Poço de Jacob – 142 Nos braços de Nossa Senhora de Lourdes, quando todo o mundo falava da renúncia ao ministério petrino de Bento XVI, adormecia serenamente, como sempre viveu, dentro das abençoadas paredes do nosso Carmelo de Aveiro, a Irmã Maria da Graça.
O seu funeral foi uma festa da fé com a presença dos nossos queridos dois bispos, D. António Francisco e D. António Marcelino. Muitos sacerdotes, sobretudo os nossos carmelitas vindos de várias partes de Portugal. Comunidades religiosas. Fiéis e parentes.
A homilia de D. António Francisco foi lindíssima e basta ler a mesma para termos o retrato da nossa irmã, além do que disse a madre superiora no final da cerimónia. Todos estávamos mesmo emocionados. Alguém me disse: Parece o Céu! Primeiro, outra coisa não era de se esperar tratando-se do Carmelo, e deste Carmelo de Aveiro. Segundo, tratando-se do funeral de uma santa. Sim, foi o senhor Bispo que nos falou da atmosfera de santidade que se respirava no seu leito de moribunda, quando ele a visitou.
O que guardo desta irmã é não só memória, mas sobretudo herança. Se o mundo e a vida são duros e nos endurecem, conhecer gente como esta estimula-nos a acreditar que Deus não abandonou o mundo. Costumo dizer que, entrados nos 50 anos, começamos a época das perdas de tudo quanto amamos. A nossa geração vai sendo passado diante dos nossos olhos e os grandes amigos e amores vão-se indo embora. A nossa vez aproxima-se também e sentimos isso a cada dia que passa. Corpo e alma abraçam-se para nos dizerem que não temos aqui a morada permanente. Pouco a pouco, vamos aceitando o aniquilamento. Com a Fé, o nosso horizonte não é negro, mas vislumbramos um céu azul e brilhante de luz que nos espera.
Conhecer a Irmã Maria da Graça foi um privilégio. Conheci-a há uns 27 anos em Eirol, no provisório Carmelo que durou para as nossas irmãs muitos anos de verdadeira penitência, por se tratar de uma casa adaptada. Com ela e a comunidade da qual ela era superiora preparei a minha ordenação sacerdotal e celebrei uma das minhas primeiras missas em Eirol. Convivia com as carmelitas e as nossas conversas levavam-nos a conviver com os grandes mestres da Ordem. A alma ali sempre se elevava.
A Irmã Maria da Graça acolhia-nos sempre, mas sempre, com um lindo sorriso, mesmo quando estava muito doente, nestes últimos tempos. A sua voz suave, doce, melodiosa, transmitia paz e maternidade espiritual. A sua arte de pintar quadros cheios de elevação. O seu toque delicado na pequena harpa do coro nas missas e nas orações de Liturgia das Horas dava um tom singular aos nossos ouvidos, exprimindo a especificidade desta doce Irmã. Alegre. Brincalhona. Também sabia transmitir a verdade, por vezes com subtileza e delicadeza ao mesmo tempo, o que a tornava irresistivelmente querida por todos. Sempre a considerei a expressão da alma carmelita. Mulher inteira e assumida na sua vocação, confirmada por tantos anos de fidelidade e provação. Não fugia diante do desafio que foi o de vir para Aveiro, o ver prolongar-se um exílio em Eirol, pois a casa não estava de acordo com a espiritualidade. A construção do novo Carmelo e os seus desafios. O passar a missão de priora para outras como é próprio da vida da comunidade, num desafio contínuo de obediência e humildade.
Ver e falar com esta irmã era sentir que o Carmelo é, verdadeiramente, um dom de Deus à Igreja, e que tínhamos o privilégio de o ter entre nós. Vi, no funeral, as lágrimas das suas irmãs. De saudade, sem dúvida, pois a nossa alegria diante da morte só se entende à luz da Fé. Senti um vazio preenchido, pois a sua ausência vai-se fazer sentir em todos nós. Mas sabemos que ela continuará a velar pelo seu querido Carmelo de Aveiro. Foi e ficou. Que vele pelos sacerdotes que tanto amava, especialmente aqueles de quem era madrinha espiritual. Agradeço ao Senhor por Aveiro ter tido a Irmã Maria da Graça no meio de nós. Peço para ela um céu pleno de amor e de paz. Que agora as melodias da sua harpa se confundam com a dos Anjos e um dia nos reencontremos, sem paredes de clausura, que na terra são abençoadas, mas naquele abraço que a todos nos fará sentir que valeu a pena sermos, com e como ela, fortes amigos de Deus.
Vitor Espadilha