Nov 2, 2020 | Documentos, Recortes
Comunicado do Observatório para a Liberdade Religiosa
(acolhido na área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona)
Nice: Um quase ultimato às lideranças religiosas e políticas na Europa
A estratégia do terror manifesta-se de novo e ainda na Europa. Como o Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR) referiu noutras ocasiões, “não importa o lugar onde o horror se ergue com aquele formato da cobardia que o torna só aparentemente triunfante. Será sempre um lugar onde se acoitam os assassinos” (24.05.2017).
Não importa se é Nice ou qualquer outra terra sem nome. Religiões que fazem o Ser humano no primado da ética, da relação e da consciência, não dão a ninguém o direito de atentar sem vislumbre mínimo de respeito pela vida humana.
“Estes que matam arriscam-se a não merecer outros e não têm o direito de reivindicar um qualquer Outro, porque, como dizem crentes da mesma religião que alegadamente professam, não há um Outro que os justifique. Assassinos são assassinos, mesmo que mudem de nome, roupa, pronúncia ou arma. Agem pela instrumentalização de interesses dominados pelo ódio e pela subjugação. Quem mata assim anda perdido num corredor de ódios, mas representa também um desafio de humanidade, porque ao Ser humano, sobretudo em contexto religioso, nenhuma expressão de ódio deve ficar indiferente”.
Na declaração conjunta “A FRATERNIDADE HUMANA EM PROL DA PAZ MUNDIAL E DA CONVIVÊNCIA COMUM” (Abu Dabhi, 04.02.2019), o Papa Francisco e o Grão Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, defendem que “o primeiro e mais importante objetivo das religiões é o de crer em Deus, honrá-Lo e chamar todos os homens a acreditarem”, num dom “que ninguém tem o direito de tirar, ameaçar ou manipular a seu bel-prazer”.
O terrorismo que espalha o pânico, o terror e o pessimismo é “execrável”, e “não se deve à religião – embora os terroristas a instrumentalizem – mas tem origem no cúmulo de interpretações erradas dos textos religiosos, nas políticas de fome, de pobreza, de injustiça, de opressão, de arrogância”.
O processo histórico não isenta de responsabilidades alguns países que hoje são vítimas desta inquietante expressão de violência. É necessário “interromper o apoio aos movimentos terroristas através do fornecimento de dinheiro, de armas, de planos ou justificações e também a cobertura mediática, e considerar tudo isto como crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações”.
Citamos, na íntegra, o que os líderes, cristão e muçulmano, declaram com firmeza:
“As religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso político das religiões e também das interpretações de grupos de homens de religião que abusaram – nalgumas fases da história – da influência do sentimento religioso sobre os corações dos homens para os levar à realização daquilo que não tem nada a ver com a verdade da religião, para alcançar fins políticos e económicos mundanos e míopes. Por isso, pedimos a todos que cessem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego e deixem de usar o nome de Deus para justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão. Pedimo-lo pela nossa fé comum em Deus, que não criou os homens para assassinarem ou lutarem uns com os outros, nem para serem torturados ou humilhados na sua vida e na sua existência. Com efeito Deus, o Todo-Poderoso, não precisa de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas”.
O Papa e o imã de Al-Azhar destacam ainda “a convicção de que os verdadeiros ensinamentos das religiões” estão ancorados nos “valores da paz”, apoiando “os valores do conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum”, restabelecendo “a sabedoria, a justiça e a caridade” e despertando “o sentido da religiosidade entre os jovens, para defender as novas gerações a partir do domínio do pensamento materialista, do perigo das políticas da avidez do lucro desmesurado e da indiferença baseadas na lei da força e não na força da lei”.
Se “a liberdade é um direito de toda a pessoa”, então “cada um goza da liberdade de credo, de pensamento, de expressão e de ação”, por isso é inaceitável “forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como impor um estilo de civilização que os outros não aceitam”.
Os investigadores do Observatório para a Liberdade Religiosa entendem que é inequívoca a urgência de reforçar, em particular na Europa multicultural e multireligiosa, por via das multifacetadas estruturas de crença e formação cívica, a compreensão da religião, da fé e da espiritualidade, na relação dialogante com a razão e a cidadania.
Episódios como o ocorrido em Nice representam um quase ultimato às lideranças políticas e religiosas – locais, nacionais e regionais – para que, paralelamente a adequadas políticas de prevenção e segurança, incentivem a educação para a convivência e o respeito, valorizando o fenómeno religioso, as religiões e vivências religiosas, em pluralidade e diversidade. As escolas, como as próprias comunidades religiosas, podem e devem ser espaço e ter tempo para esta pedagogia do encontro e do diálogo, na base do conhecimento mútuo.
Este é um dos princípios do OLR, que nasceu por iniciativa cívica e académica e tem como missão “acompanhar e facilitar processos de diálogo cultural, especificamente o diálogo entre estruturas de crença, na forma de religiões e/ou espiritualidades, promovendo o respeito pelas diferenças e a responsabilidade social, para uma cidadania plena e ativa, tendo como principal missão a observação do Fenómeno Religioso, no respeito pelo princípio das liberdades associativa, individual e de consciência” (Carta de Princípios do OLR, 2014).
- 10.2020
Os investigadores do OLR
Alexandre Honrado
Joaquim Franco
Paulo Mendes Pinto
Rui Lomelino de Freitas
Set 27, 2020 | Artigo, Documentos, Informações, Recortes
Comunicado de D. José Ornelas, Bispo de Setúbal, a toda a Diocese (26/09/2020)
Acabo de receber a notícia da partida para os braços de Deus do nosso Padre Manuel Bernardo Nobre Soares. Encontrava-se desde a semana passada no hospital de cuidados paliativos Nossa Senhora da Arrábida, em Azeitão, onde, apesar das limitações atuais, teve a possibilidade de ser visitado pela família e por alguns membros do nosso presbitério e por mim próprio.
Vivemos este momento com o luto doloroso que encerra, mas igualmente com a paz e gratidão que nos merece a vida que ele partilhou connosco no serviço da Igreja. Damos graças a Deus pela sua dedicação e bondade, pedimos que o Senhor, Bom Pastor, o acolha nos seus braços poderosos e carinhosos e que faça germinar e frutificar as sementes de humanismo e de fé que o Padre Manuel semeou ao longo da vida.
À família do Pe. Manuel, que, com tanta atenção e carinho o acompanhou na vida e especialmente nestes últimos tempos, exprimo sentidas condolências, em meu nome e em nome da Igreja de Setúbal, dando graças a Deus pelo muito que recebemos deste seu fiel servo.
Agradeço igualmente a dedicação profissional e a proximidade humana das pessoas que acompanharam o Pe. Manuel Soares nos serviços do Hospital Garcia de Orta e do Hospital Nossa Senhora da Arrábida, contribuindo para um percurso de dignidade, de consciência e de esperança, nesta última etapa da sua vida.
+ José Ornelas Carvalho
Bispo de Setúbal
NOTA: O corpo poderá ser velado a partir das 8h30 de segunda-feira, dia 28, na igreja de Santa Maria, Barreiro. Às 11h00 serão celebradas as exéquias presididas por D. José Ornelas, Bispo de Setúbal.
Nota biográfica do Padre Manuel Soares, pelo Padre José Lobato, Vigário Geral da Diocese de Setúbal
O Padre Manuel Bernardo Nobre Soares nasceu no Barreiro em 28 de abril de 1938 e foi ordenado presbítero pelo Cardeal Manuel Cerejeira em 15 de agosto de 1963.
A sua primeira nomeação foi para a paróquia do Lumiar, Lisboa, como vigário paroquial, sendo depois nomeado sucessivamente vigário paroquial de Almada e de Cacilhas. Em outubro de 1984 foi-lhe confiado o cargo de Diretor Nacional da Obra das Migrações, que desempenhou até ao final do ano 2000.
Em 2002, D. Gilberto Canavarro dos Reis nomeou-o Diretor do Secretariado Diocesano das Migrações, exercendo em simultâneo o cargo de Pároco de Vale de Milhaços. A partir de 2014, foi cuidando de diversas capelanias, sendo a última a da Santa Casa da Misericórdia de Almada.
Desde 2008 foi membro da Associação dos Padres do Prado.
Faleceu, a 26 de setembro de 2020, no Hospital de Nossa Senhora da Arrábida, em Azeitão.
Set 24, 2020 | Documentos, Mensagens, Migrantes, Refugiados, Santa Sé
O 106º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado – DMMR 2020, a ser celebrado no dia a 27 de setembro, continua o seu firme propósito de sensibilizar para as potencialidades e necessidades do fenómeno migratório. O Santo Padre pede em primeiro lugar à Igreja, Povo de Deus, e também a todos os cidadãos de boa vontade, que se deixem interpelar pelo tema e pelo drama dos deslocados internos, a partir do ícone: Forçados, como Jesus Cristo, a fugir.
Desde de Maio de 2020, a Secção Migrantes e Refugiados lançou uma campanha multimédia em diferentes línguas, a fim de que fosse amplamente difundida, a partir da palavra de Deus, do Magistério e de boas práticas, foi ilustrando que urge e é possível sonhar e construir um outro lugar, uma sociedade renovada. https://migrants-refugees.va/pt/dia-mundial-do-migrante-e-do-refugiado/–
A Mensagem Pontifícia foi sendo apresentada gradualmente em subtemas, que vale a pena guardar e certamente nos acompanharão ao longo deste ano pastoral: conhecer para compreender, aproximar-se para servir, escutar para reconciliar, partilhar para crescer, co-envolver para promover e colaborar para construir.
O itinerário assim proposto é um desafio pessoal, que atravessa a comunidade e visa alcançar os Estados-Nação, visa romper muros: nacionalismos populistas, leis restritivas e excludentes, xenofobia e racismo, medos, individualismos e indiferenças que atualmente se erguem e ameaçam o nosso futuro enquanto família humana e propõe uma pedagogia pastoral para construir pontes..
Aceitando inspirados pela Secção Migrantes e Refugiados – SMR, ao longo da Semana Nacional de Migrações a OCPM recolheu uma série de testemunhos que ilustram os pares de verbos acima enunciados, e convidou as diversas estruturas da Igreja e sociedade civil a participar com testemunhos locais.
Aprendemos que apesar da realidade não ser nova para Portugal e para as estruturas da Igreja, existem formas de nos fazermos próximos, de servirmos, de partilharmos e colaboramos nesta pastoral das migrações, na transformação da nossa sociedade e Igreja.
O Dia Mundial do Migrante e Refugiado, não é uma meta mas antes um ponto de partida, para a tão ambicionada, sonhada e desejada conversão pastoral. Os deslocados internos interpelam-nos a construir pontes entre o Acolhimento e a Proteção, entre a Promoção e a Inclusão.
Assim deixo um apelo a reler ou conhecer a mensagem do Santo Padre para este dia, e reitero o convite do Santo Padre, para que na Eucaristia do dia 27 de setembro, convide a comunidade cristã a rezar e reflectir sobre este tópico, nomeadamente os deslocados internos em Moçambique, aqueles que foram forçados a fugir do Campo de Refugiados em Mória, pelos que fugiram da Venezuela… e tantos outros milhões de deslocados internos espalhados por esta nossa casa comum.
Obra Católica Portuguesa de Migrações
Ago 13, 2020 | Artigo, Dioceses, Documentos, Semana Nacional de Migrações
Como sabem, o Papa Francisco, inspirado na Família de Nazaré, escolheu para o 106º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, o tema: “Forçados como Jesus Cristo a fugir.”
São vários os subtemas que dão forma e completam este tema, contudo, escolhi falar sobre o subtema: “Aproximar-se para servir”, uma vez que esta minha escolha está intimamente ligada com o trabalho diário que venho desenvolvendo, voluntariamente, com Migrantes e Refugiados, ao longo de quase 12 anos, muito em jeito de Acolhimento, Escuta, Compreensão, Aprendizagem mútua, e, principalmente, de não permitir que contem apenas como números para as estatísticas, pois, são “Pessoas como tu, como eu, como nós.”
Durante todos esses anos, foi fundamental perceber como a aproximação diária e o servir, independentemente da religião, da cultura, da língua, dos costumes, permitiram vencer medos e preconceitos de parte a parte; aliás, obstáculos que impedem fortemente de nos aproximarmos e de servimos com Amor, e, como conseguiram quebrar barreiras, valorizar o desconhecido, o diferente e fazer Caminho juntos.
Assim, perante uma situação que parece não ter fim e que tende a agravar-se e a aumentar, é , pois, urgente, que, sem medo e sem preconceitos, nos aproximemos e que consigamos ver em cada um dos Migrantes e dos Refugiados, o rosto de Jesus Cristo e ter a bondade e a humildade de abrirmos o nosso coração, num servir constante e generoso, capaz de envolver todos(as) num Amor que dignifique e adoce, e, que, igualmente, ajude a sarar as feridas tão profundas que trazem desenhadas no rosto e no olhar.
Sem dúvida, um Amor que seja capaz de, verdadeiramente, lhes devolver, a Dignidade, a Confiança, a Paz e a Esperança de uma vida melhor.
Rufina Garcia
Secretariado Diocesano da Pastoral Social e da Mobilidade Humana de Portalegre Castelo Branco
Ago 13, 2020 | Artigo, Campanhas, Documentos, Semana Nacional de Migrações
Nasci em Angola, em Junho de 1975, em pleno conflito armado. Da fuga da minha família para Portugal não me recordo, apenas sei que escapamos à morte por sorte.
As primeiras memórias que tenho são dos meus quatro anos. Por essa altura, vivíamos o meu pai, a minha mãe, eu e o meu irmão num quarto de uma pensão, em Ovar. Nesse quarto tínhamos todos os nossos pertences ( que não eram muitos). Foram tempos muito difíceis. Felizmente, em 1980, os meus pais arranjaram emprego em Lisboa e puderam, a muito custo, comprar uma casa na margem sul do Tejo. É aqui, já com cinco anos, que tomo consciência de que era de ” cor”.
Eu o meu irmão estudávamos num colégio onde éramos as únicas crianças negras. Recordo -me perfeitamente de ouvir a minha professora dizer a outra: – a preta é inteligente. Na altura não tive a noção do alcance do comentário. Depois começaram os insultos dos colegas, que gozavam com o meu cabelo, a minha cor e me mandavam para a minha terra. E eu não percebia, para mim nunca tinha tido “cor”, era apenas eu. Depois disto comecei a assimilar que me viam como uma pessoa diferente apenas pelo meu tom de pele. Foram muitas as vezes que fui alvo de racismo e do que hoje chamam buliyng. No entanto, os meus pais sempre ensinaram, quer a mim, quer ao meu irmão a termos orgulho da nossa cor e origem e aos poucos deixou de me incomodar.
Hoje, com 45 anos, posso dizer que continuo a pensar em mim apenas como uma pessoa. Sou descendente de Portugueses, tanto do lado paterno como materno. Vivi sempre, porque já os meus pais assim viveram, mesmo antes da sua fuga para Portugal, no meio das duas culturas, sem nunca me sentir mais portuguesa ou mais angolana. E isto é algo difícil de explicar. Abraço a cultura do país em que nasci, porque assim me foi incutido e estou perfeitamente integrada neste país que me acolheu.
Se me perguntarem se em Portugal há racismo, direi infelizmente que sim. Ainda somos olhados de lado, preteridos no que refere ao emprego e algumas vezes insultados. Existe racismo, ainda que encapuzado, pois existe a vergonha de o admitir.
Dirão que sou “sem terra”, eu direi que tenho o melhor dos dois mundos, sem sentir a necessidade de escolher.
texto: Sara Lopes
Ilustração: Luis David