Sacrifício diferente

Questões Sociais 1. Conforme foi lembrado no artigo anterior, o Governo está a exigir pesados sacrifícios à população (o chamado “aperto do cinto”). Face a este imperativo, a maioria das pessoas parece não estar disposta a cooperar. Por tal motivo, os sacrifícios aparecem como imposição exterior à consciência e às liberdades pessoais. Trata-se, afinal, de sacrifícios à força.

Na perspectiva cristã e da dignidade humana em geral, o sacrifício é, pelo contrário, um acto pessoal e responsável, integrado nos constrangimentos em que vivemos. Neste quadro, pode definir-se o sacrifício como a orientação livre da renúncia a determinados bens para a perfeição humana possível. Em termos cristãos, está em causa um verdadeiro processo salvífico.

2. A esta luz, seria de esperar que as pessoas com níveis mais altos de riqueza e rendimentos quisessem e soubessem renunciar a uma parte desses níveis, em nome do bem comum e a favor de quem é mais pobre. Não se esperaria deles, evidentemente, uma espécie de ma-soquismo social nem a desistência do esforço de desenvolvimento. Esperar-se-ia, pelo contrário, que aproveitassem a renúncia para se racionalizarem cada vez mais e se aperfeiçoarem na perspectiva da solidariedade e do próprio desenvolvimento. No fundo, a renúncia a alguma riqueza e a alguns rendimen-tos poderia contribuir para um enriquecimento mais justo, solidário e consistente.

3. No que respeita às pessoas mais pobres, sobretudo às que sofrem de carências extremas, não é justo pedir-lhes mais sacrifícios económico-sociais; o seu sacrifício permanente já ultrapassa os limites admissíveis. Mas também não se pode estimular, nelas, a contestação sistemática.

Sem prejuízo do direito à contestação necessária, parece especial-mente recomendável que estas pessoas se organizem, exponham os seus problemas, façam as suas propostas e tomem as suas próprias iniciativas, tanto solucionadoras como reivindicativas. O Estado, as organizações não governamentais, bem como as pessoas, empresas e outras entidades mais ricas e com mais altos rendimentos, deveriam aliar-se aos pobres e contribuir activamente para que deixem de o ser. Enquanto houver pessoas desprovidas de condições de vida condigna, aquelas entidades e toda a sociedade estão postas em causa.

4. Ao contrário desta orientação, os grupos sócio-profissionais com remunerações mais altas ou com mais estabilidade no emprego vêm-se distinguido na recusa dos sacrifícios e na contestação do Governo e de outros órgãos de soberania. Invocam a seu favor os seus direitos, a sua dignidade e a tese segundo a qual não se devem baixar os direitos de quem está acima da média, mas sim elevar quem está abaixo. Invocam, também a seu favor, as graves injustiças existentes no país e a iniquidade do sistema económico.

No entanto, ao mesmo tempo, procuram ser beneficiários dessas injustiças, em vez de cooperarem activamente com os grupos sócio-profissionais desfavorecidos na construção de um país diferente.