ARQUIDIOCESE DE ÉVORA: 1º ENCONTRO DO SECRETARIADO ARQUIDIOCESANO DA PASTORAL DO POVO CIGANO
Em 18 de março reuniu-se em Évora o 1º Encontro alargado do Secretariado Arquidiocesano da Pastoral do Povo Cigano, cuja presidente é a Irmã Pilar Moreira SSD e cuja síntese é seguinte:
“Este encontro foi-se desenhando a partir do desejo expresso pelo Senhor D. Francisco Senra Coelho e da necessidade de serem criados núcleos de Pastoral, nas paróquias onde é sentida a presença do Povo Cigano, pela importância de melhor conhecer para melhor planear e agir.
A propósito da distribuição de um conjunto de livros que tratam a situação histórica, cultural, sociológica, legal e política do Povo Cigano, convocou-se um momento de partilha e aproximação. O encontro realizou-se como uma aproximação cuidada, respeitadora de presentes e passados, de mágoas e desejo de estabelecer uma nova proximidade, no conhecimento mútuo, pedindo licença para entrarmos mais na vida uns dos outros, vencendo as resistências históricas que herdamos, mas que queremos romper para um futuro melhor.
Pedimento: Cerimónia que aproxima famílias para prepararem a ligação de dois jovens, em casamento.
Esboçaram-se, na participação de todos, atitudes que importa registar:
- Confiança olhos nos olhos – “Bater à porta dos que têm ou não têm porta” para não reproduzir preconceitos nem nos contentarmos em lançar sentenças, numa abordagem de “Treinadores de Bancada”, pois percebemos que é necessário fazer nascer dinâmicas novas, a partir de interações positivas.
- Nada sobre o Povo Cigano sem o Povo Cigano – Discernimento do caminho sempre deverá contar com a participação, envolvimento e compromisso de ciganos e das suas estruturas formais (rede associativa) e informais (casais, patriarcas, Homens de Leis, Mulheres, etc.).
- Consciência das dificuldades que tem este encontro de culturas. Nada fácil compatibilizar objetivos, na sequência de um passado de costas viradas e de perseguição institucionalizada.
- Reconhecimento do elevado contributo da comunidade cigana no terreno cultural, económico, social, geopolítico (até na defesa da independência de Portugal, nos anos que se seguiram a 1640).
- Reconhecimento do estado de tensão segregadora a que estiveram sujeitos desde 1526, que em muito sustentou os receios mútuos que constituem um capital de risco na relação das comunidades.
- Cultura, identidade e identidades
6.1. A cultura de “viageiros” que foi agregando expressões, culturais e outras, dos povos por onde passaram, talvez no esforço de serem aceites, muitas vezes descaracterizando a cultura original do Povo Cigano, mas que no esforço de defesa de grupo fixaram costumes que, entretanto, o resto da sociedade foi abandonando. Há traços culturais nos comportamentos adotados pelo Povo Cigano que não serão originários da sua cultura, mas dos contextos árabes, judaicos, cristãos e outros, que contactaram e que essas culturas foram abandonando ou diluindo mas que no seio do Povo Cigano persistiram, a ponto de serem identificados como seus.
6.2. Só o respeito pelas dinâmicas próprias que definem a identidade do grupo: Canto, dança, gastronomia, religiosidade, ajudarão esta parcela do Povo Cigano a reencontrar-se com as suas raízes.
6.3. Por outro lado, a confiança mútua entre portugueses ciganos e não ciganos permitirá preparar um Plano Geracional temperado, respeitando ritmos e persistente para desmontar situações criadas pela indiferença de políticos, que põem em causa os Direitos Humanos, tal como os definimos hoje.
- Mudar a linguagem
7.1. Existem expressões do senso comum que alimentam a rejeição/segregação que em nada facilitam novas dinâmicas de aproximação satisfatória e caminho a par.
7.2. Evitar sempre a generalização – a partir de comportamentos individuais ou de grupos, pois estes não devem nem podem vincular todo o Povo Cigano nem a parte dele que habita em Portugal, e que, desde 1822 goza da cidadania portuguesa como qualquer outro português. Rotular pela generalização não facilita a confiança.
- Exercício de cidadania como princípio fundador e finalidade última de qualquer ação, em especial a escolarização cuidada e a formação, na perspetiva da assunção plena de Direitos e Deveres.
8.1. Não existe apenas um estádio de responsabilidade cidadã, nem de desenvolvimento humano, económico e cultural. Há muitos indivíduos, famílias e comunidades ciganas numa grande diversidade de integração e de exclusão, algumas habitando há muito como população fixa em vilas e cidades, outras vivendo ainda uma situação de nómadas, sem um mínimo de condições.
- Existem metodologias testadas com sucesso, que produziram importantes ganhos em diferentes abordagens. Conhecê-las pode ajudar a dar firmeza ao caminho conjunto.
9.1. Associativismo Cigano. Numa rede atual de 25 associações presentes de forma pouco abrangente, no território nacional, muito concentradas no litoral e no norte do país.
9.2. Mediação em contexto escolar, de saúde, municipal …
9.3. Tertúlias de participação aberta para a saúde, condição feminina, capacitação para o negócio, etc.
9.4. Habitação – Necessidade de reconhecimento do direito à habitação para todos os portugueses ciganos e não ciganos e adequação da arquitetura às necessidades do funcionamento familiar.
9.5. Por outro lado, os poderes públicos têm esboçado respostas que se revelaram pouco ponderadas, em alguns casos muito desadequadas ou quase sempre pouco persistentes no tempo, o que parece identificar todos os não ciganos como contribuindo para essas situações, por vezes muito degradantes, em que algumas famílias se encontram.
- Uma das necessidades sublinhadas é a de reconhecer e valorizar o papel da mulher. Numa comunidade de matriz patriarcal, coexistem formas de controle de pendor matriarcal, mas importa capacitar e dignificar a mulher, dando-lhe espaço à ambição pessoal e de emancipação, fugindo aos estereótipos de submissão.
- Respeito pelos percursos e opções religiosas feitas pelos ciganos portugueses nas últimas décadas, que resultam em boa medida da novidade do Evangelho lhes ser pregado por líderes provenientes do seu Povo e de algum alheamento das comunidades católicas quanto à evangelização dos indivíduos, das famílias e das comunidades ciganas presentes em cada território. Em boa medida este esforço de aproximação é hoje uma forma de ecumenismo.
- Conhecer o testemunho de cristãos/católicos que fizeram muito esse caminho de aproximação no seio da comunidade católica diocesana, que nos servem de exemplo
e patronos desse empreendimento: Rosinha Potes, Mariana Perdigão, Fernanda Seno, Vera e Manuel, Guilherme, Padre Filipe Figueiredo.
- Conhecer e divulgar a existência de Católicos Ciganos que foram chamados à santidade e assim reconhecidos na hagiografia.