Poço de Jacob – 146 Um dia, os apóstolos de Jesus interpelaram-no por João Batista ter ensinado os seus discípulos a rezar: “Ensina-nos a rezar, Senhor”. E Jesus ensinou-os a rezar o «Pai-Nosso». Muitos estudiosos, santos, místicos, de há 2000 anos a esta parte, têm falado sobre e comentado esta oração. Encontramo-la estudada desde Santo Agostinho e São Cipriano a Teresa de Jesus, nos teólogos, nos documentos da Igreja… Mas uma coisa que me ajudou a ver esta oração de outra maneira foi ter ouvido numa conferência que em Israel todo o Mestre tinha uma oração que lhe era própria e que resumia o essencial da sua doutrina e dos ensinamentos. Provavelmente, também nas outras religiões isso acontece. E foi por isso que os apóstolos de Jesus, ao saberem da oração própria de João Baptista, pediram que Jesus lhes ensinasse a sua própria oração de doutrina, de resumo da sua mensagem e missão.
Atribuímos a Maria o seu “Magnificat”. Zacarias rezou o “Benedictus”. Talvez David tivesse preferência pelo “Miserere”. Seja como for, saber que o “Pai-Nosso” não é uma oração entre tantas, mas a oração de Jesus, ajuda-nos a pensar que ela compendia os desejos de Jesus em relação a cada um de nós que a rezamos diariamente, por vezes, também, distraidamente.
Costumamos dizer que nessa oração Jesus quer dar sete graças, correspondentes aos sete pedidos que ela contém. Verdadeiramente, quando a Igreja ou a Bíblia nos mandam pedir algo é porque o Senhor nos quer conceder essa realidade. Pedimos assim o que Ele nos quer dar. Ele diz que devemos pedir o Espírito Santo, por exemplo. Muitas Igrejas costumam colocar seis velas no altar, ao lado do sacrário, para que o quarto pedido corresponda ao próprio sacrário, “o pão nosso de cada dia nos dai, hoje…” – uma curiosidade a que não prestamos atenção mas que se encontra em muitos países.
Então, qual é a essência da oração de Jesus? Que sete pedidos são esses? Primeiro, o facto de Jesus ser o Filho de Deus Pai, o Abba, ou paizinho, que era o modo de Jesus se dirigir ao Pai na sua oração. Ele procede do Pai eternamente como segunda pessoa da Santíssima Trindade. Ele veio dar-nos a conhecer o Pai. Não nos podia ensinar senão o que Ele mesmo fazia: Pai Nosso, dele e nosso… Filhos no Filho é a relação que temos com Deus, pelo Batismo. E “está no Céu”, de onde Jesus veio para nos salvar. O Pai está no Céu, para onde nos chama para participarmos dele eternamente como o Filho. A nossa pátria é o Céu para habitar com o Pai que é meu e teu, é nosso. E o primeiro pedido é o de reconhecermos essa realidade do Pai que nos habita, pois só esse reconhecimento nos torna templos do Espírito Santo. Daí que “seja santificado o teu nome”, ou glorificado, como Jesus tanto gosta de dizer no Evangelho de S. João. Santificar o nome de Deus é o mesmo que não O invocar em vão, como nos ensina o Mandamento. Santificar não é torná-lo santo, mas que Ele nos torne santos a nós: “Glorifica o teu Filho”, disse Jesus. E a sua presença em nós inaugura o Reino de Deus na terra, pela graça de Deus em nós. Ele disse que viria fazer de nós a sua morada, ou o seu Reino, que é o mesmo. Daí o segundo pedido: “Venha a nós o vosso Reino”. E esse Reino constrói-se pela fidelidade e correspondência à mensagem e pessoa de Jesus, à obediência ao que Deus quer, daí, “seja feita a vossa vontade”. Para tal, o Senhor alimenta-nos com o Seu exemplo: “O meu alimento é fazer a vontade do meu Pai…” E para tal o Pai nos dá a Sua Palavra, também feita “pão nosso para cada dia… hoje”.
Mas temos de recorrer à misericórdia que Jesus veio mostrar na Terra, sabendo o quanto somos pecadores, daí que Ele “perdoe as nossas ofensas”. Mas Jesus também nos disse que assim como o Pão pode ser o Eucarístico ou o do nosso sustento quotidiano, também a misericórdia não se recebe apenas, mas comunica-se, pois Ele manda-nos “ir e anunciar”. Por isso, para receber misericórdia, temos de a pedir e de a dar. A misericórdia é o próprio Deus em nós, pois Deus é amor. Daí que o quinto pedido seja sermos capazes de “perdoar a quem nos tem ofendido”, recordando que Ele fala muito desta realidade e terminou pedindo perdão para os seus algozes. Mas como o mundo está cheio de armadilhas que nos desviam do reconhecimento do Pai em nós, temos de ir para o sexto pedido que é o de “não nos deixes cair em tentação”, e que, finalmente, em sétimo lugar, nos “livre do mal”, que, fundamentalmente, consiste em não virmos a ser os escolhidos, apesar de termos sido chamados.
Tudo quanto Jesus nos veio dizer e ensinar a pedir compendiou no “Pai-Nosso”. Também a realidade da sua essência divina e da sua humanidade e a nossa realidade temporal e eterna. Rezar e pensar no “Pai-Nosso” é simplesmente rever os princípios do Evangelho e viver a nossa vida num permanente Amen.
Vitor Espadilha