HABITAÇÃO PARA AS FAMÍLIAS CIGANAS

Continuação dos excertos do nº de dezembro da Newsletter do OBCIG (Observatório das Comunidades Ciganas) dedicado ao “Direito à Habitação”, iniciados no nº 107 da Caravana.

Sónia Caldeira, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz diz que “existem várias famílias que estão identificadas em situação de vulnerabilidade no acesso à habitação. A nossa Estratégia Local de Habitação que foi aprovada em Assembleia Municipal, em 2021, tinha identificado já um conjunto de famílias abrangidas no âmbito do 1.º Direito e essas famílias estavam a viver em situações de insalubridade e de insegurança e, portanto, situações bastante precárias, nomeadamente famílias ciganas. Nós temos famílias ciganas a viverem no centro histórico da cidade, em habitações também já bastante devolutas, mas em habitações, e depois temos 53 famílias a viverem num espaço, num terreno, com barracas.”

Nós entendemos que a integração das pessoas tem que ser feita na sociedade para haver uma verdadeira inclusão e, portanto, fizemos um aditamento à Estratégia Local de Habitação, que, neste momento, vai ser sujeito a aprovação da Assembleia Municipal, para depois poder seguir para o IHRU, em que se prevê que as famílias ciganas sejam realojadas em habitações que ficam situadas na cidade e nas freguesias vizinhas, que foram já identificadas. Umas irão ser adquiridas, outras já são do município e, portanto, o objetivo é tentar tirar as pessoas do bairro e integrá-las junto das outras pessoas.” 

“Nós fizemos, depois de entrar este novo executivo, com os nossos técnicos de ação social, uma espécie de um recenseamento no bairro. Conseguimos chegar ao bairro através também de uma mediadora que temos a trabalhar no município e conseguimos saber o número certo de agregados familiares, o número de adultos, o número de crianças, e isso foi determinante para que a estratégia já tivesse, no âmbito do 1.º Direito, as tipologias de habitação que nós precisamos para realojar cada uma dessas pessoas. … Nós aprofundámos bem a ENICC* com as pessoas, aprofundámos bem as necessidades de cada família, quer destas famílias do bairro das Quintinhas, quer de famílias ciganas que também vivem no centro histórico da cidade, quer de outras famílias que não são de etnia, mas que também estão a viver em igualdade de circunstâncias, portanto, de grande vulnerabilidade e que, no fundo, também precisam desta resposta. No total, nós temos 199 famílias que vão ter esta resposta, sendo que 53 são do bairro das Quintinhas. Das que estão identificadas, à data, vamos cobrir 100% dessas necessidades.”

“Por outro lado, esta ligação às famílias também acabou por se tornar mais eficaz, porque nós recebemos as transferências de competências para a ação social, em abril do ano passado. E, ao recebermos as transferências de competências, essas transferências de competências implicam trabalhar o Rendimento Social de Inserção não através do Centro Distrital da Segurança Social, mas através do município. Ou seja, são as nossas técnicas do município que gerem os processos de Rendimento Social de Inserção e começaram a ter que conhecer também melhor estas famílias, a forma como estas famílias gerem a sua vida, o seu dia-a-dia, a questão da obrigatoriedade de ter as crianças na escola, a importância de os conseguirmos integrar a nível de trabalho e, aos poucos, e quando digo aos poucos, é mesmo um bocadinho de cada vez, nós conseguimos perceber que vamos começando a conseguir entrar no bairro, chegar ao bairro. … Aproveitámos para arranjar também uma estrada de acesso ao bairro. Porque o bairro é muito fechado em si. Ninguém passa do bairro para lá. No fundo, aquilo é um gueto, chega-se ali e não há passagem para o outro lado e só as pessoas ciganas que ali vivem é que entram no bairro. E os acessos são acessos em terra batida. O bairro é todo em lama, é todo em terra. As casas de alguns ciganos são em terra mesmo. Dentro de casa não há cimento, não há absolutamente nada. Vivem mesmo em condições indignas.”

“Na altura (do anterior executivo), aquilo que eu percebi foi que por parte do Ministério da Administração Interna houve uma tentativa de explicar ao município que o caminho não era só as questões da segurança, mas era a tentativa de integração das pessoas de alguma forma e sugeriram a integração de uma mediadora. Conseguiram encontrar essa mediadora e foi através de um protocolo entre as Letras Nómadas, o município de Estremoz e o Ministério da Administração Interna que essa mediadora trabalhou durante um ano. Quando nós chegámos ao município o contrato dessa pessoa tinha terminado e estava tudo totalmente a descoberto, ou seja, tinha deixado de haver a ligação entre a mediadora, a comunidade cigana e depois toda a ligação ao município de Estremoz e a outras estruturas, como, por exemplo, a CPCJ, em que o papel dela também é importante. Aquilo que nós fizemos foi imediatamente entrar em contacto com o Ministério da Administração Interna na tentativa de voltarmos a ter o protocolo. E, portanto, assinou-se novo protocolo no ano passado e este ano vamos voltar a reativar o protocolo. … Muitos já muitos perceberam que é a forma de os ajudar a fazer a ligação quer à escola, quer ao município, quer à Segurança Social, às vezes até nas questões da saúde. E ela tem sido muito prestável nesse aspeto. E, portanto, foi ganhando alguma confiança ao longo do tempo, daí acharmos que o papel dela continua a ser importante, principalmente nas questões da ligação ao município e às escolas, porque muitos dos diretores de turma nem sequer conseguiam chegar às famílias, de forma alguma. E ela consegue às vezes até levar documentos da escola até às famílias e depois até pegar nalgumas famílias e tentar levá-las à escola. É claro que estamos a falar de uma comunidade que entende a educação quase como uma obrigatoriedade para depois receber o RSI. Basicamente é isso que eles sentem. “Os meus filhos vão à escola, porque senão cortam-nos o RSI.” Mas aos poucos vamos tendo as crianças todas na escola. Algumas com mais absentismo, outras com menos, mas vamos tendo todas as crianças na escola. E temos inclusivamente já crianças ciganas em lista de espera para creche.

Portanto, isto é um caminho que tem sido muito demorado, não é? E que nós às vezes damos 3 passos em frente e achamos que as coisas estão a melhorar e de repente acontece qualquer coisa no bairro ou alguém se lembra de levantar um boato qualquer e vira-se tudo ao contrário e deixam de colaborar rapidamente. Pronto. E, portanto, há aqui momentos de instabilidade, há aqui momentos de mais calma. Mas esta articulação, e eu volto a frisar as transferências de competências, porque acho que tem sido realmente muito importante. Esta articulação entre aquilo que está nos protocolos do RSI, … (e) o compromisso que as famílias têm que assumir para receber o Rendimento Social de Inserção, que se prende com um conjunto de propostas que eles assumem, que dizem que conseguem cumprir isso e que depois são chamados à atenção no caso de não cumprirem. Isso também está a fazer com que percebam que existe um conjunto de regras que têm de ser cumpridas e que aos poucos vai integrando as pessoas ciganas em toda a comunidade.”

“Aquilo que queremos fazer, e pelo menos já existe essa intenção, não é que exista ainda nada a nível de construções, é a habitação a custos controlados. … A habitação a custos controlados implicará, no caso de Estremoz, a realização de um protocolo com a IP Património relativamente a uns terrenos onde pretendemos construir estas habitações, para depois poder fazer candidaturas a habitação a custos controlados. Mas isso será uma perspetiva de mais longo prazo. … Pretendemos, durante este ano, reabilitar 12 imóveis propriedade do município. E nesses 12 imóveis que nós temos poder já servir para realojar algumas destas famílias. Depois vamos ter que ir adquirindo também, ao longo deste ano, alguns outros imóveis para fazer projetos para construção.  … O 1.º Direito e esta Estratégia Local de Habitação, quando nós repensámos a forma de fazer, esta nova forma que repensámos para a integração destas famílias, passa pela inclusão das famílias junto de outras famílias da comunidade e, simultaneamente, pretende dar resposta a esta questão dos prédios devolutos e tornar a nossa cidade também mais bonita.”

 

“A inclusão e a integração passam também pelo emprego, pela escola, pelas questões de saúde. E, portanto, isso tem de ser visto como um todo.”

 

* Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (NR).

(continua no próximo nº)