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Nasci em Angola, em Junho de 1975, em pleno conflito armado. Da fuga da minha família para Portugal não me recordo, apenas sei que escapamos à morte por sorte.
 As primeiras memórias que tenho são dos meus quatro anos. Por essa altura, vivíamos o meu pai, a minha mãe, eu e o meu irmão num quarto de uma pensão, em Ovar. Nesse quarto tínhamos todos os nossos pertences ( que não eram muitos). Foram tempos muito difíceis. Felizmente, em 1980, os meus pais arranjaram emprego em Lisboa e puderam, a muito custo, comprar uma casa na margem sul do Tejo. É aqui, já com cinco anos, que tomo consciência de que era de ” cor”.
Eu o meu irmão estudávamos num colégio onde éramos as únicas crianças negras. Recordo -me perfeitamente de ouvir a minha professora dizer a outra: – a preta é inteligente. Na altura não tive a noção do alcance do comentário. Depois começaram os insultos dos colegas, que gozavam com o meu cabelo, a minha cor e me mandavam para a minha terra. E eu não percebia, para mim nunca tinha tido “cor”, era apenas eu. Depois disto comecei a assimilar que  me viam como uma pessoa diferente apenas pelo meu tom de pele. Foram muitas as vezes que fui alvo de racismo e do que hoje chamam buliyng. No entanto, os meus pais sempre ensinaram, quer a mim, quer ao meu irmão  a termos orgulho da nossa cor e origem e aos poucos deixou de me incomodar.
Hoje, com 45 anos, posso dizer que continuo a pensar em mim apenas como uma pessoa. Sou descendente de Portugueses, tanto do lado paterno como materno. Vivi sempre, porque já os meus pais assim viveram, mesmo antes da sua fuga para Portugal, no meio das duas culturas, sem nunca me sentir mais portuguesa ou mais angolana. E isto é algo difícil de explicar. Abraço a cultura do país em que nasci, porque assim me foi incutido e estou perfeitamente integrada neste país que me acolheu.
 Se me perguntarem se em Portugal há racismo, direi infelizmente que sim. Ainda somos olhados de lado, preteridos no que refere ao emprego e algumas vezes insultados. Existe racismo, ainda que encapuzado, pois existe a vergonha de o admitir.
Dirão que sou “sem terra”, eu direi que tenho o melhor dos dois mundos, sem sentir a necessidade de escolher.
texto: Sara Lopes
Ilustração: Luis David