Abr 12, 2017 | Diálogo Inter-religioso, Notícias, Recortes
Não se pode falar de Cidadania excluindo a Religião!
A conferência/debate O papel e a responsabilidade da mulher em contexto religioso encheu no passado dia 3 de abril, o auditório municipal de Torres Vedras.
Participaram representantes de vários contextos religiosos e da academia (Ciência das Religiões).
Frei José Nunes, padre católico, lembrou o apóstolo Paulo para defender que “aos cristãos não interessa a diferença de género ou qualquer outra diferença social”. O frade dominicano lamenta que, apesar de ter havido mulheres com responsabilidades de liderança nas primeiras comunidades cristãs, esta parece ser “uma questão inultrapassável” no catolicismo, pois “as mulheres não têm acesso ao sacerdócio”. O Papa Francisco, recorde-se, já admitiu que esta porta foi fechada por João Paulo II.
Isaura Feiteira, católica ligada à ação social e membro do Graal, movimento de mulheres cristãs, entende que “o importante é haver bons discipulos e boas discípulas”. Feiteira citou o pensamento de Maria de Lurdes Pintasilgo para defender que mais importante que a ordenação “é a possibilidade de as mulheres católicas participarem, em igualdade, nas tomadas de decisão”.
Já Brissos-Lino, pastor protestante e professor de Psicologia da Religião, defende a existência de “diferenças na especificidade” entre homens e mulheres, mas também que “não há impedimentos teológicos para que as mulheres não desempenhem qualquer papel na Igreja”. Persiste “uma hermenêutica à martelada” que subalterniza a mulher em Igreja, acusou Brissos-Lino.
O debate foi mais aceso quando o imã da Mesquita Central de Lisboa foi interpelado sobre o papel das mulheres na cultura muçulmana. O Xeque David Munir esclareceu que o Islão define responsabilidades consoante o género, “mas isso não quer dizer que o homem seja mais do que a mulher”. Na ausência do imã, exemplificou Munir, “uma mulher pode orientar a oração na Mesquita, pelo que adquirir conhecimento é obrigatório para homens e mulheres”. O problema não é o Alcorão, acrescentou, mas “o cruzamento da cultura patriarcal com o Islão”.
Filomena Barros, professora de História do Islão, advogou que o papel das mulheres, sobretudo no Islão, é o de “desconstruir a história”. Há no Alcorão passagens que “podem dar a ideia de subjugação da mulher em relação ao homem, como o contrário”, advertiu a historiadora, que recorda a intervenção de muitas mulheres muçulmanas na emancipação.
“Nada pior do que fossilizar uma ideia [religiosa] e impor uma leitura estagnada”, atitude que tem levado a uma “escravocracia da mulher”, acrescentou António Faria. O professor de filosofias orientais sugeriu, por isso, que se invertesse o tema do debate para “o papel e a responsabilidade dos contextos religiosos no feminino”.
Cabe à Ciência das Religiões “construir conhecimento e reflexão sobre o género em contexto religioso”, lembrou Mariana Vital. A investigadora de Ciência das Religiões recordou que há novas religiosidades que “desenham mais equidade entre géneros”.
Questionado sobre a possibilidade de concelebrar com uma mulher, o padre José Nunes lembrou a sua participação na ordenação de uma amiga pastora protestante, onde se sentiu “mais à vontade em oração, do que em muitas igrejas católicas”. Nunes é “a favor da ordenação de mulheres”, mas defende uma mudança mais profunda, pois “mudar a lei, pode apenas desencadear uma luta pelo poder”, de caracter sexista, pelo que a “igualdade deve ser construída na escola para que quem tenha capacidades para um serviço as assuma e a sociedade reconheça” sem quaisquer preconceitos de género.
Na opinião da secretária de estado para a Cidadania e Igualdade, o problema é mesmo o do poder, que “deve ser exercido por quem quer fazer esse percurso e tem condições para lá chegar, em pé de igualdade”. Catarina Marcelino questionou: “Porque é que as mulheres não podem exercer o poder da Palavra e da liderança na Igreja?”
A católica Isaura Feiteira, embora pertencendo a um movimento feminista, esclareceu que não se sente “incomodada por não poder ser ordenada, mas sim pelo facto de as mulheres não terem acesso às tomadas de decisão mais importantes na Igreja”.
No final do debate, a governante confessou que “foi dos debates mais interessantes” a que assistiu nos últimos anos, concluindo que, “quando se fala de Cidadania tem de se falar de Religião”.
Joaquim Franco moderou o debate e revelou, no final, que o tema – O papel e a responsabilidade da mulher em contexto religioso – era uma provocação. O coordenador do OLR, explicou que a definição de um papel pode ser vista como “segregação”, como a ideia de responsabilidade pode ser interpretada como uma “limitação”, pelo que a opção foi propositada para provocar o debate. “É no debate e pelo debate que a ferramenta do diálogo – também entre diferentes contextos religiosos, espirituais ou de consciência – é colocada à prova, para alargar as possibilidades de encontro e promover o conhecimento mútuo”, disse.
Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, salientou nas conclusões a importância de levar estes assuntos à escola e aos meios de educação não-formal, como “instrumento fundamental para uma Cidadania ativa e construtiva”. Esta tem sido, lembrou, “uma das prioridades” da área de Ciência das Religiões da ULHT.
Foi o segundo debate do Roteiro para o Diálogo Inter-religioso e Cultural, organizado pela área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, com o Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR), promovido pela Karingana wa Karingana, num projecto apoiado pelo gabinete da Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade. A iniciativa tem percorrido o país em paralelo com o Roteiro Cidadania em Portugal, organizado pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, em parceria com o gabinete da SECI.
O próximo debate realiza-se este sábado, dia 8, em Fafe, com o tema “Criança – Religião – Espiritualidade”, no âmbito do evento Terra Justa – Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade.
(4 Abril 2017)
Abr 12, 2017 | Diálogo Inter-religioso, Notícias, Recortes
“É preciso voltar a subir às árvores”
Criança – Religião – Espiritualidade foi o tema da conferência que lançou o debate no dia 8, em Fafe, sobre a formação de crianças e jovens em contexto religioso, formal e não-formal.
A iniciativa do Roteiro para o Diálogo Inter-religioso e Cultural inseriu-se também no Terra Justa – Encontro de Causas e Valores da Humaniade, que se realizou pela terceira vez naquela cidade.
Participaram na conferência representantes de vários contextos religiosos, escolares e formativos.
Rachid Ismael, diretor do Colégio Islâmico de Palmela, disse que “a criança nasce pura”, segundo o Islão, mas os contextos culturais determinam a sua formação e crescimento. O imã citou o pedadogo muçulmano Haji Imdadulah, para definir quatro fases da vida e da espiritualidade: a imitação, o dever, o hábito e o princípio. Percurso que compara às quatro fases do sistema de ensino – Pré-escolar, 1º ao 3º ciclos, secundário e superior ou “formação para a vida” – que promove no colégio, onde, garante, a “religião complementa a espiritualidade e vice-versa”. Recorde-se que o Colégio Islâmico de Palmela tem também a função de madrassa, ou seja, de formação religiosa.
Noutra experiência educativa, a diretora do colégio católico de Sta Teresa de Jesus, em Santo Tirso, defendeu que a “espiritualidade é inerente à existência humana”. A criança é um “ser espiritual” e mais tarde “pode passar a um ser religioso”, como resultado “de uma adesão consciente ou de tradição, mas de uma adesão”, entende Esmeralda Lima. Numa pedagogia pensada a partir da espiritualidade profunda de Santa Teresa de Jesus, ou Santa Teresa de Ávila, os alunos mais novos deste colégio começam o dia com “¼ de hora de oração”. A ideia, diz a diretora, “é levar a criança a pensar sobre o sentido do que vai fazer durante o dia”. Para os alunos mais velhos, proporciona-se “uma paragem diária para reflexão sobre o que fizeram”.
Para o historiador e escritor Alexandre Honrado, a “criança precisa de rituais de iniciação para «ser», abrindo o campo de interpretação e de leitura do mundo”, pelo que a missão educativa “é imprescindível” e “começa em casa”.
Como escritor dedicado aos públicos infantil e juvenil, também sobre temas religiosos e diversidade, “os livros são etapas de um desafio, de um jogo com os mais novos”.
A aprendizagem no espaço escolar “deve habilitar a criança para a política, ou seja, formar para a cidadania”, propõe Alexandre Honrado.
O pároco local falou da experiência de formação infantil e juvenil em contexto paroquial. “Sem espiritualidade não há religião”, advertiu o padre Pedro Marques, mas “há um eclipse do fenómeno espiritual no espaço público”. A prioridade de uma paróquia deve ser “educar para a espiritualiade e só depois para a religião”, permitir às pessoas uma “descoberta a partir de si”, embora reconhecendo que a catequese é uma “iniciação cristã e visa fazer cristãos, o que não é fácil”. Em jeito de apelo, o pároco de Fafe diz que a Igreja “precisa de formar educadores religiosos”, pois, no terreno da fé, as catequeses “atuam na crise da dúvida, ou até da negação”. Se “a relação com Deus é cada vez mais aberta, Igreja precisa de bons educadores”, conclui. E se cresce o subjectivismo e o individualismo, a crise das identidades religiosas herdadas, há também a “moda de acreditar sem pertencer, desenhando-se um mínimo ético”. Nisto, adverte, “as tecnologias são péssimas instituições educativas” e ocupam “cada vez mais esse espaço”.
A especialista em mindfulness e diretora do Centro Budista do Porto faz a mesma reflexão. No dia-a-dia “não estamos presentes nas nossas próprias experiências, e o mesmo se passa com as crianças” que “têm uma vida agitada, de correria, à semelhança de pais e educadores”. Há que “parar para estar presente”, sugere Margarida Cardoso, dando o mindfulness (método que vai buscar ferramentas ao budismo e promove a atenção plena) como proposta para criar ferramentas que permitam a cada um “estar mais presente” no meio. Já usado na área da saúde, e como “inibidor do stress”, o mindfulness tem entrado na educação como forma de promover a concentração permitindo “mais atenção à experiência do agora, do presente, com gentileza e curiosidade”, explicou Margarida Cardoso.
“O que é a espiritualidade?”, questiona Rui Lomelino de Freitas. O historiador das ideias fez outra pergunta: “Olhamos para a criança como espaço onde pomos algo dentro ou ela tem já uma maravilha que deve ser acalentada?”.
Professor da Área de Ciência da ULHT, onde se desenvolve o projeto Religiões do Mundo (que leva à escola, em educação não-formal, uma abordagem científica sobre a religião e a espiritualidade), Rui Lomelino de Freitas vê a necessidade de se recriar no espaço educativo e formativo um “tempo para a liberdade, o afecto e a imaginação”, em contraponto “à oferta de grandes cargas horárias e muita ocupação”.
A irmã Carmen Bandeo, de nacionalidade argentina, entrou no debate também com uma pergunta: “Quantos adultos têm consciência de que já foram crianças?”
Lembrando que “a experiência fundante” da sua vida é a de que já foi “amada”, a religiosa católica, em representação da rede Talitha Kum de combate ao tráfico de pessoas, acrescentou que “no respeito e no amor pelo outro, joga-se e abre-se espaço para o encontro, o mistério de me conhecer a mim, ao diferente e ao Absoluto”. Em cenário de guerra, de tráfico, as irmãs da Rede Talitha Kum tentam também “ir ao encontro da outra pessoa, no caso, da criança, e que essa experiência toque, não deixando ambos indiferentes” fazendo a mudança.
No final, o coordenador da Área de Ciência das Religiões da ULHT salientou que “encontrar tempo e espaço para se ser criança, foi o apelo transversal deste debate”. Para Paulo Mendes Pinto, é evidente a necessidade de “descobrir a criança que há em cada um, de voltar a subir às árvores”.
Numa era marcada “pela rapidez e pelo deslumbramento da tecnologia, é urgente redescobrir um tempo para a criança olhar para dentro, fazer perguntas e pensar para lá do óbvio tecnológico e imediato”, acrescentou Joaquim Franco, coordenador do Observatório para a Liberdade Religiosa e moderador do debate. E aqui podem também ser importantes os educadores e formadores em contexto religioso/espiritual.
A sessão terminou com a homenagem do Terra Justa à rede Talitha Kum, tendo o presidente da Câmara Municipal de Fafe, Raúl Cunha, salientado o duplo esforço das religiosas consagradas no combate ao tráfico de pessoas: a abordagem direta, muitas vezes com risco de vida, e a estratégia de funcionamento em rede.
Foi o terceiro debate do Roteiro para o Diálogo Inter-religioso e Cultural, organizado pela área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, com o Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR), promovido pela Karingana wa Karingana, num projecto apoiado pelo gabinete da Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade. A iniciativa tem percorrido o país em paralelo com o Roteiro Cidadania em Portugal, organizado pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, em parceria com o gabinete da SECI.
Os próximos debates estão previstos para a segunda quinzena de maio, em Beja (18 de maio) e em Tomar (23 de maio), este com o tema Peregrinos e Turistas – pela Cidadania, para o diálogo entre religiões e culturas.
Nos dias 7, 8 e 9 de abril, durante a tarde e ainda no âmbito do Terra Justa 2017, o Roteiro para o Diálogo Inter-religioso e Cultural encontrou-se com crianças e jovens de Fafe, bem como dezenas de catequistas, escuteiros e líderes de grupos juvenis da paróquia de Fafe. Estes encontros tiveram lugar no Auditório Municipal e juntaram cerca de 150 pessoas.
Roteiro para o Diálogo Inter-religioso
Ciências das Religiões – Lusófona
(10.04.2017)