Set 24, 2020 | Documentos, Mensagens, Migrantes, Refugiados, Santa Sé
O 106º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado – DMMR 2020, a ser celebrado no dia a 27 de setembro, continua o seu firme propósito de sensibilizar para as potencialidades e necessidades do fenómeno migratório. O Santo Padre pede em primeiro lugar à Igreja, Povo de Deus, e também a todos os cidadãos de boa vontade, que se deixem interpelar pelo tema e pelo drama dos deslocados internos, a partir do ícone: Forçados, como Jesus Cristo, a fugir.
Desde de Maio de 2020, a Secção Migrantes e Refugiados lançou uma campanha multimédia em diferentes línguas, a fim de que fosse amplamente difundida, a partir da palavra de Deus, do Magistério e de boas práticas, foi ilustrando que urge e é possível sonhar e construir um outro lugar, uma sociedade renovada. https://migrants-refugees.va/pt/dia-mundial-do-migrante-e-do-refugiado/–
A Mensagem Pontifícia foi sendo apresentada gradualmente em subtemas, que vale a pena guardar e certamente nos acompanharão ao longo deste ano pastoral: conhecer para compreender, aproximar-se para servir, escutar para reconciliar, partilhar para crescer, co-envolver para promover e colaborar para construir.
O itinerário assim proposto é um desafio pessoal, que atravessa a comunidade e visa alcançar os Estados-Nação, visa romper muros: nacionalismos populistas, leis restritivas e excludentes, xenofobia e racismo, medos, individualismos e indiferenças que atualmente se erguem e ameaçam o nosso futuro enquanto família humana e propõe uma pedagogia pastoral para construir pontes..
Aceitando inspirados pela Secção Migrantes e Refugiados – SMR, ao longo da Semana Nacional de Migrações a OCPM recolheu uma série de testemunhos que ilustram os pares de verbos acima enunciados, e convidou as diversas estruturas da Igreja e sociedade civil a participar com testemunhos locais.
Aprendemos que apesar da realidade não ser nova para Portugal e para as estruturas da Igreja, existem formas de nos fazermos próximos, de servirmos, de partilharmos e colaboramos nesta pastoral das migrações, na transformação da nossa sociedade e Igreja.
O Dia Mundial do Migrante e Refugiado, não é uma meta mas antes um ponto de partida, para a tão ambicionada, sonhada e desejada conversão pastoral. Os deslocados internos interpelam-nos a construir pontes entre o Acolhimento e a Proteção, entre a Promoção e a Inclusão.
Assim deixo um apelo a reler ou conhecer a mensagem do Santo Padre para este dia, e reitero o convite do Santo Padre, para que na Eucaristia do dia 27 de setembro, convide a comunidade cristã a rezar e reflectir sobre este tópico, nomeadamente os deslocados internos em Moçambique, aqueles que foram forçados a fugir do Campo de Refugiados em Mória, pelos que fugiram da Venezuela… e tantos outros milhões de deslocados internos espalhados por esta nossa casa comum.
Obra Católica Portuguesa de Migrações
Jul 9, 2020 | Migrantes, Recortes, Refugiados, Santa Sé
Por ocasião do aniversário da sua visita a Lampedusa, há 7 anos, o Papa Francisco celebrou uma Missa em Santa Marta com os funcionários da Secção Migrantes e Refugiados, do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral.
A Missa pode ser acompanhada em directo nos link abaixo indicados
na página FB de Vatican News: https://www.facebook.com/vaticannews.pt/videos/623819215153239/
no canal youtube de Vatican media: https://youtu.be/M-RFWoMT574
Mai 11, 2020 | Informações, Migrantes, Notícias, Orientações Pastorais, Recortes, Refugiados, Santa Sé
Cidade do Vaticano, 05 mai 2020 (Ecclesia) – O Vaticano apresentou hoje um novo documento sobre os deslocados internos, com orientações pastorais aprovadas pelo Papa Francisco, em que denuncia a situação de “invisibilidade” de cerca de 50 milhões de pessoas nesta situação.
A publicação da secção ‘Migrantes e Refugiados’ do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (Santa Sé) foi apresentada em conferência de imprensa via streaming, pelo subsecretário deste departamento, o cardeal Michael Czerny.
O responsável destacou, em resposta aos jornalistas, que a pandemia de Covid-19 veio agravar a situação dos deslocados internos, somando-se aos problemas já existentes.
Para o cardeal jesuíta, é um “sinal feliz” que a Igreja Católica esteja a fazer coisas novas, a todos os níveis, para responder à crise pandémica, sem deixar de fazer tudo o que sempre fez.
“É um bom sinal que consigamos assumir este novo desafio”, acrescentou.
O colaborador do Papa espera que os ataques de natureza xenófoba sejam travados pela consciência de que os migrantes são essenciais em trabalhos na área da saúde, agricultura ou atividades comerciais.
“São uma parte essencial da forma como vivemos”, acrescentou.
Neste tempo de pandemia, o vírus não distingue entre os que são importantes e os que são invisíveis, os que estão instalados e os deslocados: todos são vulneráveis, cada infeção é um perigo para todos”.
As orientações agora publicadas pelo Vaticano destinam-se ao reconhecimento das populações que são “obrigadas” a deixar a sua casa e a procurar refúgio dentro do seu próprio território nacional.
O cardeal Michael Czerny pediu que estas pessoas sejam “apoiadas, promovidas e acabem por ser reintegradas, para que possam desempenhar um papel construtivo no seu país, mesmo que causas muito fortes, tanto naturais como causas humanas injustas, os forçaram a sair de casa e a refugiar-se noutro lugar, dentro do seu próprio país”, declarou.
Foto: ACNUR
O padre Fabio Baggio, também subsecretário da secção ‘Migrantes e Refugiados’, explicou que as orientações pastorais se organizam em volta dos quatro verbos com que o Papa tem apresentado a ação da Igreja Católica no campo das migrações: acolher, proteger, promover e integrar.
O responsável destacou a “invisibilidade” dos deslocados internos, a quem falta muitas vezes um “reconhecimento formal” da sua situação e instrumentos internacionais que os defendam.
A conferência de imprensa contou com o testemunho de Amaya Valcárcel, do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), presente em 56 países, incluindo Portugal, que falou das “limitações” que as organizações sentem no acesso às populações deslocadas dentro do seu próprio país, “devido a conflitos ou à falta de reconhecimento dos seus direitos e necessidades”, temendo que a crise social e económica provocada pela Covid-19 possa trazer mais dificuldades.
“Os deslocados internos sabem como lavar as mãos, mas não têm acesso a água limpa, nem sequer para beber”, exemplificou.
Amaya Valcárcel falou, em particular, da situação na Síria, Colômbia, Iraque, Burundi, Sudão do Sul, Afeganistão ou Mianmar, com deslocados em “situação crónica de vulnerabilidade”.
OC
https://agencia.ecclesia.pt/portal/migracoes-vaticano-apresenta-documento-sobre-deslocados-internos-vitimas-invisiveis-dos-conflitos-e-catastrofes
Mar 31, 2020 | espiritualidade, Santa Sé
(«Sagrado» da Basílica de S. Pedro, 27 de março de 2020)
«Ao entardecer…» (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados «vamos perecer» (cf. 4, 38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos.
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro… E que faz? Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus a dormir). Acordam-No; mas, depois de acalmar o vento e as águas, Ele volta-Se para os discípulos em tom de censura: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» (4, 40).
Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos, que se contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de crer N’Ele, pois invocam-No; mas vejamos como O invocam: «Mestre, não Te importas que pereçamos?» (4, 38) Não Te importas: pensam que Jesus Se tenha desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas nossas famílias, uma das coisas que mais dói é ouvirmos dizer: «Não te importas de mim». É uma frase que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado também Jesus, pois não há ninguém que se importe mais de nós do que Ele. De facto, uma vez invocado, salva os seus discípulos desalentados.
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de «empacotar» e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos, que se contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de crer N’Ele, pois invocam-No; mas vejamos como O invocam: «Mestre, não Te importas que pereçamos?» (4, 38) Não Te importas: pensam que Jesus Se tenha desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas nossas famílias, uma das coisas que mais dói é ouvirmos dizer: «Não te importas de mim». É uma frase que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado também Jesus, pois não há ninguém que se importe mais de nós do que Ele. De facto, uma vez invocado, salva os seus discípulos desalentados.
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de «empacotar» e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: «Acorda, Senhor!»
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Senhor, lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes, como sobretudo vir a Ti e fiar-se de Ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente: «Convertei-vos…». «Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração» (Jl 2, 12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros. E podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. Perante o sofrimento, onde se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos, descobrimos e experimentamos a oração sacerdotal de Jesus: «Que todos sejam um só» (Jo 17, 21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores, das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais.
O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.
Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de omnipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós» (cf. 1 Ped 5, 7).
Mar 13, 2020 | Artigo, Dioceses, Migrantes, Missões, Notícias, Recortes, Santa Sé
Padre Amaro Gonçalo Ferreira Lopes
Foto Agência Ecclesia
Penso que a nós, pastores, não nos basta comunicar aos fiéis algumas regras de procedimento, de tipo higiénico-sanitário ou litúrgico. Isso é bem-vindo e faz falta. Mas é preciso mais; é preciso oferecer ao santo povo de Deus uma interpretação cristã do momento crítico que estamos a viver, uma leitura dos sinais, para realmente crescermos na fé, caminharmos na esperança e testemunharmos o amor. Precisamos de oferecer percursos e recursos alternativos, para que a ausência e a distância física da Igreja se torne presença espiritual de uma comunidade que tece os seus laços de fé de modo mais profundo, permanecendo unida como ramos na videira. Deste modo, aproveitaremos este tempo especial da quarentena forçada, como tempo favorável para uma Quaresma reforçada e, portanto, para uma Páscoa verdadeiramente de renascimento e de vida nova. Vai neste sentido, a Mensagem, que dirijo aos meus paroquianos, que é fruto da minha leitura e das leituras destes dias.
Mensagem do Pároco de Nossa Senhora da Hora
Queridos irmãos e irmãs:
A Quaresma de 2020 está a ser marcada excecionalmente pela pandemia do COVID-19.
Talvez a experiência deste mal comum nos revele a importância do bem comum, hoje tão esquecido e escarnecido. Desta emergência pode, de facto, extrair-se uma bela lição de solidariedade: “a tua vida é também a minha vida, e eu próprio, com as minhas forças, colaboro na construção do bem comum”.
Por isso mesmo, evitemos abrir brechas na barragem de contenção comum do coronavírus, com escolhas irresponsáveis, e obedeçamos às disposições restritivas, comportando-nos com cautela e responsabilidade, pensando cada um para si mesmo: “ao proteger-me, protejo os mais fracos, os mais expostos: idosos, adultos frágeis, crianças doentes”. As restrições, obrigações e recomendações práticas, que a Direção Geral de Saúde, ou outras entidades do Estado, atentas ao bem comum, nos fazem, são mesmo para ser assumidas e levadas a sério.
Não deixemos, porém, que a pandemia deste vírus nos arraste para as trevas do medo, de modo que o necessário distanciamento físico não nos afaste ainda mais dos outros, transformando o próximo, o irmão, o outro, em “inimigo” ou “concorrente” do mercado ou do super-mercado. Em vez do medo, esta pandemia desperte em todos nós o santo temor de Deus, isto é, o sentido da minha responsabilidade, pois tenho de responder diante de Deus pelo que faço da minha vida e da vida dos meus irmãos.
É esse o sentido de qualquer cancelamento, mesmo com sacrifício pessoal e comunitário, de muitas iniciativas que fazem parte do programa habitual das nossas vidas e até do programa espiritual da Quaresma (cf. Apêndice com medidas).
I. Não cancelemos a Quaresma
Por nada deste mundo, esta Quaresma deve ser cancelada. Não há “férias”, nem suspensão da graça e do dever da nossa relação fiel com Deus e com os outros. Pelo contrário, a Quaresma dos cristãos é claramente reforçada na sua necessidade e oportunidade, pelas medidas e condicionamentos desta imperativa “quarenta sanitária geral”.
Começámos a Quaresma, na quarta-feira de Cinzas, escutando o grito de conversão, no apelo veemente do profeta Joel: “ordenai um jejum, reuni o povo, proclamai uma solenidade (…) Os sacerdotes comecem a dizer: «poupai, Senhor, o vosso Povo, não nos entregueis ao opróbrio e ao escárnio das nações»” (Jl 2,12-18). O nosso profeta Jonas desafiou, no mesmo estilo, os habitantes de Nínive, a uma quarentena, para evitar o extermínio de toda a cidade. Pediu jejum e oração, como meios e sinais de conversão. E até o Rei se associou a este apelo, revestindo-se simbolicamente de um traje grosseiro, sentando-se sobre a cinzas (cf. Jn 3,1-10).
Creio que podemos acolher estes tempos de insegurança e precariedade, diante do “inimigo” que nos ameaça, como as verdadeiras cinzas, que impomos sobre a nossa vida, para assumirmos finalmente os nossos limites, atravessarmos os desertos do silêncio e da sobriedade, e assim nos encontrarmos e encaminharmos juntos em direção à luz fulgurante da Páscoa. Se acolhermos estas cinzas feitas de limites, renúncias, medos, cansaços, doença, sofrimento, morte, então poderemos entrar numa consciência maior, a de sermos envolvidos e responsáveis uns pelos outros. Esta é a base do viver civil e do viver cristão. Em cada um de nós está o traço de cada pessoa; em cada vida entram, de variadas maneiras, todas as vidas humanas.
É este, pois, um tempo favorável (cf. 2 Cor 6,2) para compreendermos como o contágio do vírus do pecado, isto é, do nosso egoísmo, da nossa indiferença em relação aos outros e da nossa distância em relação a Deus, não é menos contagioso e perigoso, no plano mais alto da nossa vida cristã, que o COVID-19. É agora mais fácil perceber como cada ação ou omissão pessoais têm sempre efeitos sociais. Por isso, até o mais escondido pecado pessoal é também e sempre um pecado social. Mudemos de vida. O mundo não muda se eu não mudar!
Gostaria que vivêssemos este tempo, não como um insuportável intervalo nas nossas vidas, mas como um tempo de graça, que nos revela, com clareza, as ambiguidades, os erros e pecados da nossa vida pessoal e comunitária, mas que também evidencia os sinais do amor humano-divino, que é sempre mais forte do que o pecado e a morte.
II. Reconheçamos os sinais da nossa desordem
A globalização, com particular evidência e violência, manifesta os sintomas profundos das suas graves anomalias. Colocámos de pé um sistema social onde a última palavra, no fim, parece ser dada ao negócio, e não ao bem comum, onde a política não tem força suficiente para fazer coisas óbvias. O inesperado vírus Wuhan perturba os hábitos de todos, do mundo rico em particular: despovoa as praças, deixa os aviões no chão, cria novos muros, obriga a diminuir as relações sociais no trabalho, na escola ou em clubes desportivos, refreia o comércio, aumenta o medo pessoal e coletivo, gera psicose, desencadeia a corrida para acumular alimentos, impede empresas de trabalhar a alta velocidade e provavelmente porá em risco tanta mobilidade. E assim por diante… basta abrir qualquer site de informações para inventariar os danos do pequeno vírus.
III. Captemos os sinais da graça de Deus
Como em tudo, há males que vêm por bem. E precisamos de aprender a ler o que Deus escreve direito, por estas linhas tortas deste nosso tempo: não podemos viver transformando tudo em bens económicos. Em momentos como estes, damo-nos conta de que o rei capitalista vai nu, e que também se vive de contemplação, de beleza, de relações, de sapiência. Vivemos também de vidas doadas para curar os outros, como são aquelas destes heróis modernos que são os médicos e os enfermeiros, que sufocam o medo para dedicar-se com abnegação a quem está frágil e doente.
Eis uma série de pequenas-grandes melhorias do COVID19, que vale a pena reconhecer:
- O desenvolvimento de pesquisas médicas, que envolve investigadores e todo o mundo num esforço coletivo louvável.
- A abnegação de muitos trabalhadores, no campo da saúde, que saudamos e agradecemos.
- A moderação da linguagem e a superior qualidade do discurso das figuras públicas: políticos, atores, políticos, jornalistas e jogadores de futebol.
- A relativização da importância do espetáculo desportivo, que se tornou em tantos casos uma religião de substituição, com as suas «liturgias», os seus «deuses», os seus «papas» e as suas «catedrais».
- Uma desintoxicação do excesso da publicidade, que perde relevo e interesse, em favor da informação.
- O tratamento sério de assuntos que realmente interessam, na comunicação social. Não é tempo de conversa fiada.
- A intriga e a bisbilhotice diminuem em benefício do apelo e do testemunho.
- Governos e instituições estão finalmente a trabalhar de maneira concertada na luta contra as notícias falsas.
- Afrouxam os cordões das bolsas de muitas instituições económicas e financeiras em todo o mundo, percebendo-se que a vida vale mais que o lucro.
- E, por último, mas não menos importante, o humor está a crescer nos meios de comunicação e redes sociais e, acima de tudo, na autoironia. É um bom antídoto contra o medo.
IV. Aproveitemos uma dúzia de oportunidades virtuosas
Sugiro aos meus paroquianos algumas oportunidades virtuosas, decorrentes da atual pandemia, para a vivência desta Quaresma de 2020:
- Exercitemos a virtude pessoal da humildade, reconhecendo que não sou omnipotente nem superior às forças da natureza, vencendo a presunção de que não sou mais imune e mais civilizado que todos os outros. A minha existência não depende apenas de mim; não sou eu o dono da vida. Basta um vírus para a colocar em risco.
- Cultivemos a humildade científica e tecnológica, perante os seus grandes progressos, que são dons a cultivar e a agradecer, mas não são deuses a adorar. A saúde e o bom funcionamento, hoje, das células do meu corpo são um dom a redescobrir; nada é dado como adquirido ou devido. O que nos salva, pois, não é o poder económico, ou o progresso da ciência ou as maravilhas da técnica, mas sim o amor de uns pelos outros.
- Ponhamos em prática uma fraternidade solidária, como antivírus contra a superficialidade, a indiferença, a autossuficiência e o narcisismo, que tantas vezes me fazem pôr a mim próprio no centro de tudo; e por isso mesmo, esquecendo que tudo é dom. Isto implica redescobrir os outros como irmãos, conscientes de que todos dependemos de todos. Percebemos como o curso normal da vida depende de tantas relações sociais ocultas. Afinal ninguém se basta a si próprio e, nesta barca, do mundo globalizado em que vivemos, ninguém se salva sozinho. Todos somos responsáveis pela bem de todos.
- Valorizemos a família e a nossa casa como lugares mais seguros. O facto de se passar mais tempo ‘em casa’, neste “recolher obrigatório” não é necessariamente uma penitência e pode ser uma bênção. Aprofundemos a qualidade do diálogo e da presença em família. Mantenhamo-nos em contacto com os ausentes, os emigrantes, os distantes, os doentes, os idosos, em nossa casa, nos hospitais e lares. São estes que mais sofrem as medidas de contenção da propagação do vírus.
- Redescubramos a importância dos afetos, com aqueles que nos são mais próximos, com os que partilham a mesma casa, o mesmo meio de transporte, o mesmo espaço de trabalho. A solidão forçada ensina-nos o valor e o preço das relações humanas. A imposta distância superior a um metro revela-nos a beleza e a nostalgia das distâncias breves.
- Eduquemo-nos para uma certa abstinência dos afetos, corrigindo os excessos e a banalização de alguns gestos, como os beijos e abraços. Isto pode ajudar-nos a valorizar a importância de uma gestualidade comunicativa autêntica, de uma comunicação não verbal, que também vive e convive a partir do silêncio, da discrição, e até de um simples olhar atento.
- Optemos por um estilo de vida mais sóbrio, menos focado no consumo, mais centrado no essencial. Nem só de pão, vive o Homem e muito menos vive da moda, dos corantes e conservantes e de produtos açucarados ou manipulados.
- Libertemo-nos do desejo alienante de uma vida vivida em regime de diversão contínua. É uma boa oportunidade para corrigir um certo estilo de vida pagã, que se contenta com “pão” na mesa e “circo” na praça.
- Redescubramos a beleza e a riqueza da leitura, também da Bíblia ou da meditação diária do Evangelho, para desenvolver a abertura do coração a Deus e o encontro pessoal com Cristo.
- Aprendamos a fazer do nosso “quarto” lugar e aposento de oração, aproveitando esta oportunidade para rezarmos um pouco mais, e a sós, para meditarmos, para exercitarmos a oração do coração, para além da recitação das orações feitas de cor e rezadas nas nossas Igrejas. Este é o momento de cada um reentrar em si, de voltar à interioridade, ao seu coração, que se abre diante do mistério da vida e do mistério de Deus. Ao lavar as mãos, por exemplo, rezemos o Pai-Nosso, purifiquemos o nosso coração, dizendo estas ou palavras semelhantes: “lavai-me, Senhor, de toda a iniquidade e purificai-me de todo o pecado” (Sl 50,2).
- Façamos da nossa casa uma “casa de oração” e da nossa família uma verdadeira “Igreja Doméstica”. Se não pudermos participar na Eucaristia, para nos protegermos a nós e aos outros do contágio do Maligno, podemos viver este “jejum” para despertar em nós a nossa fome do Pão da Vida. Se não podemos adorar no Templo, aproveitemos para o fazer, a partir do mais íntimo de nós mesmos, “em espírito e em verdade” (Jo 4,23). Não deixemos passar o nosso Domingo “vazio de Deus”. Abençoemos a mesa, com uma breve oração. Se pudermos, ao domingo, rezemos um pouco mais em família. E por que não sentarmo-nos todos, em família, para acompanhar a transmissão da Missa pela TV ou pelas redes sociais?
- Vivamos mais a graça do tempo presente, sem querer controlar absolutamente tudo; façamos tudo como se tudo dependesse de nós e confiemos tudo às mãos de Deus, como se tudo dependesse d’Ele.
Tenho muito claro para mim: quem não aproveitar esta inesperada Quaresma de 2020 certamente não aproveitará Quaresma nenhuma da sua vida. Porque esta é mesmo Quaresma. É uma Quaresma para todos, crentes e não crentes. Pelo que agora sim, “todos aqui renasce(re)mos”.
V. Oremos
Finalmente, proponho-vos a recitação diária desta prece, sugerida pelo Papa Francisco a Nossa Senhora, entre nós invocada como Senhora da Hora, de todas as horas e desta hora especialmente. Não nos cansemos de rezar.
Ó Maria,
Nossa Senhora da Hora:
Tu resplandeces sempre no nosso caminho
como sinal de salvação e de esperança.
Confiamo-nos a Ti, saúde dos enfermos,
que junto da Cruz foste associada à dor de Jesus,
mantendo firme a tua fé.
Tu, Salvação do Povo de Deus,
sabes bem do que mais precisamos
e estamos seguros de que proverás
para que, tal como em Caná da Galileia,
possa voltar a alegria e a festa
depois deste momento de provação.
Ajuda-nos, Mãe do Divino Amor,
a conformar-nos com a vontade do Pai
e a fazer aquilo que Jesus nos disser,
Ele que tomou sobre si os nossos sofrimentos
e carregou as nossas dores
para nos conduzir, por meio da cruz,
à glória da Ressurreição. Ámen
À Vossa proteção nos acolhemos,
Santa Mãe de Deus.
Não desprezeis as nossas súplicas,
nós que estamos na provação,
e livrai-nos de todos os perigos,
ó Virgem gloriosa e bendita!
Padre Amaro Gonçalo Ferreira Lopes
Senhora da Hora, 12 de março de 2020
Out 30, 2019 | Artigo, Recortes, Santa Sé
Por Ana Varela
Artigo publicado no ponto SJ
https://pontosj.pt/opiniao/angels-unawares-nao-se-trata-apenas-de-migrantes/
No passado dia 29 de setembro, celebrou-se na Praça de S. Pedro a Santa Missa para o 105.º dia Mundial do Migrante e do Refugiado. Esta celebração foi realizada em união com os fiéis de todas as dioceses do mundo, para reafirmar a necessidade de que ninguém seja excluído da sociedade, seja um cidadão residente de longa duração ou alguém recém-chegado.
Tive a alegria de estar presente, com a minha família, junto de milhares de peregrinos de diferentes nacionalidades, que coloriram a Praça com a riqueza e o entusiasmo contagiante da diversidade. Senti-me também muito grata por esta oportunidade. Pois, sendo católica e tendo o privilégio de servir desde há vários anos migrantes e refugiados em Portugal, a participação nesta celebração teve ainda um significado mais profundo.
Estava uma manhã quente e clara, aguardámos sob um sol intenso, num clima de festa e recolhimento, próprios das grandes celebrações presididas pelo Papa Francisco. Em redor, logo escutámos o nosso idioma, peregrinos de Portugal e de países lusófonos, junto de peregrinos que viajaram de muitos outros países para participar nesta celebração e muitos imigrantes e refugiados residentes em Itália. Aguardávamos todos com grande expectativa, a homilia e a mensagem do Papa para este dia especial, que neste ano teve como tema: “Não se trata apenas de migrantes”. Sabíamos que iríamos, uma vez mais, ser interpelados pelas suas palavras e ações. Mas fomos surpreendidos também.
O Evangelho lido nesse dia foi a parábola do rico e de Lázaro (Lc 16, 19-31): Um homem rico, muito ocupado em comprar roupas elegantes e em organizar esplêndidos banquetes, não vê o pobre Lázaro coberto de chagas à sua porta, que bem desejava saciar-se com o que caía da sua mesa. Quando ambos faleceram, Lázaro foi consolado e o rico ficou em tormentos.
Esta parábola pode ser vista como uma metáfora do nosso tempo, que nos deveria convidar à conversão. O Papa referiu, com tristeza, que o mundo atual vai-se tornando, dia após dia, mais elitista e cruel para com os excluídos. Enquanto em alguns países se vive como o homem rico, numa cultura de descarte, com todas as comodidades e abundância de bens e de alimentos, que se desperdiçam e acabam, não raras vezes, no lixo, noutros países de baixo rendimento, continuam milhares a viver na miséria e a morrer à fome, como o pobre Lázaro da parábola. Neste mês de Outubro, em que se assinala no dia 17 o Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza, dá que pensar que desde há muito conhecemos esta situação de injustiça e sabemos que é possível erradicar a fome no mundo. Aliás, “Erradicar a pobreza” é o objetivo número um da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030) e “Erradicar a fome” é o segundo objetivo.
Enquanto isso, continuam a perecer milhares de homens, mulheres e crianças por falta de alimento e de subnutrição, em países mais pobres. Continuam ainda a abater-se guerras apenas sobre algumas regiões do mundo, enquanto as armas para as fazer são produzidas e vendidas noutras regiões, que depois erguem muros e pagam se preciso for para manter os refugiados bem longe da porta. Descartar ilustra ainda a ideia de exploração até ao limite de pessoas e de recursos naturais, para os colocar ao serviço de uns poucos mercados, somando a emergência climática à emergência humanitária. Não apenas o planeta está poluído pelos excessos e despojos do descarte, mas o próprio coração. E «quem sofre as consequências são sempre os pequenos, os pobres, os mais vulneráveis, a quem se impede de sentar-se à mesa deixando-lhe as “migalhas” do banquete» (homilia do Papa Francisco, 29 de setembro).
O Papa Francisco alertou uma vez mais para a “globalização da indiferença” e incapacidade de empatia, de compaixão, de verter lágrimas e chorar perante o sofrimento dos nossos irmãos mais pobres e excluídos. Os migrantes são uma oportunidade de conversão, ajudam-nos a ler os “sinais dos tempos” e estar atentos aos dramas de velhas e novas pobrezas. Ajudam-nos a libertar-nos do elitismo e da discriminação de quem não pertence ao “nosso grupo”, da indiferença e da cultura do descarte.
Esta parábola pode ser vista como uma metáfora do nosso tempo, que nos deveria convidar à conversão. O Papa referiu, com tristeza, que o mundo atual vai-se tornando, dia após dia, mais elitista e cruel para com os excluídos.
Assim, não se trata apenas de migrantes e refugiados, mas também de pessoas vulneráveis em geral. Trata-se de vencer os nossos medos, trata-se de caridade, trata-se da nossa humanidade, trata-se de não excluir ninguém, trata-se de colocar os últimos em primeiro lugar, trata-se da pessoa toda e de todas as pessoas, trata-se de arregaçar as mangas e empenhar-se seriamente na construção de um mundo mais justo, onde todos possam ter acesso aos bens da terra, todos possam realizar-se como pessoas e como famílias e onde a todos seja garantida a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa humana.
Após a oração do Ângelus, o Papa Francisco confiou ao amor materno de Maria, Nossa Senhora da Estrada – Nossa Senhora das inúmeras estradas dolorosas –, os migrantes e os refugiados, juntamente com os habitantes das periferias do mundo e quantos se fazem seus companheiros de viagem. Depois, quis saudar a multidão reunida para esta celebração e percorreu no papamóvel a Praça de São Pedro. Era um momento muito aguardado por todos e sempre emocionante, ver o Papa de perto, saudar e ser abençoado/a por ele. Passou muito próximo de nós, com um sorriso no rosto. Seguidamente, desceu do papamóvel e avançou para um grande volume, coberto por um pano. Quando este foi retirado, revelou a escultura de uma barca, sobrelotada de pessoas migrantes e refugiadas em tamanho real, de diversas idades, contextos étnicos e culturais e diferentes tempos históricos. Nesta barca parece viajar a própria humanidade. Não há leme, mas existe esperança. De entre os migrantes, erguem-se duas asas – uma referência à Carta aos Hebreus: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pela qual alguns, sem o saberem, hospedaram anjos» (Heb 13,2).
Confesso que fiquei maravilhada desde o primeiro momento em que vi a obra “Angels Unawares” surgir à luz do dia. Soube depois que a escultura de bronze e argila, da autoria do escultor canadiano Timothy Schmalz, foi uma sugestão do recém Cardeal Michael Czerny – cujo brasão tem também o símbolo de uma barca com migrantes e refugiados. Este forte simbolismo faz todo o sentido, pois o Mar Mediterrâneo é atualmente a fronteira mais mortífera e perigosa do mundo. Nos últimos seis anos, mais de 14 mil pessoas, homens, mulheres e crianças (catorze mil!) perderam a vida no Mediterrâneo. Neste ano, entre janeiro e outubro, mais de mil pessoas já perderam a vida a tentar chegar à Europa, sendo que uma em cada 28 pessoas que tentou esta travessia morreu (dados da Organização Internacional das Migrações). As condições em que as travessias ocorrem estão a piorar aumentando o risco. De acordo com o porta-voz da OIM, Leonard Doyle, que classificou esta situação com “carnificina no mar”, as mortes «devem-se, em certa medida, ao endurecimento das atitudes, o aumento das hostilidades com os migrantes, que fogem da violência e da pobreza». O Papa explicou que foi seu desejo que a obra ficasse na Praça de São Pedro, para que recorde a todos o desafio evangélico da hospitalidade.
Desde o início do seu pontificado (2013), com a viagem a Lampedusa, passando pelo desafio lançado ao acolhimento de uma família de refugiados em cada comunidade cristã (2015), até ao presente, o Papa Francisco tem sido consistente e até mesmo insistente na necessidade de acolhimento de migrantes e refugiados. Não o faz decerto por teimosia, mas movido pela fé e compaixão de quem continua a ver o pobre Lázaro às portas da Europa. Se quisermos salvar-nos, não podemos esquecer a nossa humanidade e quem somos, não podemos não chorar perante a dor e a injustiça, não acolher e não amar os Lázaros deste mundo, tocando as suas feridas e saciando a sua fome. Somos chamados a restaurar a sua humanidade, junto com a nossa, sem excluir ninguém, sem deixar ninguém de fora.