CIGANOS EM TEMPO DE PANDEMIA
O OBCIG de dez 20, na sua rubrica “Vozes Ciganas”, dedicou uma secção às “Vozes Ciganas sobre os Direitos Humanos em Contexto de Pandemia”. Sintetizamos a primeira entrevista, a Cátia Montes.
Cátia Montes (CM) é cigana, educadora social e frequenta o 2.º ano do mestrado em educação social.
OBCIG A pandemia de COVID-19 tornou mais visível e aprofundou fragilidades socioeconómicas que já existiam e que agora se tornaram ainda mais evidentes?
CM Todas as dificuldades e fragilidades socioeconómicas que já existiam aprofundaram-se e muito, no entanto, a visibilidade eu não sei se realmente existiu pelo lado positivo, no sentido de os políticos e a sociedade em geral perceberem que é uma comunidade que sofre de fragilidades que necessitam de ser colmatadas. Portanto, eu não sei se a visibilidade que houve, se foi produtiva, a nível de conseguirmos soluções, em vez de críticas e apontar dos dedos.
OBCIG Tendo em atenção a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que impacto considera que a pandemia teve no acesso aos Direitos, principalmente no que diz respeito ao direito à Educação, Habitação, Saúde e ao Trabalho.
CM Relativamente ao impacto da pandemia nos acessos aos Direitos Humanos básicos, a comunidade cigana, como todo o nosso país, sofreu bastante. Mas a comunidade cigana teve algumas especificidades. Na questão da educação, houve muitas crianças ciganas que não tiveram acesso, porque simplesmente não têm internet em casa ou porque moram num acampamento ou numa barraca onde não têm saneamento, nem luz, nem eletricidade para pôr internet ou computadores. E então perderam muitas aulas e o retomar também não foi tarefa simples.
A nível de saúde, muita da comunidade cigana ainda vive em habitações muito precárias e não se consegue proteger deste vírus maldito. Não é fácil ter acesso a água para poder lavar as mãos, não é fácil ter acesso a materiais de desinfeção, nem a informação.
A nível do trabalho, com o encerramento das feiras, e algumas medidas que foram tidas nos estados de emergência e contingência, que se compreende… No entanto, muita da economia da população cigana é feita através da venda, do mercado, da roupa ou da fruta. Houve um grande abalo e, como são profissionais que trabalham muito por conta própria, eu não sei se tiveram, se conseguiram ter ajuda do Estado ou outros tipos de ajuda. Muitas das coisas a tratar, eram todas através da internet e muita da comunidade cigana, na literacia digital, ainda não é muito fluente e houve mui tas pessoas que não conseguiram tratar dos papéis a tempo, para conseguir algum tipo de ajuda, e outras que nem sequer sabiam como o fazer. Portanto, houve aqui uma grande falha.
Ainda em relação à habitação, também aconteceu que, em pleno estado de emergência, houve municípios que quiseram despejar pessoas ciganas portuguesas das suas casas, onde havia crianças, idosos…
OBCIG No contexto atual, o que acha que pode e deve ser feito para se proteger e consolidar o acesso da população cigana aos Direitos Humanos?
CM Eu sinto que a comunidade está sempre um pouco como a última e, quando se fala da comunidade cigana, tudo o que se faz é no sentido de tentar prevenir alguma coisa que eu não sei bem o que é que é. Porque as pessoas continuam a viver nas barracas, continuam a não ter pleno acesso a educação, saúde, trabalho e habitação. Portanto, eu nestas questões, eu fico sempre sem saber muito bem o que dizer mais, para além daquilo o que toda a gente já sabe, que é… tem que haver mais políticas públicas e tem que se pensar numa inclusão muito mais a sério. E espero que todos nós possamos ter aprendido com este período que atravessou todo o mundo e o nosso país, e que daqui para a frente possa haver uma consideração por todos, por ciganos, não ciganos, a nível dos Direitos Humanos, muito mais a sério. E quando eu digo a sério é no sentido de perceber realmente as dificuldades e fragilidades que as pessoas estão a passar. Para além da fome, para além do frio, há situações como falta de informação ou pessoas a serem despejadas em pleno estado de pandemia, e é necessário nós olharmos a isso.