1. O vulgar cidadão português, o cidadão que é estigmatizado com o rótulo “privado” continua a viver em sobressalto: afinal, porque não pertence ao aparelho do Estado ou porque não teve a sorte de ingressar nas empresas públicas, não tem possibilidade de se “descongelar”, nem de auferir sequer dos aumentos correspondentes à inflação… O comentador político Dr. Marques Mendes disse-o sem rodeios: “O brutal aumento de impostos no privado não está revertido”. E lembrou que, durante a crise, foi o setor privado que sofreu despedimentos e desemprego, ao contrário da função pública.
Essa cascata que se divisa no horizonte, iniciada com as reivindicações dos professores e que alastra a outros setores dos serviços públicos, anuncia custos brutais acrescidos ao Orçamento do Estado. E quem paga?… As notícias dizem que empresas públicas escondem salários dos seus gestores. A ser verdade, o Zé Povo vai continuar a alimentar os senhores da “máquina estatal”. Francisco Assis alvitra que o Governo “tem uma linha vermelha” na margem para abrir mão de conceder todos os benefícios requeridos. E quem garante que respeite? Subjugado ao PCP e BE para se manter no poder, terá sensibilidade humanista suficiente para reverter a crescente injustiça social?
“O Governo semeou facilidades – diz ele. Era tudo fácil, repor salários, cortar sobretaxa, repor pensões, ‘chapa ganha, chapa distribuída’, criou a ilusão de facilidade, mas quem semeia facilidades colhe dificuldades”. Os benefícios não se concedem sem dinheiro. E temo-lo? “Mas nós, para darmos benefícios continuamos a pedir dinheiro ao estrangeiro todos os anos, pois não há excedentes”, explicou.
Com a situação de crise foi o país privado quem mais sofreu, porque “teve muita gente desempregada, despedida e que teve de emigrar. A função pública não ficou desempregada, porque não há despedimentos na função pública, mas só função pública é que teve reversão de cortes”, disse ainda. “Não se pode pensar só em distribuir, é preciso pensar em produzir para criar emprego e sustentabilidade”, alertou. Portugal é o campeão a pagar juros. “A nossa dívida até é mais cara que a da Grécia”. O “ministério dos juros” gasta mais do que o Ministério da Educação e um pouco menos do que o Ministério da Saúde. Poderemos, na verdade, viver tranquilos?
2. Sobra-nos a palavra de esperança do Papa Francisco. Comentando, no Ângelus, a parábola de domingo passado, convida-nos a purificarmos a nossa ideia de Deus: “Não devemos pensar que Ele é um mestre mau, duro e severo que nos quer punir. Se houver esta imagem errada de Deus em nós, a nossa vida não pode ser frutífera, porque viveremos com medo e isso não nos levará a nada construtivo, antes, o medo nos paralisará, e nos autodestruirá. (…) E Jesus mostrou-nos sempre que Deus não é um mestre severo e intolerante, mas um pai cheio de amor, ternura, um pai cheio de bens. Portanto, podemos e devemos ter uma imensa confiança Nele”. Ir mais longe do que aquele governante que, a propósito da seca, timidamente diz que devemos esperar que a bondade da natureza nos bafeje.
Na sua homilia da Celebração do 1.º Dia Mundial dos Pobres, o Bispo de Roma estimula-nos. “Antes de mais nada, reconheçamos isto: temos talentos, somos «talentosos» aos olhos de Deus. Por isso ninguém pode considerar-se inútil, ninguém pode dizer-se tão pobre que não possua algo para dar aos outros. Somos eleitos e abençoados por Deus, que deseja cumular-nos dos seus dons, mais do que um pai e uma mãe o desejam fazer aos seus filhos. E Deus, aos olhos de Quem nenhum filho pode ser descartado, confia uma missão a cada um”.
Termina o Santo Padre com um desafio. “Diante de nós, está esta escolha: viver para ter na terra ou dar para ganhar o Céu. Com efeito, para o Céu, não vale o que se tem, mas o que se dá, e «quem amontoa para si não é rico em relação a Deus» (cf. Lc 12, 21). Então não busquemos o supérfluo para nós, mas o bem para os outros, e nada de precioso nos faltará. O Senhor, que tem compaixão das nossas pobrezas e nos reveste dos seus talentos, nos conceda a sabedoria de procurar o que conta e a coragem de amar, não com palavras, mas com obras”. Vamos assumir esta esperança e esta responsabilidade!