CARAVANA 109 – EDITORIAL
A Igreja e os Ciganos
A recente história do “cuidado pastoral” pelos ciganos teve no Papa S. Paulo VI o seu início no já histórico encontro de Pomezia em 1965, em que o Papa declarou aos ciganos presentes: “vós estais no coração da Igreja”. Seguiu-se a criação de pastorais nacionais “específicas” para os ciganos, tendo a Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos (ONPC) sido criada em Portugal em 1972, na dependência da Conferência Episcopal Portuguesa. Todos os Papas que se seguiram a S. Paulo VI, com exceção de João Paulo I que só foi Papa um mês em 1978, S. João Paulo II, Bento XVI e Francisco, receberam peregrinações de ciganos de todo o mundo, a quem se dirigiram sempre com afeto e consideração; em todas participaram ciganos portugueses.
A ação da Igreja junto dos ciganos foi evoluindo como também o foram as políticas europeias no que respeita aos direitos humanos. A ação espiritual, sempre presente designadamente através da promoção e acompanhamento de peregrinações, da dispensação dos sacramentos e do acompanhamento de funerais, por vezes aculturado, da catequese (exemplo o Projeto Palavra na ONPC), que da parte da Igreja “significou” no sentido teológico do termo o seu testemunho de amor, de presença, de doação, não se podia não unir intrinsecamente à vital empatia com a condição socio económica predominantemente de exclusão e logo de extrema pobreza da maioria das populações ciganas junto das quais a Igreja sentia a missão de estar presente. Assim se começou por ajudar famílias ciganas a obterem o seu bilhete de identidade, até à voz persistentemente elevada em seu nome contra as múltiplas injustiças de que os ciganos têm sido vítimas, passando pelo considerável apoio à sua escolarização, que com a habitação é a chave da sua inclusão social.
Sr. D. Januário Torgal Ferreira com o P. Flipe de Figueiredo a distribuir os diplomas do Projeto Palavra aos Srs. Adérito Montes e Luís Quaresma
Este processo evoluiu natural e crescentemente para o seu objetivo final que afinal foi a principal característica da missionação da Igreja sobretudo a partir das “descobertas”: a aquisição por parte das populações ciganas das capacidades necessárias para serem elas próprias as autoras e protagonistas dos seus destinos, o que em termos do hoje insistentemente defendido apelo da UE aos seus Estados Membros se chama a participação das estruturas ciganas em todos os níveis das estratégias, políticas e decisões que lhes dizem respeito. Foi nessa perspetiva que em Portugal a Igreja apoiou a criação de associações ciganas que hoje assumem crescentemente projetos e iniciativas próprias e uma Federação de associações ciganas. Atualmente já se podem contar 24 associações ciganas em Portugal, tendo a Igreja colaborado apenas para o início deste processo.
Não se poderia concluir este rápido olhar, sem se considerar o aspeto fundamental da ação da Igreja que é a de que todos, mas todos sem exceção, como insistentemente diz o Papa Francisco, são parte da Igreja; só que os mais marginalizados como infelizmente tanta inépcia e muitas vezes maldade de setores da nossa sociedade insistem em manter muitos -demasiados- ciganos portugueses, são, aos olhos de Deus e portanto da Igreja, a parte mais querida, mais central, mais fundamental da Igreja. Sim, como começámos por recordar nas palavras do Papa S. Paulo VI, os ciganos deveriam estar no coração da Igreja.
Francisco Monteiro