Responsabilidade dos crentes no ateísmo

Vaticano II* Com a palavra «ateísmo», designam-se fenómenos muito diversos entre si. Com efeito, enquanto alguns negam expressamente Deus, outros pensam que o homem não pode afirmar seja o que for a seu respeito; outros ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que ele parece não ter significado. Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta. Alguns exaltam de tal modo o homem que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus. Outros concebem Deus de uma tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum o Deus do Evangelho. Outros há que nem sequer abordam o problema de Deus: parecem alheios a qualquer inquietação religiosa e não percebem por que se devem ainda preocupar com a religião. Além disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto violento contra o mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente o carácter de absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o lugar de Deus. A própria civilização atual, não por si mesma mas pelo facto de estar muito ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a Deus.

Sem dúvida que não estão imunes de culpa todos aqueles que procuram voluntariamente expulsar Deus do seu coração e evitar os problemas religiosos, não seguindo o ditame da própria consciência; mas os próprios crentes, muitas vezes, têm responsabilidade neste ponto. Com efeito, o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um fenómeno originário, antes resulta de várias causas, entre as quais se conta também a reação crítica contra as religiões e, nalguns países, principalmente contra a religião cristã. Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na génese do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião.

Da constituição pastoral

“Gaudium et spes”, sobre a Igreja no mundo atual, n.º 19

* O Ano da Fé, que o Papa proclamou para 2012/13, tem nas suas finalidades o retomar dos ensinamentos do II Concílio do Vaticano. Ao longo das próximas semanas serão publicados neste espaço excertos dos documentos conciliares.