Dias positivos Há quatro semanas, referi neste espaço uma estimulante distinção entre o Karma e a Graça, feita por Bono, líder dos U2, no livro-entrevista de Michka Assayas. Ao peso do destino do Karma, que leva algumas religiões orientais a afirmar a reencarnação (que, por incrível que pareça, faz escola entre cristãos), o cantor pop contrapõe a graça cristã libertadora, o Cordeiro que tira os pecados do mundo. Se Ele os tira, já não os carregamos como karma.
Vale a pena, agora, ouvir o que diz o cantor e activista dos direitos humanos sobre Jesus Cristo. Recorde-se que Bono é uma das figuras que o Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil da Diocese de Aveiro propõe neste Advento aos jovens, a fim de que descubram Jesus Cristo (as outras são o escultor italiano, Guido Grazia, a escritora Sophia de Mello Breyner Andresen, e o actor e realizador Mel Gibson). E o mesmo Bono apareceu referido na exposição sobre a Bíblia que decorreu em Lisboa, durante o Congresso da Nova evangelização. Cito o jornal Público de 9 de Novembro passado: “A confissão de Bono Vox está entre as de Eça de Queirós, Napoleão ou Isaac Newton. Diz o vocalista da banda de rock: «Sou um músico ‘escrevinhador’, fumador de charutos, bebedor de vinho, leitor da Bíblia». Ao lado, a memória de Isaac Newton: «É impossível escravizar mental ou socialmente um povo que lê a Bíblia»”.
E o que diz Bono, na tal entrevista, sobre Jesus Cristo? Michka Assayas lança a pergunta: “Cristo está no ranking dos grandes pensadores do mundo. Mas, Filho de Deus, não é forçado?” A resposta de Bono é extensa, mas merece ser citada quase na integra: “Não, não é forçado para mim. Olha, a resposta secular para a história de Cristo é sempre assim: ele era um grande profeta, obviamente um tipo muito interessante, teve muito para dizer em paralelo a outros grandes profetas, sejam eles Elias, Maomé, Buda, ou Confúcio. Mas, na verdade, Cristo não te permite isso. Ele não te retirou essa responsabilidade. Cristo diz: Não estou a dizer que sou mestre, não me chamem mestre. Não estou a dizer que sou profeta. Estou a dizer: «Sou o Messias». Estou a dizer: «Sou uma encarnação de Deus». E as pessoas diziam: Não, não, por favor, sê apenas um profeta. Podemos suportar um profeta. És um bocado excêntrico. Nós tivemos João, o Baptista, a comer gafanhotos e mel selvagem, podemos suportar isso. Mas não menciones a palavra «M»! Porque, tu sabes, temos de te crucificar. E ele: Não, não. Eu sei que esperam que volte com um exército e vos liberte destes malvados, mas eu sou, na verdade, o Messias. (…) O que te resta é: ou Cristo era quem dizia ser – O Messias – ou um louco completo. (…) Não estou a brincar. A ideia de que todo o rumo da civilização, em metade do globo, poderia ter o destino mudado e voltado do avesso por um louco, para mim, isso é que é forçado”.
Para terminar, mais um excerto que encaixa bem na quadra que estamos a viver: “O meu entendimento das Escrituras tem-se simplificado pela pessoa de Cristo. Cristo ensina que Deus é amor. O que é que isto significa? (…) O amor é descrito como uma criança nascida na pobreza extrema, na mais vulnerável das situações, sem qualquer honra. Eu não deixo o meu mundo religioso tornar-se demasiado complicado” (Michla Assayas, Bono. Os Afluentes da memória, Ed. Ulisseia).