Tolerância… de ponto!

FLAUSINO SILVA
Empresário

A celebração comemorativa do Centenário das Aparições de Fátima (13 de maio de 1917 – 13 de maio de 2017) originou um verdadeiro turbilhão de acontecimentos e realizações de caráter religioso, social e cultural.
A Conferência Episcopal Portuguesa publicou uma Carta Pastoral em 08 de dezembro de 2016 – “Fátima, Sinal de Esperança para o nosso Tempo”.
O Santuário apresentou os objetivos, foi desenhado um Símbolo, escrito um o Hino e uma Oração do Centenário.
Foram produzidos vários filmes com artistas e vozes conhecidas – no Filme “Fátima”, do realizador João Canijo, aparece Rita Blanco a peregrinar desde Vinhais, e o treinador José Mourinho empresta a voz a um Papa, na animação “Fátima e o Tesouro Secreto”, dirigida pelo maestro e compositor Rui Massena.
Os acontecimentos celebrativos por si e, sobretudo, pela projeção que a presença do Papa Francisco lhe confere, inspiraram vários artistas a desenhar e produzir diversas peças e coleções em joalharia, prata e ouro.
O anúncio da possibilidade da presença do Papa Francisco desencadeou uma verdadeira especulação à volta dos alojamentos, cujos preços atingiram valores nunca vistos, falando-se em milhares de euros por quartos (ou sacos cama), que antes custavam dezenas/centenas. Sinais dos tempos!
A notícia maior associada à vinda do Papa Francisco foi, contudo, a da canonização dos irmãos pastorinhos, Francisco e Jacinta, dezassete anos depois de terem sido beatificados por João Paulo II.
Será um momento de ternura inolvidável para os adolescentes portugueses, que terão nestes meninos um modelo de humildade, simplicidade e bondade. Que qualidades mais serão precisas para se ser como elas foram, uns amores de crianças, um modelo de obediência e dedicação aos pais e paradigma da felicidade das famílias?
Mas o fenómeno Fátima (e os acontecimentos que lhe deram origem) continua a ser, no seio da Igreja, motivo de pesquisa, de estudo e de interpelação.
Com a aproximação da data das Celebrações vieram de novo a público ideias e opiniões de pessoas com responsabilidades na Igreja, que deram entrevistas a jornais tecendo considerações sobre as aparições, a que alguns chamaram visões que, pelo modo como são tratadas pelos jornalistas, causam alguma confusão nos leitores e nos cristãos menos esclarecidos.
Muitos de nós não tivemos oportunidade de aprofundar estes temas, nem outros da vida eclesial, porque não vamos ao fundo das questões doutrinais nem teológicas e também porque não fomos ensinados por quem soubesse.
É o que acontece ainda hoje com as catequeses e com os catequistas, que não tem preparação para ensinar a doutrina, nem aprofundar os temas. E ao mesmo nível estão muitos dos Pastores que lideram as Paróquias, Movimentos e Serviços da Igreja. Somos muito superficiais, porque estudar exige esforço!
O Centenário das Aparições tem sido aproveitado muito mais na vertente histórica e emocional, do que nas vertentes educativa, doutrinal e evangelizadora.
A comunicação social tem procurado virar do avesso o tema “Fátima”, pegando nele de todas as formas, questionando pessoas e entidades, favoráveis e desfavoráveis ao tema. Veja-se o jornal “Público”, de 30 de abril, que publica a opinião do presidente da Associação República e Laicidade, associação surgida em 2003 para defender a separação entre o Estado e a Igreja, e que afirma ser Fátima uma “manifestação contra a 1ª República, em 1917 e, depois, passa a ser contra o Estado Novo”.
Atualmente, diz o mesmo senhor, Fátima é um grande negócio para a sustentação da Igreja.
Carlos Esperança, presidente da Associação Ateísta, vai mais longe e, no mesmo jornal, refere que “A Igreja Católica é uma multinacional da fé, em que o Papa é o seu Diretor-Geral, que não pode abandonar as suas sucursais”.
Interpelado, o Doutor Fernando Rosas, historiador, afirma que “entre o Estado Novo e Fátima houve uma permanente confusão”.
Estes senhores têm toda a liberdade para expressarem o que pensam sobre Fátima, mas nenhuma das afirmações passa de mera especulação, percebendo-se muito bem que são nitidamente facciosas, originadas em razões políticas e/ou doutrinais e filosóficas.
Colocar Fátima contra a República e de braço dado com o Estado Novo é uma estratégia astuta, de conveniência de políticos remostados, passadiça e para consumo de militantes entorpecidos pelo materialismo ateu.
O que mais importa é que Fátima possa ser para os portugueses e para os cristãos do mundo inteiro uma oportunidade de renovação da Fé, através de Nossa Senhora, nossa Medianeira e nossa Mãe, que foi entregue por Jesus Cristo no Calvário e confiada a João. E nós assumimos por inteiro e até ao fim dos tempos o seu amor maternal.
Por isso Nossa Senhora foi, é e será a Mulher e Mãe mais importante do Universo.
Tratando-se do Centenário dos acontecimentos que deram origem ao Movimento Mariano à volta de Fátima, os católicos sentir-se-ão todos convocados e mobilizados, sendo natural querer saudar Nossa Senhora e o Papa e deslocar-se à Cova da Iria.
O Senhor Bispo de Leira facultou ao Governo o argumento para dar tolerância de ponto no dia 12 de maio e este, arguto como sempre, aproveitou-o.
O que muitos de nós achamos é que, sendo uma sexta-feira, seria desnecessário oferecer mais uma borla, num país cheio de atrasos: na saúde, na educação, nos salários e em tudo o mais. Mas o governo aproveita tudo para ser popular, e mais em ano de eleições autárquicas! Mesmo os partidos que apoiam o Governo e que não têm a religião católica em boa conta (os que afirmaram a cumplicidade de Fátima com o Estado Novo e Fátima), mesmo esses concordaram com a medida.
Com esta decisão o Governo agrada aos funcionários públicos e faz por ganhar votos. Contudo, provoca mais uma tensão com os trabalhadores do setor privado. Sem razão, a não ser dividir para governar.
De resto, os partidos da geringonça andam felizes da vida, porque a economia europeia e mundial está a melhorar, o desemprego em Portugal também, o PIB cresce, embora pouco, muito poucochinho, e tudo parece correr às mil maravilhas. Não fosse a dívida pública – 130% do PIB, que paira sobre as nossas cabeças e já bateriam muitas, muitas palmas.
Com uma dívida de 240 mil milhões de euros quem poderá dormir descansado? Só o primeiro ministro e a geringonça.
O PS e o Bloco de Esquerda acordaram uma estratégia de abordagem à Divida que, na prática tem alguns pontos de contato com o que o antigo primeiro ministro defendeu. O Bloco de Esquerda, que advogava antes o perdão da dívida, vem agora, convertido e em conjugação com o PS, fazer uma proposta de reestruturação que serve sobretudo para tapar os olhos aos cidadãos.
Por um lado, propõem – PS e Bloco – alongar o prazo em 45 anos (uma miragem para eleitores bloquistas e socialistas verem, sobretudo os que advogavam “não pagamos”).
Por outro, propõem medidas de curto prazo, arriscadas e perigosas, que só servem para vir dar cobertura aos gastos orçamentais que o primeiro ministro e o Bloco se preparam para fazer em 2018, para aumentar o score eleitoral das legislativas. Terrível, terrível futuro!
Oxalá que a tolerância que o senhor primeiro ministro deu aos funcionários públicos no dia 12 de maio fosse a tradução de um sentimento mais profundo de tomada de consciência de que a governação não pode ser uma aposta meramente tática, para a travessia da legislatura em cima do arame, mas numa relação estável e duradoura, com o Parlamento e com os restantes poderes constituídos, incluindo o Conselho de Finanças Públicas, que o senhor primeiro ministro não tolera!