Mar 10, 2020 | Migrantes, Notícias, Recortes, Refugiados
Lisboa, 04 mar 2020 (Ecclesia) – Eugénia Costa Quaresma, diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM), disse hoje à Agência ECCLESIA que “usar os refugiados como peões não é solução” e que “não se pode criminalizar os gestos humanitários”, comentando a crise entre a Turquia e a União Europeia.
A responsável recorda o “pacto aprovado” entre as duas partes, no qual se fala de “resposta solidária e partilhada”, o que não está a acontecer.
“O que motivou a abertura das fronteiras da Turquia não é assim tão positivo e a União Europeia coloca isto como chantagem e usar os refugiados como peões não é solução”, refere Eugénia Quaresma.
“A solidariedade europeia não pode empurrar a gestão de fronteiras só para um país, é preciso solidariedade partilhada”, acrescenta.
A mudança de mentalidades é outros dos pontos que a diretora da OCPM defende, pedindo mais humanidade na abordagem dos políticos.
Há gente voluntária e de boa vontade a ajudar e não se pode criminalizar os gestos humanitários, é preciso trabalhar as mentalidades, a situação de refugiados não são rótulos permanentes, hoje são estes povos mas amanhã podemos ser nós ou outros povos”.
Eugénia Quaresma recordou ainda que Portugal tem sido uma das vozes favoráveis ao acolhimento de refugiados e “tem feito a sua parte”, mas é preciso que “outros países façam o mesmo”.
“A Grécia está sobrecarregada e não é justo, é preciso boa vontade de outros países, respostas organizadas, boa vontade políticas e comunidades que se abram a esta realidade”, alerta.
“Eugénia Quaresma, diretora da OCPM” ,
1. “Eugénia Quaresma, diretora da OCPM”
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2. “A Grécia está sobrecarregada”
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3. “Refugiados não podem ser peões”
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As várias experiências de acolhimento de refugiados em Portugal leva a responsável a dizer que muito se aprendeu, “nomeadamente que é preciso que seja um acolhimento faseado e com profissionais preparados”.
“Precisamos de profissionais preparados para acolher pessoas com diferentes histórias, diferentes traumas, é preciso tempo para estabilizar, e tempo de comunicação para retirar a pessoa da zona de conflito e depois passar para a fase de promoção da pessoa num diálogo entre o projeto e o sonho, para depois seguir para a inclusão”, explica.
Eugénia Quaresma adianta que nas 20 dioceses portuguesas há “diferentes experiências de acolhimento de refugiados” e que a missão da Obra Católica passa pela sensibilização.
“Acredito que o nosso trabalho, enquanto Igreja, e é para aí que procuro animar os nossos secretariados diocesanos, é sensibilizar as comunidades para aquilo que são os nossos valores que não mudam, o valor da hospitalidade não mudou e é preciso acreditar”, destaca.
Europa/Turquia: «Usar os refugiados como peões não é solução» – Eugénia Quaresma (c/áudio)
Dez 3, 2019 | Artigo, Migrantes, Recortes, Refugiados
Por Ana Varela, advocacy officer
No último sábado, 30, após mais uma greve climática que levou milhares de pessoas às ruas em todo o mundo, ironicamente no mesmo dia do Black Friday, e a dois dias da COP 25, realizou-se na Fundação Calouste Gulbenkian a Conferência Internacional “Refugiados Climáticos – Que Futuro?”. Este fórum, foi realizado no âmbito do Projeto No Border, dedicado à inclusão de refugiados na cidade de Lisboa e reuniu cientistas e especialista em migrações, organizações não-governamentais e decisores políticos. O Diretor-Geral da Organização Internacional das Migrações, António Vitorino, gravou uma mensagem vídeo para este evento onde valorizou os avanços que têm sido alcançados, em particular desde o ano passado com a assinatura do Pacto Global para as Migrações, mas encorajou os países a fazer mais e melhor.
A Conferência lançou aos participantes uma pergunta, que é também uma inquietação: Que futuro? Que desafios enfrentamos e como os podemos ultrapassar num mundo onde a emergência climática é já uma realidade com implicações críticas na mobilidade humana. Fenómenos de evolução lenta, tais como a erosão costeira relacionada com a elevação do nível do mar e secas prolongadas, intervaladas com chuvas intensas, a par de fenómenos naturais com um elevado poder de devastação (como os ciclones Idai e Kenneth em Moçambique), atingem cada vez mais frequentemente países e territórios. Mas a ameaça é global e afeta-nos a todos, colocando também muitos ecossistemas e a biodiversidade em risco.
Mas, porque falamos afinal em emergência climática? De acordo com os dados apresentados pelo Professor Carlos Antunes da Faculdade de Ciências de Lisboa:
- Porque o CO2 na atmosfera está a aumentar 500 vezes mais rápido do que no ciclo interglacial (25 ppm/década em vez de 5 ppm/milénio);
- Porque a temperatura média global está a aumentar 40 vezes mais rápido do que no ciclo interglacial (0.25ªC/década em vez de 0.5ºC/milénio);
- Porque a subida do nível médio do mar está a acelerar e poderá atingir a taxa de 2-3 metros em 2100, devido à aceleração do degelo na Antártida e na Gronelândia, continuando a subir nos séculos seguintes.
Apesar da situação de emergência, ainda é possível agir em conjunto para reduzir o impacto da ação humana. Mas, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, para se conseguir atingir o objetivo de manter o aumento de temperatura abaixo dos 1,5 graus Celsius, teremos que ser muito ambiciosos. Até 2030 o mundo tem de reduzir anualmente 7,6% das suas emissões de gases de estufa.
Enquanto isso, as alterações climáticas já atingem milhões de pessoas, forçando-as a sair das suas casas, sendo o número de deslocados por razões climáticas superior ao número de deslocados por perseguição ou conflitos armados. Apesar de as alterações do clima afetarem essencialmente pessoas em países mais pobres e menos resilientes, na Ásia e em África, têm impacto a nível global.
Em Portugal, há muitas regiões costeiras que estão em risco, prevendo-se a inundação de diversas localidades ao longo da costa, para mais breve do que poderíamos esperar, afetando as populações que aí residem. A este respeito, alguns especialistas aconselham a retirada das pessoas das áreas costeiras afetadas ou invés de as manter e proteger, o que é mais arriscado e dispendioso.
Este combate pressupõe coragem, determinação e mudanças no estilo de vida, que muitos não estão ainda preparados a adotar.
Na verdade, a maioria das pessoas desloca-se internamente para outras regiões no seu próprio país. Mas, em situações mais graves, atravessam as fronteiras para os países vizinhos. De entre aqueles que fogem de países pobres apenas uma pequenas percentagem chega aos países ocidentais. Estas pessoas forçadas a deslocar-se têm necessidades de proteção semelhantes às dos refugiados protegidos pelo direito internacional (os refugiados individualmente perseguidos e os refugiados de guerra), tais como acesso a bens essenciais, saúde, educação, trabalho, reagrupamento familiar. Porém, a proteção destes deslocados continua ainda a depender (demasiadamente) da ética e boa vontade dos países vizinhos ou de acolhimento, deixando-os expostas a todo o tipo de riscos e exploração (sexual, laboral, trafico). O desaparecimento de países que estão a submergir no pacífico (Maldivas, Kiribati e Tuvalu) poderá gerar no futuro um número incalculável de apátridas. Que proteção e estatuto terão? Estas e outras questões merecem reflexão aprofundada. Já existem ferramentas que podem e estão a ser usadas por alguns países a nível nacional e regional enquanto se vai fazendo caminho, a nível global, sobre esta problemática. Embora as negociações sejam lentas e difíceis, particularmente no contexto político atual com a emergência de partidos com um discurso xenófobo em vários países.
Mas não nos podemos esquecer que qualquer pessoa pode tornar-se subitamente num deslocado interno ou refugiado. Pelo que todos os avanços na proteção destas pessoas não apenas são desejáveis como muito necessários. Assim, na sequência da realização da Conferência deste sábado, serão elaboradas recomendações a decisores políticos com contributos de diversas partes interessadas. O trabalho em rede e em parceria é fundamental para que haja avanços, sem esquecer as causas.
Em 2018, os desastres naturais representaram prejuízos para a economia mundial de mais de 300 mil milhões de dólares, para além da perda de vidas humanas. Mas face à inação de muitos países ricos perante a atual emergência (os membros do G20 coletivamente são responsáveis por 78% da emissão de gases de efeito estufa) fica a percepção de que se está antes a optar por ir atrás do prejuízo ao invés de apostar na mitigação e combate às causas do problema. Este combate pressupõe coragem, determinação e mudanças no estilo de vida, que muitos não estão ainda preparados a adotar. Mas não é possível continuar nesta estratégia de negação, de medo e de muros, pensando em construir diques para conter a água do mar e fortalezas para conter os migrantes. É urgente também quebrar o dogma de que não existem alternativas ao modelo económico vigente. Pois “esta economia mata”, o planeta e os seus habitantes.
Sempre atento aos sinais dos tempos, o Papa Francisco convocou para março do próximo ano um encontro mundial com jovens economistas de boa vontade, sob o tema “A economia de Francisco”. Este encontro é inspirado em S. Francisco de Assis e procura um novo modelo de desenvolvimento, mais justo e sustentável, focando no bem comum e sem deixar ninguém de fora.
https://pontosj.pt/opiniao/emergencia-climatica-e-migracoes-que-futuro/?fbclid=IwAR0WTJx3jjvgQXqetjGYxMaSRhkHL9mqxiQm5ejYDYfVoQVVG6dMlybrsVA
Nov 21, 2019 | Migrantes, Recortes, Refugiados
Por • Aura Miguel , Filipe d’Avillez
Francisco encontrou-se ainda com os profissionais de saúde e doentes de hospitais católicos a quem pediu um compromisso “que vai além de um simples e louvável exercício da medicina”.
Mesmo do outro lado do mundo, o Papa Francisco não esquece os dramas dos refugiados e migrantes que saem dos seus países em busca de melhores condições de vida. Esta tem sido uma preocupação constante do Papa desde a sua eleição em 2013.
Esta quinta-feira, no seu primeiro discurso na Tailândia, Francisco elogiou a forma como aquele país tem acolhido refugiados de muitos dos países vizinhos e pediu às sociedades de todos os países do mundo que saibam ser “artesãos da hospitalidade”, dizendo que este é “um dos principais problemas morais colocados à nossa geração”.
Num discurso às autoridades civis da Tailândia, onde estiveram presentes também os membros do corpo diplomático acreditados àquele país, Francisco avisou que “não se pode ignorar a crise migratória. A própria Tailândia, conhecida pela hospitalidade que tem oferecido aos migrantes e refugiados, viu-se perante esta crise devido à fuga trágica de refugiados dos países vizinhos” e pediu “que a comunidade internacional atue com responsabilidade e clarividência, possa resolver os problemas que levam a este êxodo trágico e promova uma migração segura, ordenada e regulamentada.”
Neste assunto, disse, Francisco pensa sobretudo “nas mulheres e nas crianças de hoje que são particularmente feridas, violentadas e expostas a todas as formas de exploração, escravidão, violência e abuso. Expresso o meu agradecimento ao Governo tailandês pelos seus esforços para extirpar este flagelo, bem como a todas as pessoas e organizações que trabalham incansavelmente para erradicar este mal e proporcionar um caminho de dignidade”.
“Hoje mais do que nunca as nossas sociedades precisam de ‘artesãos da hospitalidade’, homens e mulheres que cuidem do desenvolvimento integral de todos os povos, no seio duma família humana que se empenhe a viver na justiça, solidariedade e harmonia fraterna”, concluiu.
Na Tailândia vivem mais de 93 mil refugiados, em nove campos. A maioria é oriunda da Birmânia.
Tolerância religiosa
Durante o seu discurso com as autoridades Francisco referiu ainda a histórica tolerância da Tailândia para com as diferentes culturas e religiões. Este respeito pela identidade dos povos é algo a ser protegido em tempos de globalização, alertou. “A época atual está marcada pela globalização, considerada com demasiada frequência em termos estritamente económico-financeiros e propensa a cancelar as notas essenciais que configuram e geram a beleza e a alma dos nossos povos; ao contrário, a experiência concreta de uma unidade que respeite e salvaguarde as diferenças serve de inspiração e incentivo para quantos têm a peito o mundo tal como o desejamos legar às gerações futuras.”
Depois deste encontro com as autoridades civis Francisco foi recebido pelo Supremo Patriarca da comunidade budista tailandesa, que representa a esmagadora maioria da população daquele país asiático, onde sublinhou o facto de a pequena comunidade católica, que remonta à chegada àquele país de portugueses, há cinco séculos, ter vivido quase todo este tempo “em harmonia com os seus irmãos e irmãs budistas”.
Esta harmonia é a base sobre a qual se pode edificar um trabalho comum em favor dos mais pobres e pelo cuidado do planeta. “Desejo reiterar o meu empenho pessoal e o de toda a Igreja no fortalecimento de um diálogo aberto e respeitoso ao serviço da paz e do bem-estar deste povo. Graças aos intercâmbios académicos, que permitem uma maior compreensão mútua, e também ao exercício da contemplação, da misericórdia e do discernimento – tão comuns às nossas tradições –, poderemos crescer num estilo de boa ‘vizinhança’. Poderemos promover entre os fiéis das nossas religiões o desenvolvimento de novos projetos de caridade, capazes de gerar e incrementar iniciativas concretas no caminho da fraternidade, especialmente com os mais pobres, e em referência à nossa casa comum tão maltratada.”
Minoria ativa
Os cristãos são pouco mais de 1% da população tailandesa e apenas cerca de metade destes são católicos. Contudo, há séculos que a Igreja está investida nas obras sociais, operando hospitais e colégios que são muito procurados e respeitados pelos tailandeses.
Foi precisamente um desses hospitais, o de St. Louis, fundado há 120 anos, que Francisco visitou esta terça-feira. Ao pessoal desse hospital e outros o Papa fez questão de dizer que o compromisso assumido pela saúde dos habitantes “vai muito além de um simples e louvável exercício da medicina”.
“Tal compromisso não se pode reduzir apenas à realização de algumas ações ou determinados programas, mas deveis ir mais além, abertos ao imprevisto, ou seja, acolher e abraçar a vida como chega à urgência do hospital para ser atendida com uma compaixão especial, que brota do amoroso respeito pela dignidade de todos os seres humanos.”
Por essa razão também os profissionais devem estar abertos à ajuda espiritual. “Sei que o vosso serviço pode, às vezes, ser pesado e extenuante; viveis no meio de situações extremas, e isto requer que possais ser acompanhados e assistidos no vosso trabalho. Daí a importância de desenvolver uma pastoral da saúde, na qual não só os pacientes, mas todos os membros desta comunidade possam sentir-se acompanhados e sustentados na sua missão.”
“Sabei também que os vossos esforços e o trabalho das várias instituições que representais são o testemunho vivo do cuidado e atenção que somos chamados a demonstrar por todas as pessoas, especialmente pelos idosos, os jovens e os mais vulneráveis”, disse.
O Papa terminou a sua visita ao hospital com um encontro mais pessoal com doentes e deficientes “podendo assim acompanhá-los, pelo menos um pouco, no seu sofrimento”.
Francisco procurou explicar como mesmo este sofrimento pode ser encarado de uma perspetiva cristã. “Sabemos que a doença traz sempre consigo grandes interrogações. A primeira reação pode ser rebelar-nos, chegando mesmo a viver momentos de confusão e desolação. É o grito que brota da dor, e assim deve ser; o próprio Jesus, sofrendo, o deu. Com a oração, queremos unir-nos também nós ao d’Ele. Unindo-nos a Ele na sua paixão, descobrimos a força da sua proximidade”.
Esta quinta-feira o Papa é recebido pelo Rei da Tailândia num encontro privado e tem ainda uma atividade pública, celebrando missa com a comunidade católica de Banguecoque. A visita do Papa à Tailândia continua na sexta-feira mas ao final do dia ruma para o Japão, onde estará até terça-feira da próxima semana.
https://rr.sapo.pt/2019/11/21/religiao/papa-elogia-tailandia-como-exemplo-no-acolhimento-dos-migrantes/noticia/172507/?utm_source=plista
Nov 18, 2019 | Informações, Refugiados
As alterações do clima em resultado da ação humana forçam todos os anos milhares de pessoas a deslocar-se das suas casas. De acordo com dados da ONU, em 2016 mais de 24 milhões de pessoas, em 118 países e territórios, foram obrigadas a deslocar-se por causa de desastres naturais, sendo este número três vezes superior ao número de deslocados por conflitos. Esta Conferência pretende refletir sobre esta realidade e os dados que os estudos e estatísticas recentes nos apresentam, apontando caminhos para políticas públicas à altura deste grande desafio, que afeta a todos. Pois, qualquer pessoa pode tornar-se subitamente um deslocado interno ou refugiado. À semelhança da Conferência Internacional “A Travessia – Mulheres e Meninas em Busca de Refúgio”, que se realizou nos passados dias 15 e 16 de março, esta nova Travessia pretende sinalizar problemas e apresentar Recomendações, que serão disseminadas no final deste evento.
Uma iniciativa da Associação Renovar a Mouraria, no âmbito do projeto “Conferência _Refugiados Climáticos_ Que Futuro__ Lisboa No Borders”
Entrada gratuita com inscrição obrigatória: https://lnkd.in/gXazE_y
Jul 12, 2019 | Artigo, Migrantes, Missões, Recortes, Refugiados
Migrações: Está a faltar o dever de «fraternidade e humanidade» no auxílio aos refugiados
Jul 12, 2019 – 7:00
Lisboa, 12 jul 2019 (Ecclesia) – A professora e investigadora sobre Migrações Maria Beatriz Rocha Trindade disse hoje que se está a faltar à “obrigatoriedade de humanidade, de fraternidade” com os refugiados, numa prática que deveria “ultrapassar as leis e decisões” nacionais.
“Os refugiados, o assunto é tomado pelas Nações Unidas depois de 1951, depois da II Grande Guerra Mundial, existe uma obrigatoriedade de humanidade, de fraternidade, de receber e de inserir, que ultrapassa as leis e as decisões do próprio país. Constitui uma obrigação, mas infelizmente assim não é na prática”, afirma a investigadora em entrevista à Agência ECCLESIA e à Renascença.
A acompanhar o fenómeno migratório há largas décadas, tendo fundado há 25 anos o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais e autora de vasta bibliografia sobre o tema, a professora catedrática afirma a “criminalização da solidariedade” e o retrocesso civilizacional a que assistimos.
“Basta ver os nacionalismos que ganham suporte graças aos líderes desses movimentos que atacam justamente a receção, dizendo sempre que é em função da legalidade”, suporta.
Lamenta a investigadora que a “apetência” por Portugal como país de destino não corresponda, depois, ao acolhimento registado.
A socióloga e primeira antropóloga portuguesa destaca a ação “pioneira” da Igreja católica no auxílio aos emigrantes e às comunidades portuguesas na diáspora, “não de agora, mas desde sempre”, nas respostas que deu através das chamadas missões católicas, antecedendo até o papel do Estado.
“Eu acho que a Igreja é sempre um espaço de grande apoio mas são poucos os elementos para poder atender um público tão vasto”, indica.
A Igreja, diz, “não poderá fazer muito mais do que se esforça objetivamente por fazer, tentando dar apoio aos católicos e aos não católicos”.
“É um apoio aos humanos, é um apoio de solidariedade, de ouvir mais do que impor, e isto cada vez mais acho, que a atitude; é uma atitude de abertura e de diálogo, insisto, e não de exigência ou de imposição. Eu acho que é preciso também um olhar de justiça e não um permanente olhar de crítica, como é hábito ser feito muitas vezes”, afirma.
Em junho de 2012, em parceria com a atual diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações, Eugénia Quaresma, Maria Beatriz realizou um trabalho de investigação sobre os 50 anos deste serviço da Igreja católica.
“Apercebemo-nos que a Igreja sempre tinha procurado atender à mobilidade, desde a forma como interpretava e exprimia os conceitos, como se dirigia ao público-alvo para quem era realizada essa prática, às pessoas que deslocou, à forma como recebeu em Portugal, tentando integrar nos locais de origem os padres, das paróquias onde viviam os nossos emigrantes, todo um conjunto de práticas e interpretações que estiveram à frente do Estado”, sublinha.
A prática religiosa e a fé constituem para os emigrantes um “pilar” mas também uma “catálise de reencontros”.
“A fé é um pilar, mas também é uma catálise de reencontros, de reapropriação de tudo o que era seu, e que assim permanece como sendo seu, e por outro lado também é uma ponte de adaptação”, indica.
A investigadora e titular da Ordre National du Mérite, de França, com o grau de Chevalier, e da Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, de Portugal, indica que o tempo e o espaço ajudam a analisar o fenómeno e a combater generalizações.
“A mobilidade que não pode ser traduzida por números mas que tem de ser olhada com um olhar de solidariedade, fraternidade, um olhar de homem para homem, de mulher para mulher, um olhar com uma certa compreensão que não se pode limitar unicamente à deslocação mas que tem de ser situada num contexto, naturalmente, económico e social, que produz essa mobilidade”, adverte.
Contra a generalização “que não corresponde à verdade”, Maria Beatriz Rocha Trindade esclarece que a emigração “de licenciados e formados” representa uma pequena parte no fenómeno português e que “muita mão-de-obra não qualificada” continua a sair.
Ainda sobre a importante reflexão e formação que a sociedade portuguesa necessita fazer no âmbito das migrações, a investigadora deu conta de um projeto apresentado à Unesco para uma Cátedra sobre Mobilidade e Direitos humanos, projeto este que viu anulado em janeiro deste ano.
Maria Beatriz Rocha Trindade destaca a importante formação que a sociedade portuguesa beneficiaria.
“Foi um projeto que nós construímos, com o propósito de modificar, tanto quanto possível, não tudo, mas os segmentos da sociedade em que pudéssemos atingir, e por algo que ninguém percebe não foi levado para a frente”, lamenta.
Ângela Roque (Renascença) e Lígia Silveira (Agência ECCLESIA)
LS
Migrações: Está a faltar o dever de «fraternidade e humanidade» no auxílio aos refugiados (c/áudio)
Jul 9, 2019 | Artigo, espiritualidade, Migrantes, Notícias, Recortes, Refugiados, Santa Sé
Homilia 8.7.2019 – Tradução Portuguesa Mário Almeida, Secção Migrantes e Refugiados
Hoje, a Palavra de Deus fala-nos de salvação e libertação.
Salvação. Durante a sua viagem de Bersabé para Harã, Jacob decide parar e descansar num lugar solitário. Em sonho, vê uma escada cujo pé assenta na terra e o topo toca o céu (cf. Gn 28, 10-22a). A escada, pela qual sobem e descem os anjos de Deus, representa a ligação entre o divino e o humano, que se realiza historicamente na encarnação de Cristo (cf. Jo 1, 51), amorosa oferta de revelação e salvação por parte do Pai. A escada é alegoria da iniciativa divina que antecede todo e qualquer movimento humano. É a antítese da torre de Babel, construída pelos homens que queriam, com as suas forças, chegar ao céu para se tornarem deuses. Neste caso, ao contrário, é Deus que «desce», é o Senhor que Se revela, é Deus que salva. E o Emanuel, o Deus-connosco, realiza a promessa de pertença mútua entre o Senhor e a humanidade, no sinal dum amor encarnado e misericordioso que dá a vida em abundância.
À vista desta revelação, Jacob realiza um ato de entrega ao Senhor, que se traduz num compromisso de reconhecimento e adoração que marca um momento essencial na história da salvação. Pede ao Senhor que o proteja ao longo do caminho difícil que está a fazer e diz: «O Senhor será o meu Deus» (Gn 28, 21).
Dando eco às palavras do Patriarca, repetimos no Salmo: «Meu Deus, em Vós confio». Ele é o nosso refúgio e nossa fortaleza, escudo e couraça, âncora nos momentos de prova. O Senhor é abrigo para os fiéis que O invocam na tribulação. Aliás, é precisamente nestes momentos que a nossa oração se torna mais pura, isto é, quando nos damos conta de que as certezas oferecidas pelo mundo pouco valem, e nada mais nos resta senão Deus: só Deus abre de par em par o Céu a quem vive na terra; só Deus salva.
E esta entrega total e extrema é precisamente o elemento comum entre o chefe da sinagoga e a mulher hemorroíssa, no Evangelho (cf. Mt 9, 18-26). São episódios de libertação. Ambos se aproximam de Jesus para obter d’Ele o que mais ninguém lhes pode dar: libertação da doença e da morte. Dum lado, temos a filha duma das autoridades da cidade; do outro, uma mulher atribulada por uma doença que faz dela uma excluída, uma marginalizada, uma pessoa impura. Mas Jesus não faz distinções: a libertação é concedida generosamente em ambos os casos. A necessidade coloca a ambas – a mulher e a menina – entre os «últimos» que devemos amar e levantar.
Jesus revela aos seus discípulos a necessidade duma opção preferencial pelos últimos, que hão de ocupar o primeiro lugar no exercício da caridade. São tantas as pobrezas de hoje! Como escreveu São João Paulo II, «“pobres”, nas várias aceções da pobreza, são os oprimidos, os marginalizados, os idosos, os doentes, as crianças, todos aqueles que são considerados e tratados como “últimos” na sociedade» (Exort. ap. Vita consecrata, 82).
Neste sexto aniversário da visita a Lampedusa, penso nos «últimos» que diariamente clamam ao Senhor, pedindo para ser libertados dos males que os afligem. São os últimos enganados e abandonados a morrer no deserto; são os últimos torturados, abusados e violentados nos campos de detenção; são os últimos que desafiam as ondas dum mar impiedoso; são os últimos deixados em acampamentos de acolhimento (demasiado longo, para ser chamado de temporário). Estes são apenas alguns dos últimos que Jesus nos pede para amar e levantar. Infelizmente, as periferias existenciais das nossas cidades estão densamente povoadas de pessoas que foram descartadas, marginalizadas, oprimidas, discriminadas, abusadas, exploradas, abandonadas, de pessoas pobres e sofredoras. No espírito das Bem-aventuranças, somos chamados a acudir misericordiosamente às suas aflições; saciar a sua fome e sede de justiça; fazer-lhes sentir a solícita paternidade de Deus; mostrar-lhes o caminho para o Reino dos Céus. São pessoas; não se trata apenas de questões sociais ou migratórias! «Não se trata apenas de migrantes!», no duplo sentido de que os migrantes são, antes de mais nada, pessoas humanas e que, hoje, são o símbolo de todos os descartados da sociedade globalizada.
Retorna espontaneamente à mente a imagem da escada de Jacob. Em Jesus Cristo, está assegurada e é acessível a todos a ligação entre a terra e o Céu. Mas subir os degraus desta escada requer empenho, esforço e graça. Os mais frágeis e vulneráveis devem ser ajudados. Apraz-me pensar que poderíamos ser, nós, aqueles anjos que sobem e descem, pegando ao colo os pequenos, os coxos, os doentes, os excluídos: os últimos, que caso contrário ficariam para trás e veriam apenas as misérias da terra, sem vislumbrar já desde agora algum clarão do Céu.
Trata-se, irmãos e irmãs, duma grande responsabilidade, da qual ninguém se pode eximir, se quiser levar a cabo a missão de salvação e libertação na qual fomos chamados a colaborar pelo próprio Senhor. Sei que muitos de vós, chegados apenas há alguns meses, já estais a ajudar irmãos e irmãs que chegaram depois. Quero agradecer-vos por este estupendo sinal de humanidade, gratidão e solidariedade.
—
Mário Almeida
Area Africa and Madagascar
Migrants & Refugees Section
Integral Human Development