O exemplo dos pobres

Querubim Silva
Padre. Diretor

O Papa Francisco afirmou, em recente pronunciamento público: “A cultura do individualismo exacerbado, sobretudo no Ocidente, leva a perder o sentido de solidariedade e responsabilidade para com os outros.” E acrescentou que “o próprio Deus continua a ser hoje um desconhecido para muitos; isto constitui a maior pobreza e o maior obstáculo para o reconhecimento da dignidade inviolável da vida humana. Por isso, as obras de misericórdia constituem um evidente valor social. Impelem a arregaçar as mangas para restituir a dignidade a milhões de pessoas que são nossos irmãos e irmãs.”
Ficamos a pensar nas periferias, no “antigo” terceiro mundo, vítima da exploração dos colonizadores, nas “massas operárias” sugadas pela ganância dos senhores do capital, no trabalho infantil… Mas o Santo Padre fala do Ocidente .E fala sobretudo das sociedades que os Estados pretendem laicizar, esvaziando-as do sentido de Deus, para lhes varrer a consciência e as deixar sem referências éticas e morais, mergulhando-as na maior pobreza: o esquecimento e desconhecimento da dignidade humana, deixando o povo à mercê dos vampiros, que “comem tudo e não deixam nada”.
Não vale a pena irmos aos astros procurar estas tragédias, nem sequer ao outro lado do mundo. Basta abrirmos os olhos e atendermos à crescente injustiça do favorecimento de alguns, à custa do erário público, deixando a grande multidão dos pobres com umas migalhas, que não saciam a fome do dia a dia.
Em contrapartida, os pobres repartem. Perderam-se no caminho os excedentes alimentares da EU, que beneficiavam milhares de famílias carenciadas. A resposta dos pobres foi a partilha com o Banco Alimentar. A campanha, que se realizou pela 50.ª vez, contou com 42 mil voluntários e envolveu mais de 2.000 superfícies comerciais de todo o país. As mais de 2.000 toneladas de alimentos recolhidos serão o lenitivo para quem sofre a carência quotidiana.
“Os milhares de quilos de alimentos doados e o número de voluntários envolvidos mostram que as pessoas responderam uma vez mais ao apelo, partilhando com as famílias que não têm pão na sua mesa. Apesar das grandes dificuldades pelas quais passam ainda muitas famílias portuguesas, inúmeros são aqueles que não se conformam e estão disponíveis para partilhar e assim ajudar a minorar as dificuldades dos seus concidadãos”, afirmou Isabel Jonet, Presidente da Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome, citado no comunicado.
Viram algum desses salários escandalosos, à custa dos nossos impostos, dar o rosto e abrir o bolso neste magnífico gesto de voluntariado e partilha? Aí está: os campeões do individualismo exacerbado perderam o sentido e a responsabilidade para com os outros… Perderam a vergonha! Comem tudo, à custa do povo. Mas, afinal, “está tudo bem, o país está a andar para a frente!”…