Coitada da tradição… Era rica, agora está falida!

Em cima da linha Corre por aí todos os dias, expressa de muitas maneiras, a mágoa de um saudosismo já moribundo: “A tradição já não é o que era!”

Sou claramente contra esta tradição.

Todos nós gostamos muito da estabilidade que nos pode proporcionar situações de segurança. Porém, sabemos que a vida é feita de mudança permanente. Cada dia abre para todos nós perspectivas de novidade. Andamos todos à procura de algo que abane a monotonia dos dias e das coisas. Os choques provocam no mundo reacções capazes de nos confrontarem com novas e velhas realidades. Apesar de tudo, só somos sensíveis às mudanças quando elas nos trazem benefícios palpáveis ou satisfazem os nossos desejos. De outra maneira, torna-se nebulosa a situação.

No mundo que nos envolve, tudo pode mudar, tudo deve mudar, excepto a Igreja. Mostram-se as pessoas extremamente críticas à Igreja sempre que há interesses pessoais que não são atendidos. Mas, quando essas mudanças atingem o seu alvo em nós próprios, aí entra com todo o rigor e pompa a dita tradição: Porque sempre foi assim, não é agora que se vai mudar!

A Igreja é o povo de Deus a caminhar; e quem caminha, ao contrário de quem está sentado à beira do caminho, muda. Ela assenta a sua construção sobre a rocha, mas não é uma construção acabada. Daí que a forma de construir a Igreja no passado possa não ser adequada ao nosso tempo. Aquilo que foi riqueza de fé e de conteúdos na sua expressão celebrativa pode estar hoje completamente esvaziado de sentido. Refiro-me às tradições. Quando começaram, estavam cheias de valor e de sentido. O desgaste do tempo e a monotonia foram-lhes, progressivamente, retirando o seu valor. Outras há que continuam activas e vivas. Por essa razão, umas continuam a ter sentido, outras não têm sentido hoje. Quero dizer que boas tradições se perderam e continuam a perder, e outras, já tradições inúteis e vazias, continuam apenas a ter a defesa intransigente de uns quantos intolerantes, também já eles esvaziados do fundamental da sua fé.

Perdeu-se o sentido da Páscoa e tenta-se agarrar com todas as forças um “certa” Visita pascal; troca-se a missa do dia de Páscoa, (às vezes – é verdade! – a horas inconvenientes), por uma corrida pascal de casa em casa; perderam-se as Irmandades com o seu profundo sentido de ajuda e solidariedade, enquanto se geram novas confrarias, à volta dos mais fúteis motivos; perde-se o sentido mais profundo da família de sangue e dos vizinhos, e criam-se geminações com outros povos longínquos, imaginando que é aí que se constrói a paz; perdeu-se o sentido da oração, e corre-se à procura de curas milagrosas e imediatas; perdeu-se o sentido de Deus e vai-se à procura de horóscopos, bruxarias e superstições.

Perde-se continuamente a tradição mais genuína e mais rica da Igreja e, em troca, procura-se uma tradição já “falida”, bem ao gosto do nosso tempo.

Deixámos estragar a comida pela nossa falta de atenção e depois lamentámo-nos agarrando-nos ao tacho onde só ficaram resíduos queimados, que não servem para nada.

Afinal, o que está em causa é a minha atitude e o meu compromisso perante a vida e perante tudo aquilo que dá profundo sentido à vida.

A Igreja tem uma Tradição rica e indestrutível: é a Eucaristia. Esta é a tradição mais Tradição da Igreja, porque é a Sua maior riqueza. Não obstante, muitos a estão a esbanjar e a desvirtuar. Para uns já não vale a pena ir à missa; para outros, “aquilo” é sempre o mesmo pão duro que não agrada ao paladar.

Porém, para os que a apreciam ela é a tradição sempre nova, porque é “comida fresca”, que gera energias de salvação.