Niedziela

Esta palavra polaca é muito curiosa. É o nome que os polacos dão ao domingo. Enquanto, para nós, domingo significa “dia do Senhor”, a palavra polaca é composta por “nie”, ou seja, “não” e “dzialac”, que significa “fazer”. Ou seja, o dia de domingo significa “não fazer”!
Talvez por ter sido o país que mais judeus teve no seu território, diminuídos drasticamente pelo holocausto nazi, a cultura polaca tem influências fortes do domínio turco, como se vê no café, por exemplo, e da cultura ortodoxa, como se vê nos quadros de Maria, e da cultura judaica. Respira-se judaísmo na Polónia. Por isso, para mim, ir lá, não como turista, mas para estar misturado na vida das aldeias, permite respirar essa mistura de cultura, também muito católica, para além do odor omnipresente da guerra mundial, do holocausto e do comunismo. Cultura e fé saem bem fortificadas. E tanto gostamos de ir pelos lugares santos católicos, que são centenas e centenas, e magníficos, como pelos bairros judeus cheios de vida e de cânticos, qual nova Jerusalém, ou pisar o passado de guerras e invasões em ruas e museus grandiosos que nos recordam que um povo não pode apagar o seu passado. Não puseram abaixo os monumentos comunistas. Nem apagaram as lembranças dos passos dos nazis.
O mundo ortodoxo sente-se sobretudo na liturgia. A gastronomia fala-nos do domínio turco. Na mesa, parece que estamos em Istambul. A cultura e modo de ser do povo eslavo une a frieza e alguma agressividade à beleza incrível dos cabelos loiros e dos olhos verdes ou azuis. São um mosaico vivo, ainda nos dias de hoje, em que os elementos de origens diversas são bem visíveis no dia a dia das pessoas.
O facto de o domingo se chamar o dia do “não fazer” coisa alguma remete-nos para o “shabat” judeu. De facto, o judeu conta o seu “shabat”, o seu sábado, desde o pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de sábado, procurando, os mais conservadores, nada fazer mesmo, como por exemplo, não acender a luz carregando no interruptor… ou não apertar o botão do elevador. Os hotéis de Jerusalém tem o elevador do “shabat”, que automaticamente para em todos os andares sem que seja preciso usar o dedo para o chamar. Centenas de normas, algo escravizantes, povoam o dia a dia do judeu, e as proibições sempre foram mais que muitas. Jesus fez referência a esses preceitos humanos que são fardos. Mas, bem lá no fundo, o “não fazer” transmite uma mensagem bem bonita.
O nosso domingo deveria ser dia de descanso, de não fazer trabalhos do campo ou servis. E isso se diz nos mandamentos: Guardar domingos e festas de guarda. As festas de guarda estão desacreditadas. Poucos as respeitam, pois, como implicavam feriados e isso é alterado continuamente, as pessoas não creem que sejam dias santos. O dia de Todos os Santos, dia de São José, entre outros como o Corpo de Deus, nada dizem hoje, ao lado do dia da Assunção e da Imaculada… E todos desejam que caia num dia de semana para não irem trabalhar. Mas o domingo, salvaguardando os que têm de trabalhar por turnos e ao fim de semana, como nos transportes públicos ou hospitais, por exemplo, deveria ser dia para Deus, e daí a Missa.
Como para a Bíblia o dia começa ao pôr do sol do dia anterior, é justo que se vá a Missa ao sábado com a mesma validade de domingo. O dia de domingo começa quando o sol se põe no sábado. Se a Igreja assumiu o domingo, o tal oitavo dia, é porque a sinagoga não nos aceitou e também por se crer que Jesus ressuscitou na manhã do oitavo dia. Também chamado dia do sol, como faz referência São Justino num escrito seu, e daí o “sunday” inglês. “Sun” quer dizer sol. Mas o que encanta no “niedziela” é a preocupação divina de descansar ao sétimo dia. Seria originalmente uma preocupação da classe sacerdotal a referência ao descanso de Deus para impor o “shabat”,mas eu vejo aí o cuidado de um Deus que conhece a obra que fez e que somos nós. Seis dias para trabalhar forte e pesado… e um dia para retemperar forças com Ele e com a riqueza da família e do descanso.
Um dia Jesus disse aos Seus apóstolos que viessem descansar um pouco à parte, com Ele. Esse é o nosso Deus. Conhece o que nos faz falta. Um dia de descanso é fundamental para retemperar as forças físicas e psicológicas. Descansar semanalmente deveria ser mesmo preceito obrigatório para todos os homens que se amam a si mesmos, Deus o mostra no seu imenso amor. Mas com Ele – daí a importância da Missa no fim de semana – e o convívio com os irmãos.
Eu gelo quando vejo que se marcam atividades da Igreja para o domingo. Este dia é o dia do “não fazer” no mais puro sentido bíblico. E deveria ser respeitado, para o nosso bem. Deixo a norma de Madre Teresa, segundo li uma vez. Não sei se é real, mas aqui fica o que ela terá dito às suas irmãs: Devem ter umas horas antes de começar o trabalho, na capela, um dia livre por semana, uma semana livre por mês, um mês livre por ano, e um ano livre periodicamente… claro que para oração e formação.
Se não corresponde à verdade, não deixa de ser sugestivo para nós, que deveríamos ter uma hora para Deus por dia, um dia por semana para Ele e nós, e umas semanas por ano para podermos fazer retiro, descansar, conviver e passear.
Vitor Espadilha