Museu de Aveiro a Nacional

DOMINGOS CERQUEIRA

DOMINGOS CERQUEIRA

Anda a decorrer uma petição pública com o fim de conseguir a elevação da classificação do nosso Museu à categoria de Museu Nacional. Quando me chegou às mãos tal petição, de imediato a assinei. Não gosto que a minha terra ande pela segunda ou pela terceira divisão, seja do que for, e por isso me solidarizei com os autores desta petição. Mas logo a seguir apanhei uma valente cacetada ao ter conhecimento de que pode estar para breve não a subida de escalão do nosso Museu, mas a sua descida a um escalão quase de bairro. Ou seja, temos por cá gente que pretende apenas ter um Museu de nível concelhio. Parece-me que a nossa Câmara Municipal pretende que o Museu de Aveiro lhe seja entregue.
Uma Câmara em que os seus dirigentes atuais apregoam estar falida, pretende assumir a gestão do Museu de Aveiro. E as consequências, no meu entendimento não podem ser senão grandemente nefastas para a nossa cidade. Vejam o que por aí se continua a passar. A Câmara está falida? E como é possível queimar rios de dinheiro (milhões de euros) em obras inúteis que não irão servir praticamente a generalidade dos aveirenses, como seja a ponte (que não tem nada de ponte) da Avenida Artur Ravara, ou o buraco da ponte da Dobadoura, que não vejo vir a ser utilizado pelos habitantes daquele bairro? A Câmara está falida? Como é possível continuar a gerir a empresa Aveiro Expo de uma forma escandalosamente ruinosa, que já provocou um buraco de milhões de euros? A Câmara está falida, pois não tem dinheiro para comprar umas trinta lâmpadas para iluminar a fachada do Museu – de umas trinta lâmpadas apenas acendem três – as outras estão apagadas já lá vão três ou quatro anos, o que mostra o interesse e o gosto da nossa Câmara pelo Museu? A Câmara está falida, pois a placa indicativa da Avenida do Dr. David Cristo – descerrada com toda a pompa e circunstância com delegações de bombeiros de todo o País, caiu logo a seguir à inauguração, e apesar dos contactos frequentes com vereadores e com presidentes de juntas de freguesias, não se consegue a sua substituição? A Câmara está falida, pois nem dinheiro tem – ou não tem interesse – para conservar a sua residência oficial – o Palacete dos Morgados da Pedricosa -, de onde já desapareceu parte do faqueiro e parte do serviço de cristal e quem sabe lá que mais?
A Câmara está falida? Mas quer o Museu de Aveiro. E eu antevejo uma desgraça que virá a lesar sobremaneira os interesses de Aveiro. Pelos exemplos à vista, o que vai ser do Museu ?
Ainda há pouco tempo o Estado gastou para cima de sete milhões de euros para o restauro do edifício. E por quanto ficará a conservação permanente de um edifício de tais dimensões? Penso saber que o orçamento anual do Museu andará pelos quinhentos mil euros anuais.
Mas a Câmara quer a gestão do Museu. E eu farto-me de pensar porquê e para quê? Será que o Museu está falido, e a Câmara pretende salvá-lo? Será que estão em risco de conservação as preciosidades que constituem o grandioso espólio do nosso Museu? Será que são incompetentes os funcionários que têm mantido o Museu a funcionar? Será que a Câmara quer salvar o Museu de uma ruína eminente? Será que o Estado pretenderia fechar o Museu de Aveiro, ou ter uma qualquer outra intervenção por estarem em risco as milhares de peças preciosas que estão dentro das suas paredes?
Tudo isto é falso. E se a Câmara Municipal de Aveiro, mesmo apenas com insinuações, está a pôr em causa a competência, a dedicação, o amor às funções que desempenham, e o amor ao Museu e a Aveiro por parte dos funcionários que ali trabalham, está a cometer uma enorme indignidade. Podem ser inconfessáveis os motivos para tentar tomar posse do Museu. Mas ao menos que não queiram enganar os aveirenses. É que ainda há aveirenses que não estão dispostos a deixarem-se enganar. Embora alguns aveirenses se deixem enganar por medo. E outros, penso que poucos, se deixarão enganar por alguns interesses pessoais ou políticos.
O que quer a Câmara do Museu? Para que quer a Câmara o Museu?
Para elevar o prestígio que o Museu de Aveiro tem vindo a grangear ao longo de mais de 100 anos ? Não é esse o motivo, nem a Câmara seria capaz disso. Em todos os documentos que folheei, alguns com muitas dezenas de anos, os elogios feitos ao caminho que de há décadas vem a ser trilhado pelo Museu colocam-no entre os mais prestigiados de Portugal. Tem mesmo o respeito e a extrema confiança por parte de outras entidades e outros museus, que têm confiado ao Museu de Aveiro a guarda de preciosas obras.
Pelo Museu de Aveiro, têm passado, em cargos de gestão e direção, ou como participantes em centenas e centenas de eventos, as mais prestigiadas personalidades aveirenses. O Museu de Aveiro grangeou o título de uma das mais prestigiadas instituições aveirenses.
Aveiro tem uma história extremamente rica e extremamente digna, também por causa de ter o nosso Museu.
Ainda nos últimos dias tive a satisfação de ver a nomeação, para diretor do Museu de Aveiro, do aveirense José António Rebocho Christo. Pessoa que nasceu de uma família de grande amor a Aveiro, uma família que marcou Aveiro de uma forma vigorosa, praticamente durante todo o século XX. Muito Aveiro tem a esperar do Dr. José António na gestão do Museu, pela competência que durante muitos anos tem posto ao seu serviço. Não tenho dúvida de que virá a fazer parte do grande número de grandes aveirenses que têm passado pelo museu. O último aveirense que exerceu a função de diretor do Museu, foi o Dr. Alberto Souto, nomeado para o cargo em 1925, e aí permanecendo durante 33 anos. Para bem do Museu e para bem de Aveiro, desejo também ao Dr. José António Rebocho Christo uma vida longa à frente dos destinos do Museu (Nacional) de Aveiro.
Porque raio se pretende interromper o caminho brilhante que desde sempre tem sido trilhado pelo nosso Museu?
Só tenho uma palavra para terminar este meu desabafo.
Há uns dois ou três anos atrás, um enorme aveirense, ao analisar o estado da gestão municipal em Aveiro, escreveu um artigo que foi publicado na imprensa, a que deu o título de AVEIRO EM MARCHA À RÉ.
Eu próprio, há já uns quatro anos, escrevi umas palavras a que dei o nome de AVEIRO A AFUNDAR-SE.
Apetecia-me voltar a publicar as palavras que escrevi então. Esta da despromoção do Museu de Aveiro a museu municipal não passa de um recuo, ou de um afundamento, dos legítimos anseios dos aveirenses, que querem ver as suas instituições cada vez mais respeitadas, e por intermédio do seu prestígio, querem ver o nome de Aveiro cada vez mais alto e cada vez mais respeitado.
Aveiro não pode deixar de fazer parte do grupo de museus nacionais que compõem a rota dos grandes museus portugueses, que só por si garantem a visita de inúmeros turistas. Aveiro merece o seu Museu Nacional.
Para terminar pergunto: quem se deslocará a Aveiro, exclusivamente, para visitar um museu concelhio?
Ainda é tempo de alguém nos atirar uma boia, para que também nós não nos afundemos.