A árvore de Zaqueu Por que é que não foi apenas mais um caso entre muitos?
O processo de prisão de Jesus e condenação à morte impressionou de tal modo os discípulos que, mesmo dezenas de anos após o acontecimento, os relatos dos 4 evangelistas coincidem em muitos aspectos. Porém, os sentimentos e maneira de pensar de cada evangelista estão bem presentes, não só na diferença de estilo mas também na recolha e arranjo do próprio material, e sobretudo na maneira como souberam interpretar, nos primeiros anos de desenvolvimento das comunidades cristãs, a vida e morte desse justiçado.
Falam todos do mesmo «homem bom», que marcou tão fortemente os que lidaram com ele. E como acontece aos «homens bons», não era «bom» para toda a gente: ou porque incomodasse os preconceitos e a consciência, ou sobretudo porque incomodasse o modo de vida e estratégias de poder da maioria da classe dominante.
De facto, pelas suas palavras e acções, pondo a lei e os costumes (e portanto a religião) ao serviço do bem-estar das pessoas, perturbava o «bom andamento» dos que detinham o governo efectivo do povo judeu e se serviam da lei e costumes para defender os interesses próprios – praticamente os da classe sacerdotal. A ideia de «mudança» incomoda – embora nenhuma mudança deva ter lugar sem ponderação dos prós e contras.
Quando quase de repente surgiu uma ocasião para prender Jesus, esta foi aproveitada com a mesma celeridade com que as autoridades do nosso tempo podem aniquilar uma «persona non grata». E como hoje, não faltou corrupção, num processo bem orientado para a mais dolorosa e humilhante das penas capitais.
Os relatos deste processo ficam-se pela morte e sepultura de Jesus, acompanhadas pela tristeza e carinho de quem o amava, e por um clima de medo que impedia muitos discípulos de se mostrarem amigos. Também aqui, nada de novo.
Mas houve algo de muito novo, sim: a descoberta progressiva de que o «justiçado Jesus» vivera de uma maneira tal que alterou a vida das pessoas e lhes abriu os olhos para um novo conceito de «história da minha vida»: afinal, contra muitas evidências, somos amados por Deus, e há sempre uma maneira de fazer nascer o bem – de modo especial, vendo em cada um dos outros não «o meu limite» mas «o campo de forças» do amor. É uma vida de liberdade para agir, olhando para as necessidades e condicionalismos existentes, sem nunca perder de vista o essencial.
Na história da humanidade, quantos «processos de Jesus» podemos encontrar! E quantos deles, de gente que vive e morre sem dar nas vistas – todos heróis, porque fiéis à missão de espalhar o bem, mantendo-se firmes perante o desgaste de missões aparentemente tão simples, como nos lugares de emprego e na própria vida familiar.
Bem vistas as coisas, Jesus teve um final esperado. Mas os evangelistas sublinham todos que não fugiu a esse fim, embora o previsse. E deixou-nos o exemplo de que um ser humano pode ser forte até ao fim e de que a vida passageira de cada qual não é só um tempo da vida da humanidade, mas sinal de que a Vida é mais do que esta sucessão de tempos. O próprio «Bom Ladrão» deu exemplo de que estamos sempre a tempo de testemunhar o que é importante na vida, não desesperando ao cairmos na conta das vezes em que as nossas acções não estiveram do lado do bem.
No início do evangelho, S. Lucas põe como objectivo relatar cuidadosamente os «acontecimentos» principais da vida de Jesus. De longe, a história do «justiçado» é o acontecimento principal.
E a história não acaba aqui…
Manuel Alte da Veiga
m.alteveiga@netcabo.pt
(Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico)