Começou em Lisboa, com um norte-americano desempregado e a sua bicicleta, e chega agora a Aveiro.
O projeto Re-food, dedicado ao aproveitamento dos excedentes da restauração para os distribuir pelos mais carenciados, chega agora a Aveiro, que se torna assim o 16.º núcleo da instituição em Portugal.
A associação define-se como “um projeto eco-humanitário”, totalmente realizado por cidadãos ao nível “micro-local”, e ambiciona poder “resgatar 100% do excedente da comida preparada dentro das fronteiras do distrito”, providenciando-o “às inúmeras famílias com necessidade de apoio alimentar. Desta feita, giza-se uma estratégia que procura promover a dignidade da pessoa humana, ao mesmo tempo que também defende o ambiente e reforça laços comunitários.
A atenção prestada às condições de cada família revela bem o método da associação: proximidade e atenção ao detalhe (a existência de alergias no agregado, por exemplo, é considerado na escolha dos produtos a entregar). Nas localidades onde já se encontra instalada, a Re-Food começa a distribuição de comida à hora de almoço todos os dias, a que se segue, as 15h, um almoço quente para os sem-abrigo; à noite, grupos de voluntários fazem rondas pela cidade.
Em Aveiro, a iniciativa conta já com o compromisso de cerca 40 “voluntários pioneiros”, e está em fase de acertos finais para o seu lançamento “oficial”, a realizar em outubro, num evento batizado de “Reunião Sementeira”, que contará com a presença de Hunter Halder, fundador deste projeto a nível nacional. Decorrem ainda reuniões com a autarquia e algumas juntas de freguesia, para obter apoios, nomeadamente, local para a realização da Reunião de Sementeira. A necessidade de encontrar um espaço com as condições necessárias (80/100 m2, ponto de água e luz, e acesso fácil) é, justamente, um das preocupações centrais do núcleo Refood Aveiro, como nos disse a sua representante Marta Santos Silva.
António Pereira
Fundador: “O estrangeiro maluco da bicicleta”
Hunter Halder, nascido há 60 anos na Virgínia, Estados Unidos, vive há 20 em Portugal, desde que uma peregrinação a Fátima lhe trocou as voltas: apaixonou-se pela guia turística portuguesa, com ela casou e por cá ficou. Recentemente, em 2011, tornou-se “uma das muitas vítimas da crise”, mas decidiu não ficar parado. Mudou de carreira e dedicou-se por inteiro à criação de um projeto inovador de ação social, destinado a combater a fome, aproveitando alimentos que de outra forma seriam desperdiçados. Parece já distante o tempo em que Halder atraía as atenções dos transeuntes lisboetas, que viam passar um senhor com ar estrangeirado que equilibrava cestos e embalagens numa bicicleta. Logo no primeiro mês, conseguiu a adesão de mais de 30 restaurantes e 30 voluntários. Quatro anos corridos, o Re-Food, com implantação em 16 distritos, é hoje uma rede a nível nacional bem organizada, capaz de mobilizar centenas de voluntários, e entrega diariamente milhares de refeições.
“Um problema muito lá de casa”
• Pobreza e fome em Portugal (segundo dados do INE): “Pelo menos 300 mil pessoas que passam fome”, entre as quais se contam 150 mil crianças. E mais de 1,9 milhões estão em risco de pobreza.
• Desperdício alimentar: Estima-se que quase metade de toda a comida produzida no mundo acaba por ser deitada fora. Um terço não chega sequer ao mercado por não ter “bom aspeto”.
• O nosso contributo para o desperdício: Estudos revelam que, em Portugal, metade da comida comprada é deitada fora depois de comprada, e que, do milhão de toneladas anuais de comida desperdiçada em Portugal, 324 mil se perdem em casa dos consumidores.
• Impacto no ambiente: Cerca de 28% da área atualmente dedicado à agricultura é usada para produzir comida que se perde ou é desperdiçada; esta área corresponde a 1,4 mil milhões de hectares, mais do que a área do continente europeu
• A porção de comida produzida que é desperdiçada sorve, por ano, um volume de água equivalente ao caudal do Rio Volga (Rússia); é responsável por 3,3 mil milhões de toneladas de gases com efeito de estufa para a atmosfera.
• Causas do desperdício: são apontadas por várias instituições (FoodBank, Instituition of Mechanical Engineers) a fraca capacidade de armazenamento, a rigidez das datas para venda do produtor, “prazos de validade” que ficcionam uma longevidade dos alimentos muito inferior à que realmente têm.