma. Agem pela instrumentalização de interesses dominados pelo ódio e pela subjugação. Quem mata assim anda perdido num corredor de ódios, mas representa também um desafio de humanidade, porque ao Ser humano, sobretudo em contexto religioso, nenhuma expressão de ódio deve ficar indiferente”.

Na declaração conjunta “A FRATERNIDADE HUMANA EM PROL DA PAZ MUNDIAL E DA CONVIVÊNCIA COMUM” (Abu Dabhi, 04.02.2019), o Papa Francisco e o Grão Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, defendem que “o primeiro e mais importante objetivo das religiões é o de crer em Deus, honrá-Lo e chamar todos os homens a acreditarem”, num dom “que ninguém tem o direito de tirar, ameaçar ou manipular a seu bel-prazer”.

O terrorismo que espalha o pânico, o terror e o pessimismo é “execrável”, e “não se deve à religião – embora os terroristas a instrumentalizem – mas tem origem no cúmulo de interpretações erradas dos textos religiosos, nas políticas de fome, de pobreza, de injustiça, de opressão, de arrogância”.

O processo histórico não isenta de responsabilidades alguns países que hoje são vítimas desta inquietante expressão de violência. É necessário “interromper o apoio aos movimentos terroristas através do fornecimento de dinheiro, de armas, de planos ou justificações e também a cobertura mediática, e considerar tudo isto como crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações”.

Citamos, na íntegra, o que os líderes, cristão e muçulmano, declaram com firmeza:

“As religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso político das religiões e também das interpretações de grupos de homens de religião que abusaram – nalgumas fases da história – da influência do sentimento religioso sobre os corações dos homens para os levar à realização daquilo que não tem nada a ver com a verdade da religião, para alcançar fins políticos e económicos mundanos e míopes. Por isso, pedimos a todos que cessem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego e deixem de usar o nome de Deus para justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão. Pedimo-lo pela nossa fé comum em Deus, que não criou os homens para assassinarem ou lutarem uns com os outros, nem para serem torturados ou humilhados na sua vida e na sua existência. Com efeito Deus, o Todo-Poderoso, não precisa de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas”.

O Papa e o imã de Al-Azhar destacam ainda “a convicção de que os verdadeiros ensinamentos das religiões” estão ancorados nos “valores da paz”, apoiando “os valores do conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum”, restabelecendo “a sabedoria, a justiça e a caridade” e despertando “o sentido da religiosidade entre os jovens, para defender as novas gerações a partir do domínio do pensamento materialista, do perigo das políticas da avidez do lucro desmesurado e da indiferença baseadas na lei da força e não na força da lei”.

Se “a liberdade é um direito de toda a pessoa”, então “cada um goza da liberdade de credo, de pensamento, de expressão e de ação”, por isso é inaceitável “forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como impor um estilo de civilização que os outros não aceitam”.

Os investigadores do Observatório para a Liberdade Religiosa entendem que é inequívoca a urgência de reforçar, em particular na Europa multicultural e multireligiosa, por via das multifacetadas estruturas de crença e formação cívica, a compreensão da religião, da fé e da espiritualidade, na relação dialogante com a razão e a cidadania.

Episódios como o ocorrido em Nice representam um quase ultimato às lideranças políticas e religiosas – locais, nacionais e regionais – para que, paralelamente a adequadas políticas de prevenção e segurança, incentivem a educação para a convivência e o respeito, valorizando o fenómeno religioso, as religiões e vivências religiosas, em pluralidade e diversidade. As escolas, como as próprias comunidades religiosas, podem e devem ser espaço e ter tempo para esta pedagogia do encontro e do diálogo, na base do conhecimento mútuo. 

Este é um dos princípios do OLR, que nasceu por iniciativa cívica e académica e tem como missão “acompanhar e facilitar processos de diálogo cultural, especificamente o diálogo entre estruturas de crença, na forma de religiões e/ou espiritualidades, promovendo o respeito pelas diferenças e a responsabilidade social, para uma cidadania plena e ativa, tendo como principal missão a observação do Fenómeno Religioso, no respeito pelo princípio das liberdades associativa, individual e de consciência” (Carta de Princípios do OLR, 2014).

  1. 10.2020

Os investigadores do OLR

Alexandre Honrado

Joaquim Franco

Paulo Mendes Pinto

Rui Lomelino de Freitas