Sou batizado, por isso sou chamado…

O nosso Plano Diocesano de Pastoral dedica este ano à virtude da esperança, a fim de revitalizar as nossas comunidades cristãs para que, através de processos de conversão pastoral, os seus membros se foquem cada vez mais no Evangelho, sejam discípulos de Jesus, fundamento da esperança e membros ativos da Igreja, rosto de misericórdia.
A nossa caminhada da quaresma recorda que cada batizado é peregrino em direção à Páscoa. É uma caminhada de mudança, para que o nosso batismo não seja algo do passado, mas uma presença constante, tal como o círio aceso na noite pascal.
A Quaresma, que recorda o tempo em que o povo de Israel caminhou pelo deserto, tem de ser tempo propício para também nós nos despojarmos de tantos laços que nos prendem, que não nos deixam ser livres e para renovarmos constantemente a nossa vocação batismal. Ela é, como afirma o Papa Francisco na sua mensagem deste ano, o momento favorável para intensificarmos a vida espiritual através dos meios que nos são propostos todos os anos na celebração das cinzas: o jejum, a oração e a esmola.
Como vamos viver, na Diocese, os meios que nos são propostos para com Cristo ressuscitarmos para uma vida nova?

O jejum e a abstinência
Numa sociedade em que existem tantas desigualdades e um fosso cada vez maior entre ricos e pobres, devemos pautar a nossa existência por uma vida simples e austera. A privação pela privação não tem sentido, mas a abstinência de tudo aquilo que não nos dá liberdade interior deve ser a meta desta quaresma. O que nos sobra de uma vida digna não nos pertence a nós, mas sim aos pobres que estão ao nosso lado. A prática do jejum tem sempre em si mesma duas dimensões: a privação de alimentos – sinónimo de uma vida austera, e a partilha dos nossos bens com os irmãos. Lembro que a abstinência consiste em comer alimentos pobres e o que podemos poupar é para repartir com os que passam dificuldades.
Segundo as normas dos bispos portugueses o jejum é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos e os fiéis poderão cumprir o preceito do jejum, privando-se de uma quantidade ou qualidade de alimentos ou bebidas que constituam verdadeira privação ou penitência.
A abstinência, por sua vez, consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre, lembrando que o essencial do espírito de abstinência consiste na renúncia ao luxo e ao esbanjamento e numa alimentação pobre. Só assim a abstinência será privação e se revestirá de carácter penitencial.
O jejum e a abstinência são obrigatórios em Quarta-feira de Cinzas e em Sexta-feira Santa, enquanto a abstinência reveste-se de um significado especial nas sextas-feiras da Quaresma.
O preceito da abstinência obriga os fiéis a partir dos 14 anos completos e o preceito do jejum obriga os fiéis que tenham feito 18 anos até terem completado os 59.

A oração
A oração não é pedir coisas a Deus, mas permanecer diante d’ Ele o tempo necessário para nos deixarmos encher por Ele. O tempo da oração é o tempo “da encarnação de Deus em nós”, o tempo em que nos deixamos transformar à Sua imagem. O cristão é uma pessoa que testemunha que Deus lhe falou, que tem vontade de trabalhar como Ele, que lhe comunicou os seus gostos: o da pobreza, a humildade, a justiça, até se libertar dos seus próprios gostos. Orar é deixar-se encher da fonte de paz e amor, até que esse desejo se faça ação e realidade em nós.
São vários os meios que temos ao nosso dispor para intensificarmos a oração durante a quaresma:
– As 24 Horas para o senhor que vamos celebrar em todos os arciprestados e paróquias nos dias 24 e 25 de março.
– A leitura e reflexão de Palavra de Deus de um modo mais abundante. A nossa Diocese publicou quinze catequeses sobre o Evangelho de S. Mateus em forma de lectio divina e todas as comunidades cristãs – famílias, paróquias, comunidades de consagrados/as, movimentos apostólicos – deviam utilizar este instrumento tão importante porque a «palavra de Deus é uma força viva, capaz de suscitar a conversão no coração dos homens e orientar de novo a pessoa para Deus» (Mensagem do Papa para a Quaresma 2017).
– A prática frequente do sacramento da Reconciliação. A Quaresma é o tempo favorável para nos renovarmos, encontrando Cristo vivo na sua palavra e nos sacramentos. Foi Jesus ressuscitado, no domingo de Páscoa, que enviou os apóstolos a perdoar os pecados. O sacramento da Penitência faz apelo a uma viva nova em Cristo e a prática deste sacramento deve ser vista não como uma obrigação imposta pela Igreja, mas sim como um novo batismo que renova a vida cristã.
– A Eucaristia dominical e a adoração eucarística. Tal como afirmei na Carta Pastoral dedicada ao centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima, «a Eucaristia dominical e a adoração a Jesus na Hóstia consagrada deviam ser para todos os cristãos um desafio a descobrir e a viver, numa fidelidade cada vez maior à Mensagem de Fátima».

A esmola/Renúncia quaresmal
A partilha de bens brota do mandamento do amor ao próximo. O discurso das bem-aventuranças termina com a chamada regra de ouro dos discípulos de Jesus: «O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas» (Mt 7,12). A nossa renúncia quaresmal será este ano assim distribuída:
– Metade para as crianças pobres do Sudão do Sul, país em guerra e onde as crianças passam fome, tal como recordou o Papa Francisco recentemente: «É mais necessário do que nunca o empenho de todos, não ficar somente nas declarações, mas tornar concretas as ajudas alimentares e permitir que possam chegar às populações sofredoras que condena à morte milhões de pessoas, entre as quais muitas crianças». O produto desta renúncia será entregue ao Superior dos Missionários combonianos, no Sudão do Sul, para que os missionários possam ajudar os que mais precisam.
– A outra metade é para implementarmos percursos de formação cristã na nossa Diocese de Aveiro. Sem formação não há aprofundamento da fé, nem vida cristã que seja fermento no meio da nossa sociedade.
No ano em que celebramos o centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima, saibamos todos acolher o dom da mensagem de Nossa Senhora, vivendo-a e difundindo-a para o fortalecimento da fé, para a renovação da Igreja e para a paz no mundo. Por intercessão de Maria, que Deus opere em nós as suas maravilhas.

Aveiro, 24 de fevereiro de 2017.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro.