À luz do dia O tempo voa, a vida corre e os dias são vividos quase sempre numa vertigem. São mais as coisas que ficam por fazer do que aquelas que deixamos feitas.
Permanentemente acelerados, condicionados ou pressionados, temos poucas oportunidades para saborear aquilo que nos acontece ou, em circuntâncias mais ou menos adversas, para perceber o que está a ser dito através deste acontecimento ou daquela pessoa.
Falta-nos tempo para recuar, para medir e para ponderar. E já nem sequer falo do tempo que nunca sobra para contemplar e meditar, pois esse tempo requer ainda mais tempo.
No meio deste turbilhão que é o dia-a-dia, é praticamente impossível parar para pensar nas questões mais íntimas e, porventura, mais sensíveis ou delicadas. Aquilo a que poderíamos chamar uma avalição consistente e coerente da nossa vida fica eternamente adiada. Falo por mim, claro.
Neste sentido, e porque sinto cada vez mais falta desse tempo regenerador, todos os anos “bloqueio” uma semana inteira para fazer Exercícios Espirituais (EE), nome que Santo Inácio, o fundador da Companhia de Jesus, deu àquilo a que também podemos chamar retiros de silêncio, espiritualmente orientados.
Sei que, para muitos, isto que digo soa estranho. Até há dez anos atrás, altura em que comecei a fazer EE, eu própria seria a primeira a estranhar esta necessidade de silêncio para exercitar a alma e o pensamento, por assim dizer. Agora, não só não estranho como preciso radicalmente deste silêncio exterior e interior para me centrar no essencial. E não falo apenas das questões de fé; mas, de uma forma especial, das dúvidas, inquietações e dilemas da vida do dia-a-dia. Este tempo de silêncio é um tempo que se usa acima de tudo para “arrumar a casa” interior e para fazer a dita avaliação de vida, aprofundando o conhecimento de nós próprios.
Vem tudo isto a propósito de algumas pistas que são dadas nos EE e que, embora extraordinariamente simples (ou aparentemente óbvias), nos escapam com frequência e, uma vez identificadas, ajudam a fazer caminho. Falo concretamente da capacidade de distinguir as coisas boas das coisas más. Ou seja, aquilo que nos faz bem, nos permite crescer e avançar, daquilo que nos faz mal, porque nos impede de ir mais longe.
Contra todas as evidências, não existem coisas boas nem coisas más. Tudo depende do uso que fazemos delas. As boas podem revelar-se traiçoeiras; e aquelas que, à partida, parecem más podem converter-se em oportunidades de crescimento.
Vasco Pinto de Magalhães, o padre jesuíta com quem tenho feito EE nos últimos anos, insiste sempre muito neste ponto, para que não haja equívocos e, por isso, cabe-nos interiorizar esta verdade de que nada é completamente bom ou inteiramente mau.
Todos temos, aliás, experiência disso; mas nunca é demais voltar à questão. Digo eu, que facilmente me distraio do essencial, para me concentrar no que é acessório.