Podem mudar as leis, mas não perdemos o direito de pensar

LUÍS PEREIRA DA SILVA Professor. Presidente da direção da ADAV-Aveiro

LUÍS PEREIRA DA SILVA
Professor. Presidente da direção da ADAV-Aveiro

 

Sobre a adoção de crianças por “casais” homossexuais

 

 

Nesta era da (in)comunicação social, a informação passa, muitas vezes, mais pelo que se supõe do que pelos conteúdos transmitidos de modo explícito. Tal exige uma atitude crítica e particularmente desperta, o que é singularmente difícil, num tempo sem tempo. Na verdade, sob a capa da cientificidade ou da «voz do povo», fazem-se passar ideias e valores que, afinal, mais não são do que a opinião de quem as profere e que procura legitimar-se através de uma autoridade oculta e incontestável. Quem não se interrogou já sobre quem são os autores dos «estudos científicos» tantas vezes invocados para suportar comentários sobre os mais diversos assuntos? «Estudos científicos demonstram» é o que ouvimos, tantas vezes.
E quem não se perguntou, também, sobre quem estará por detrás da opinião muitas vezes escondida sob a capa de que «dizem por aí»?
Vem isto a propósito da fortíssima campanha preparatória da legalização da adoção de crianças por homossexuais, forjada em alguma imprensa de tiragem nacional. Um olhar atento ao que se diz no que não se diz e se faz supor permite concluir que a estratégia é a de sempre: multiplicam-se as notícias, cria-se a sensação de que o que é dito tem suporte científico e escuda-se a opinião dos autores sob a capa da multidão. Ficam, assim, criados os condimentos para que o leitor se sinta isolado e, como ninguém quer estar do lado dos perdedores, ceda, acriticamente, a sua opinião à força da suposta multidão que, afinal, se cria com os muitos que pensavam o contrário, mas que se unem para não se sentirem ultrapassados.
Li, há dias, na mesma página de um jornal nacional, três notícias sobre o mesmo tema: a suposta felicidade de crianças adotadas por dois pais ou por duas mães. As mesmas autoras das notícias assinavam as três. Juntá-las na mesma página obedeceu a uma intenção: criar a sensação de que muito se fala sobre o assunto. Mais facilmente se exercerá, assim, sobre o leitor a suposição de que está só na sua opinião contrária. De seguida, recorre-se ao método de sempre quando se trata desta matéria: invocam-se estudos científicos. Ora, o leitor não tem tempo para apurar se os referidos estudos são feitos com base em critérios de cientificidade e dá como boa a informação que lhe transmitem. Contudo, se o leitor já tiver o hábito de ler criticamente o que a imprensa lhe pretende veicular, verificará dois factos muito curiosos:
– um – os autores invocados para o estudo são os mesmos de há 20 anos para cá. Entre eles, destaca-se Charlotte Patterson que, como conta Xavier Lacroix, no seu livro «a confusão dos géneros», é invocada, desde a década de 90, como a autora de estudos sobre os quais se baseiam muitas das opiniões que agora são apresentadas como novidade. Uma novidade com mais de 20 anos!
– dois – os supostos estudos científicos são sempre baseados numa amostra que não resistiria a qualquer critério de cientificidade. Por exemplo, nestes estudos que o referido jornal nacional menciona, foram consultadas, num caso, cerca de 315 famílias para se retirarem conclusões para a realidade australiana, que tem uma população de mais de 23 milhões de habitantes e, num outro, foram estudadas 100 famílias para se retirarem conclusões para o universo da realidade norte-americana, que tem mais de 318 milhões de habitantes. Isto é, a partir de 315 famílias, num universo de 23 milhões de pessoas, e de 100 casais, num universo de 318 milhões de cidadãos, conclui-se, «cientificamente» uma verdade apresentada como conclusiva. Tão escassa amostra ‘permitiu’, dizem estes ‘estudos’, concluir que – cito – «crianças educadas por homossexuais são mais saudáveis»… Por pura sorte, dado o fraco rigor científico, não se concluiu que todos temos de ser homossexuais para que os nossos filhos sejam saudáveis e felizes… Dispensamo-nos de mais comentários. O leitor conclua por si mesmo sobre a honestidade dos referidos estudos.
A surpresa com estas verificações só ocorre, porém, se se achar que as mudanças em curso são espontâneas e correspondem a efetivos direitos que devem, mais cedo ou mais tarde, ser reconhecidos. Não é assim, contudo, em nosso entender. Na verdade, a discussão sobre o suposto direito de um «casal» homossexual adotar não deve ser confundida com situações ocorridas no passado e com as quais se pretende, sempre, compará-la. Muitos pretendem que esta mudança seja equivalente a tantas outras mudanças ocorridas, em que direitos fundamentais não eram reconhecidos.
No nosso entender, esta é uma como tantas outras confusões em que se enreda esta discussão para que se atinjam os fins pretendidos.
Na verdade, basta ler o que dizem quer a declaração universal dos direitos humanos (1948), no seu artigo 16.º, quer a convenção sobre os direitos da criança (1989), no seu artigo 7.º, para se entender que ali se preconiza que esta discussão tem de partir da certeza de que o que deve estar em causa é o «superior interesse da criança», que tem direito a uma família que, como se sustenta no número 16 da DUDH, é constituída a partir da relação entre «um homem e uma mulher» que, citamos a declaração dos direitos humanos «A partir da idade núbil, […] têm o direito de casar e de constituir família». Quem o afirma é a declaração universal dos direitos humanos. Fora disto, trata-se de experimentalismo social, cujos resultados não temos direito a obter ao arrepio dos direitos mais fundamentais da criança e fazendo dela cobaia de experiência. Se o superior interesse da criança for acautelado, não serão ideologias que se sobreporão a este reconhecimento fundamental de que ela tem direito a que tudo se faça para que beneficie de um pai e de uma mãe. Essa é a referência. Outras opções são como que um decreto de orfandade legitimada: orfandade de mãe ou orfandade de pai.
Contudo, ao arrepio da lógica, da verdade, da honesta cientificidade, muitos querem gerar a ilusão de que nada há a fazer senão aceitar o que, afinal, não é mais do que ideologia pura a passar como se se tratasse do reconhecimento de um direito. Antes, sim, trata-se da confusão entre direitos e desejos. Ora, o direito não assenta sobre desejos, mas sobre realidades efetivamente devidas. A não ser assim e se o critério for que qualquer motivo individual possa ser aceite, então poderemos sempre perguntar-nos por que motivo deveremos discriminar outras orientações sexuais e ficarmo-nos pela homossexual. Pois há outras orientações que poderão reivindicar os mesmos direitos. Se não se respeitar o critério objetivo referido na declaração dos direitos humanos e na convenção dos direitos da criança, só de forma arbitrária e discricionária se ficará por estas orientações o reconhecimento do direito de adotar. Quando o direito deveria ser, sim, a ser adotado por uma família, no respeito pelo seu superior interesse e não pelo suposto legítimo direito de ver satisfeito um determinado desejo. A criança não é um objeto do desejo humano. É-lhe superior e transcendente, porque é portadora de uma dignidade inviolável, enquanto pessoa.