Precisamente amanhã, 08 de março, comemora-se o ‘Dia Internacional da Mulher’. Como em anos anteriores, evoco-o mais uma vez no nosso jornal, para recordar uma aveirense ilustre. Porque recentemente foi retomado o processo de canonização de Santa Joana e porque o presente ano pastoral é dominado pelo tema da caridade, conforme o conselho de Jesus «Dai-lhes vós mesmos de comer», lembro aqui a nossa Padroeira como uma mulher que se distinguiu no amor ao próximo.
De facto, ao rememorar a Princesa Santa Joana, sempre me impressionou a singular faceta de amor que ela manifestou ao longo da sua vida neste mundo. Em primeiro lugar, a sua extraordinária devoção à paixão de Cristo fazia-a recordar o sofrimento do Senhor por ela própria e por todos nós, embora sentindo-se incapaz de corresponder a tão inaudito amor. Este pensamento impulsionou-a a pensar naqueles e naquelas a quem poderia ser útil para lhes atenuar o sofrimento e a pobreza.
Em tal capítulo, sabemos como Santa Joana, ainda jovem, vivendo com a responsabilidade do Paço da Rainha, auxiliava os mais pobres e mais necessitados de Lisboa; pelo seu mordomo, mandava-lhes esmolas e roupas. Também, na quinta-feira santa, convidava doze mulheres humildes para lhes lavar e beijar os pés, imitando Jesus Cristo; no fim, não deixavam o Paço sem levarem consigo peças de vestuário, que ela lhes dava com muita caridade.
Em 1472, por sua firme decisão, veio viver para Aveiro, no Mosteiro de Jesus. Aqui, foram bem patentes a sua colaboração com as madres superioras, o seu carinho para com as irmãs religiosas doentes ou desanimadas e o seu cuidado em matar a fome aos famintos, residentes na vila; e de tal modo o fazia que, quando faleceu, se ouviram muitos choros e lamentações, da parte de quem iria sentir a sua falta. Outrossim, à porta dos seus aposentos era tão esmoler para com conhecidos e desconhecidos que o humanista Cataldo Sículo, estando em Aveiro como mestre e precetor do pequeno D. Jorge, filho bastardo de el-rei D. João II, irmão da Princesa, escreveu num dos seus epigramas que ela era de uma generosidade extrema, senão mesmo algo ingénua, sendo dadivosa para com todos sem exceção, não distinguindo dos indigentes verdadeiros os que eram viciosos e falsos pedintes. Entre esta «gente estulta e má», o referido autor enumerou ‘peregrinos’ que nunca tinham ido a Roma, a Jerusalém ou a Compostela, mas «pedem recompensas certas»; ‘assaltados por ladrões’, dizendo-se sem ouro nem recursos, que «para aqui dirigem os seus passos»; ‘náufragos’ que nunca tinham andado sobre as ondas do mar, esperando «que seja prestada fé às suas mentiras»; ‘estudantes’ que «jamais tiveram a preocupação de frequentar qualquer escola»; ‘frades’ que nunca haviam estado em algum convento ou que «tinham horror a levar uma vida casta»; ‘criminosos’ «dignos da forca ou do fogo», pedindo, «com rosto audacioso, pelo amor de Deus»; ‘coxos’ e ‘aleijados’ que, de boa saúde, «pedem dinheiro com voz embargada»; ‘combatentes da fé’ que «apresentam as feridas como testemunhas» ou «exibem as mãos decepadas pelo inimigo turco»; ‘alcoviteiros’ e ‘adúlteros’ que, «surpreendidos em flagrante», fugiram «de corpo trespassado de feridas»; e outros burlões da mais variada espécie… A ela, porém, não lhe incumbia julgar as consciências; isso era com eles e com Deus. A Princesa sabia concretizar bem o conselho de Jesus, atrás referido: – «Dai-lhes vós mesmos de comer.»
Concluindo esta pequena nota, reafirmo que a sua singular caridade se fundamentou no amor de Cristo para connosco, que Ele manifestou ao longo da vida e, sobretudo, na sua paixão e na morte. Por isso, há muito que a linha orientadora do agir cristão da Princesa inspirou o listel heráldico ‘Amar a Deus é servir’ que a Diocese adotou para o seu brasão, onde também se ostenta no campo de ouro as ‘armas’ de Santa Joana. Temos aqui um belo exemplo de vida para rememorar no ‘Dia Internacional da Mulher’.