DEUS esgota-se,
através da espessura infinita
do tempo e do espaço,
para chegar à alma
e seduzi-la.
Se ela deixar que lhe arranquem,
pelo espaço de um relâmpago que seja,
um consentimento puro e inteiro,
Deus conquistou-a.
E quando ela se tornou
uma coisa que lhe pertence inteiramente,
abandona-a.
Deixa-a completamente sozinha.
Então ela, por sua vez,
às apalpadelas,
deve atravessar a espessura infinita
do tempo e do espaço,
à procura daquele que ama.
É assim que a alma
refaz em sentido inverso
a viagem que Deus fez
até chegar a ela.
A Cruz é isto.
Simone Weil
Simone Weil nasceu em Paris, em 1909 e morreu num sanatório inglês em 1943. Tinha 34 anos. Professora em liceus de província, operária fabril, filósofa, sindicalista e mística, teve um primeiro contacto com o cristianismo em Portugal, aos 26 anos. Perto da Póvoa do Varzim (os seus pais passavam férias em Viana do Castelo), assiste a uma procissão de velas que as mulheres dos pescadores realizavam à volta dos barcos. A experiência marca-a profundamente. Compreende que “a religião de Cristo crucificado é, não pode deixar de ser, a religião universal de todos os homens e mulheres, de todos os tempos e condições, marcados pelo ferro em brasa da desventura” (palavras de José M. Pacheco Gonçalves, na Apresentação de “Espera de Deus”, obra que reúne escritos de Simone Weil, Ed. Assírio & Alvim). Simone Weil nunca chegaria a ser baptizada, mas deixou escritos que denunciam uma profunda busca de Deus.