Ressurreição: “Ato de Deus que nos reconstrói no serviço e na alegria transformadora”

 

Adoração da Cruz,
na Sexta-feira Santa

Recolhemos nesta página algumas das palavras proferidas pelo Bispo de Aveiro na Quinta-feira Santa e na Vigília Pascal. Na manhã de Quinta-feira, na Missa Crismal, D. António Moiteiro dirigiu-se principalmente ao clero. Lembrou diáconos, padres e bispos que faleceram e nomeou os que em 2018 comemoram jubileus. Aos presentes ofereceu a obra “Estímulo de Pastores”, de Frei Bartolomeu dos Mártires, livro que “foi e continua a ser fonte de inspiração para todos quantos fomos chamados a identificar-nos com Cristo”, disse. À noite, D. António Moiteiro centrou-se na presença de Jesus na Eucaristia e na descoberta do verdadeiro significado do gesto eucarístico da entrega. No Sábado de Aleluia, convidou os cristãos a abrirem-se à ressurreição de Cristo, ato de Deus que “nos (re)constrói na totalidade, no serviço e numa alegria transformadora”.

 

O centro da vida dos ordenados
Cristo é, de facto, o centro da nossa vida, dos nossos trabalhos e dos nossos projetos: Ele é o «Alfa e o Ómega, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso». Com Ele, “único pastor”, não temos nada a temer. (…)
Nesta Quinta-Feira Santa, revemos a nossa identidade, as nossas dificuldades e possibilidades. A vida do padre está sujeita a muitas contradições na sociedade em que vivemos, mesmo nas comunidades cristãs onde exercemos o nosso ministério: somos vistos como pessoas solitárias, muitas vezes alheados das preocupações do mundo de hoje, ou então construímos um estilo de vida bastante individual e pouco comunitário. Sentimos também, no interior de nós mesmos, que há um divórcio entre a vida e a fé, que o anúncio do Evangelho, enquanto Boa Nova de salvação, não é entendido por muitos que vivem à nossa volta. O mesmo aconteceu com os apóstolos de Jesus, que experimentaram os sinais de incompreensão. Verifica-se uma certa incapacidade dos discípulos para compreender e reconhecer os sinais de Jesus – sinal de que apesar de terem respondido ao seu chamamento, de o seguirem e de serem enviados por Ele, não os tornou discípulos exemplares, uma vez que com a sua atitude, eles próprios se colocaram à margem do projeto de Jesus; daí precisarem de ser curados por Ele.
Onde buscar forças para sermos sal que dê sabor e luz que ilumine tantos dos nossos irmãos que andam afastados do projeto que Deus tem para a humanidade?
(…) A dimensão humana deve estar muito presente na nossa vida e na relação com os nossos irmãos. Só assim será possível sermos sacerdotes de trato amável, autênticos, leais, interiormente livres, afetivamente estáveis, capazes de nos dedicarmos aos outros com a alegria de sermos amados por Deus. A segunda dimensão é a da espiritualidade, a qual nunca se pode dar por adquirida. A consciência da nossa identidade presbiteral não se mede por aquilo que fazemos, nem pelo modo como organizamos a vida das nossas paróquias, mas sim em sermos discípulos verdadeiramente enamorados do Senhor, cuja vida e ministério se fundam na íntima relação com Deus e na configuração a Cristo, o Bom Pastor. Na companhia de Jesus, os discípulos foram aprendendo algo mais que uns ensinamentos; foram adquirindo um estilo de vida e, a pouco a pouco, foram participando da sua missão. Só depois de amadurecida a resposta e de fazer parte da sua nova família, assumindo as mesmas atitudes e o mesmo estilo de vida, podem os discípulos ser enviados a proclamar eficazmente a boa nova que Jesus anuncia, para que a vida de Deus se manifeste na vida do mundo.
Missa Crismal, 29 de março
Comungar é entregar-se
A Eucaristia, que não se esgota na Missa, é muito mais que o deixarmo-nos deslumbrar pela presença real de Cristo nas espécies eucarísticas do pão e do vinho. Deve ajudar-nos a descobrir o verdadeiro significado do gesto eucarístico da entrega. Quem comunga e se torna um com Cristo une-se intimamente com cada irmão e deve expressá-lo no amor e no serviço aos outros. A centralidade da Eucaristia na vida da Igreja é atestada na fração do pão. «As nossas comunidades, quando celebram a Eucaristia, devem consciencializar-se cada vez mais de que o sacrifício de Jesus é por todos; e, assim, a Eucaristia impele todo o que acredita n’Ele a fazer-se “pão repartido” para os outros e, consequentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno. Como sucedeu na multiplicação dos pães e dos peixes, temos de reconhecer que Cristo continua, ainda hoje, a exortar os seus discípulos a empenharem-se pessoalmente: “Dai-lhes vós de comer” (Mt 14,16)» (Sacramentum Caritatis 88).
O Congresso Eucarístico Diocesano, que vamos celebrar entre 31 de maio e 3 de junho, exige que aprofundemos a relação que existe entre o mistério eucarístico, a ação litúrgica e o novo culto espiritual que deriva da Eucaristia enquanto sacramento da caridade. Daí a necessidade de empreender iniciativas que levem a despertar e aumentar a fé eucarística, melhorar o cuidado das celebrações e promover a adoração eucarística, para encorajar uma real caridade que, partindo da Eucaristia, atinja os necessitados.
Jesus Cristo continua a olhar-nos com amor e conta com o nosso testemunho e compromisso transformador, abrindo-nos ao mistério de uma vida gratuitamente oferecida por amor.
Missa da Ceia do Senhor,
29 de março
Alegria que ressoa em toda a terra
A ressurreição do crucificado não é ideia de um homem, mas sim um ato de Deus. (…) O túmulo vazio é um sinal que expressa a realidade da ressurreição, mas não é a principal fonte da fé na ressurreição. Exige a experiência pessoal e comunitária de Cristo vivo e a revelação, fruto da ação do Espírito Santo, que nos permite identificar o Ressuscitado com o Crucificado.
A ressurreição de Cristo não se limita à reanimação de um cadáver (como por exemplo na reanimação do filho da viúva de Naím, ou de Lázaro, ou da filha de Jairo), mas é muito mais: É voltar à vida para sempre, um estado totalmente novo, transcendente.
A ressurreição de Jesus acontece no terceiro dia e com esta expressão queremos indicar que se trata de uma Ressurreição do final dos tempos, transcendente e para toda a humanidade.
Jesus Cristo morto e ressuscitado, que nos (re)constrói na totalidade, no serviço e numa alegria transformadora é um bem precioso que temos de partilhar com os outros. Temos o dever de partilhar o sentido e a alegria da vida, que nasce do encontro com Ele. (…)
Hoje como ontem, a presença de Cristo Ressuscitado continua a interpelar cada um de nós e a própria humanidade: Que sentido tem a morte? O que é que existe depois da morte?
Jesus tinha dado a resposta nas várias ressurreições realizadas ao longo da sua vida pública, mas agora dá uma resposta definitiva: depois da morte há uma vida sem fim, feliz, para sempre e para todos. Esta é a mensagem desta noite, mensagem que ressoa em toda a terra e que nós, os discípulos de Jesus, estamos chamados a anunciar.
Vigília Pascal,
31 de março – 1 de abril