A Semana

A magistrada Maria José Morgado acaba de lançar um livro de colaboração com o jornalista José Vegar — “O Inimigo Sem Rosto” — , que não pode deixar de inquietar toda a gente de bem deste País, tais as denúncias e insinuações que revela. O Governo e as autoridades judiciais e policiais, se ficarem indiferentes ao que ali se diz e que já foi tornado público na comunicação social, em especial no PÚBLICO, correm o sério risco de se tornarem cúmplices dos crimes de colarinho branco que, pelos vistos, enxameiam a nossa sociedade.

Segundo disse em entrevista àquele diário, “no contrabando organizado do tabaco e do álcool há pessoas que enriqueceram fabulosamente; a fraude ao IVA e a pornografia infantil na Internet são outras fontes de enriquecimento espectacular. Mas apareceram também técnicas financeiras de evasão fiscal, surgiu depois o crime organizado e há paraísos fiscais que se tornaram fortalezas dos criminosos”. Reclama que é preciso confiscar as fortunas que a droga fez em Portugal e garante que o futebol, a construção civil e as autarquias constituem uma tríade perigosa.

Maria José Morgado afirma que, “por detrás de reposteiros dourados, de sociedades-fantasma de certos escritórios, estão as comissões pagas para obter vantagens fabulosas em negócios de milhões, os dinheiros silenciosamente transferidos por certos políticos e dirigentes corruptos para paraísos fiscais, os circuitos financeiros ocultos da fraude e da corrupção, a aparente respeitabilidade dos poderosos do crime organizado, o poder subterrâneo cimentado por pactos de silêncio, a paz traiçoeira da impunidade”.

Depois destas acusações ou insinuações, gravíssimas, que põem em risco a democracia, como afirma a magistrada, será que os poderes instituídos podem ficar indiferentes?

É público e notório que vivemos presentemente numa letargia política que começa a inquietar. Com o processo da pedofilia na Casa Pia a dominar, em grande plano, a comunicação social, experimentamos a sensação de que em Portugal não há problemas graves para resolver. E no entanto, eles existem e incomodam muita gente, sobretudo os mais desprotegidos.

O Governo vê-se e deseja-se para equilibrar o défice das finanças públicas, por tão depauperadas estarem elas, a evasão fiscal nunca mais acaba, as escolas são contestadas, as listas de espera na saúde continuam a aumentar, o desemprego atinge números há muito não sentidos, a instabilidade profissional e social cresce a olhos vistos, as famílias endividam-se e vêem-se a braços com o cumprimento de compromissos assumidos, enfim, a vida não está fácil para ninguém. Corrupção e crime organizado denunciados, bem como a substituição de ministros e lutas no seio do próprio Governo dão uma má imagem de Portugal, até no estrangeiro. E para ajudar, nem oposição forte e capaz de apresentar projectos alternativos temos.

Diz-se que os portugueses vivem em depressão inquietante. Por isso, o Presidente da República achou por bem apelar à nossa auto-estima, à esperança que devemos ter em dias melhores, à necessidade de acredi-tarmos nas virtualidades das instituições democráticas. Tudo certo. Mas também é preciso que elas ajudem.