Que bem sei eu a fonte que mana e corre,
mesmo se é noite!
Aquela eterna fonte está escondida.
Que bem sei onde tem sua guarida,
mesmo se é noite!
Sua origem não a sei, pois não a tem,
mas sei que toda a origem dela vem,
mesmo se é noite.
Sei que não pode ser coisa tão bela,
e que céus e terra bebem dela,
mesmo se é noite.
Bem sei que nela chão não se há-de achar,
e a pé ninguém a pode atravessar,
mesmo se é noite.
Nunca é a sua luz escurecida
e sei que toda a claridade lhe é devida,
mesmo se é noite.
Sei tão caudalosas ser suas correntes,
que infernos e céus regam, e as gentes,
mesmo se é noite.
Desta fonte é que nasce uma corrente
que eu sei que é tão vasta e tão potente,
mesmo se é noite.
Esta eterna fonte está escondida
neste tão vivo pão pra nos dar vida,
mesmo se é noite.
Aqui está ela a chamar as criaturas:
nela se fartem, embora às escuras,
porque é de noite.
Esta fonte tão viva, que desejo,
neste pão da vida é que eu a vejo,
mesmo se é noite.
João da Cruz
Juan de Yepes (1452-1591) nasceu em Fontiveros (Ávila, Espanha) e morreu em Úbeda (província de Jaén, Andaluzia). Estudou num colégio jesuíta e ingressou no convento carmelita de Santa Ana de Medina del Campo, em 1563, sendo ordenado padre em 1567. Colaborou com Santa Teresa de Ávila na reforma do Carmelo. Chegou a ser preso por ordem do vigário geral dos Carmelitas, devido a contendas surgidas com os que se opunham à reforma. Exerceu depois grande actividade como director espiritual e fundador de conventos. Durante a prisão, compôs poemas que figuram entre os mais belos da língua espanhola. Este que se reproduz é tradução do poeta José Bento e surge em “Poesias Completas de S. João da Cruz” (ed. Assírio&Alvim). Imagem: Estátua no novo Convento do Carmo, Aveiro.