Estacionamento na periferia pode reduzir carros no centro de Aveiro – Com este título foi publicado, no Correio do Vouga da semana passada um artigo de Cardoso Ferreira. Neste artigo é sugerida como solução para reduzir o número de veículos que diariamente entram no centro da cidade a “abertura de grandes áreas de estacionamento na periferia da cidade e a entrada em funcionamento de circuitos de autocarro entre esses parques de estacionamento e o centro de Aveiro”. Esta é uma solução já ventilada noutras ocasiões, e penso que um dia deverá ser tomada muito a sério. Cardoso Ferreira escreve ainda que “no centro da cidade não há suficientes lugares de estacionamento, quer sejam pagos ou de ocupação livre, pelo que é frequente encontrarem-se veículos parados em zonas pedonais ou ocupando passeios ou ciclovias”. E aqui estou em desacordo. Em primeiro lugar porque, neste momento existem no centro de Aveiro lugares de estacionamento suficientes para as necessidades urgentes e temporárias dos automobilistas. Para ir a uma loja, a uma repartição ou até para tomar uma bica ou para um encontro rápido de amigos, ainda chegam os lugares à disposição. Aqui há tempos, para escrever umas palavras sobre este mesmo assunto, dei uma volta pelos parques de estacionamento existentes e cheguei à seguinte conclusão: no parque de estacionamento da Praça Marquês de Pombal, para uma lotação de cerca de 500 lugares, é raro serem ocupados 100 lugares; no Parque de Estacionamento do Forum, com uma lotação de 1.080 lugares, é raro serem ocupados metade; o Parque Manuel Firmino, com 100 lugares disponíveis, por norma estão ocupados 10 ou 20; no Ana Vieira, que tem entre 400 /500 lugares, é raro chegar às 100 ocupações (apesar dos primeiros 30 minutos serem gratuitos); no Parque do Mercado de Santiago a ocupação é semelhante; nos Parques do Jumbo, com estacionamento gratuito, o andar superior apenas necessita de abrir uma ou duas vezes por ano. Portanto, o estacionamento abandalhado a que assistimos em toda a cidade não é motivado porque os senhores automobilistas não encontram lugares para estacionar perto dos lugares para onde necessitam de se deslocar, mas porque existe uma descarada e condenável falta de civismo. Existem na cidade passeios com pouco mais de meio metro de largura, onde duas pessoas a pé não se conseguem cruzar, como por exemplo no Tribunal de Menores, e até aí é frequente verem-se carros estacionados a ocuparem a totalidade da largura do passeio. Na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, e noutros locais, é constante verem-se carros estacionados em segunda fila, e se repararmos bem, muitas das vezes estão lugares vazios, por vezes a menos de 20 metros. Lugares vagos aparecem, mas porque raio é que havemos de pôr uma moedinha, quando é muito mais emocionante e económico prevaricar?
Dizia-me aqui há tempos um oficial da PSP, que ao fim de um ano, mesmo a pagar uma ou duas multas, os prevaricadores profissionais e que sempre escapam, fartam-se de poupar dinheiro. Até parece que vale a pena correr riscos, pois neste caso o “crime” até compensa.
Aqui há pouco tempo tive necessidade de me deslocar a um hospital de Coimbra. Habituado à total bagunça do estacionamento de Aveiro, estacionei com duas rodas em cima de um passeio, perto do tal hospital. O passeio era larguíssimo, e pareceu-me que não prejudicava ninguém. Mas era proibido, e quando cheguei ao carro tinha um papelinho da Policia Municipal de Coimbra. E paguei a multa de imediato. E agradeci à Policia Municipal de Coimbra o ter-me feito saber que em Coimbra há ordem, e há quem zele por isso. E tive necessidade de me deslocar a Coimbra mais uma meia dúzia de vezes. Mas sempre com o tempo necessário para procurar lugar onde deixar o carro.
Se em Aveiro o estacionamento é a anarquia total a que todos assistimos diariamente, será também porque não abundam os lugares para os automobilistas estacionarem as sua viaturas. Mas os principais motivos, a meu ver, são essencialmente dois: em primeiro lugar, a total falta de civismo dos cidadãos automobilistas. Que interessa aos condutores dos carros os direitos dos outros cidadãos de circularem em segurança pelos passeios da cidade? Que interessa aos automobilistas o direito que os cidadãos têm de tirar os seus carros das suas garagens, quem sabe se em algumas vezes em situações de emergência, e estacionam por tempos infindáveis em frente aos portões? Em Aveiro estacionamos nos locais mais incríveis, muitas vezes sem que nos passe pela cabeça se ficamos a prejudicar alguém, e, o que é pior, se ficamos a prejudicar gravemente alguém. Por vezes bem se fala das dificuldades de circulação de pessoas com deficiências físicas, mas quantas vezes assistimos a automóveis estacionados em cima das rampas feitas para facilitar o acesso a pessoas com dificuldades de locomoção? E as viaturas em cima das passadeiras? E a quantas mais situações aberrantes assistimos no nosso dia-a-dia?
Imagino quantas pessoas estarão a dizer cobras e lagartos destas minhas palavras. É que todos nós arranjamos sempre desculpa para justificar os nossos atos, por vezes tão pouco claros, e tão pouco respeitosos dos direitos dos nossos semelhantes. Com estas palavras não estou a condenar ninguém para me desculpar a mim. Quantas vezes, por esta ou por aquela razão, estaciono mal o meu carro? E sempre com a convicção de que não serei incomodado por isso.
E é o segundo motivo, a meu ver, para a anarquia do estacionamento em Aveiro. Todos nós condutores, prevaricamos mais ou menos vezes, com mais ou menos gravidade, porque sabemos que muito raramente seremos “incomodados” pelas autoridades. A PSP terá poucos efetivos, e ocupados com outras ações talvez mais importantes. A meu ver, a ação de ajuda aos cidadãos para estacionarem corretamente, deveria caber em primeiro lugar à Polícia Municipal. Foi em parte com essa finalidade que ela foi criada. Não para andar à “caça à multa”. Mas para ajudar os aveirenses e circularem e a estacionarem em mais e maior segurança. A Câmara de Aveiro, numa ação de total ignorância, foi rápida em acabar com a Proteção Civil Municipal, usando argumentos que apenas realçaram não saber do que estavam a falar. No mesmo sentido vai a Polícia Municipal de Aveiro, que tão pouco se vê nas ruas em ações de colaboração na ajuda aos cidadãos aveirenses, que muitas vezes perguntamos se também ela já não teria sido extinta.
E porque sabemos que não há, ou que é insipiente a fiscalização, todos vamos transgredindo, também, e, quantas vezes, muito gravemente no estacionamento.
Com parques de estacionamento no perímetro da cidade, ou com parques de estacionamento na periferia, com ligação ao centro da cidade, a bagunça irá continuar, pois todos sabemos que poderemos continuar a transgredir, pois sabemos que ninguém nos irá “incomodar”.