Acolher e cuidar

O mundo ficou suspenso, ante a decisão tão grave quanto inesperada. A Igreja e o Mundo já tinham esquecido que o Papa poderia renunciar ao ministério petrino. Bento XVI, de forma clara e livre, anunciou a sua retirada para o silêncio e oração.

Aí começou a dessacralização do papado. Perdurará por séculos este gesto histórico: o Papa não é vitalício. Confessar a fragilidade, reconhecer a dificuldade ante o peso dos problemas, perceber que a Igreja precisa de sangue novo…, tudo isto faz do Romano Pontífice um homem, Vigário de Cristo, mas homem entre os homens, verdadeiro servo dos servos de Deus.

A comunicação social centrou, então, os seus holofotes sobre a chaminé da Capela Sistina. E não mais os desviou do fumo branco, visível agora na figura daquele que os Cardeais “foram buscar quase ao fim do mundo”. Não fora o senso cristão do povo que ouve e vê o Papa Francisco, acolhe o seu sorriso e interioriza as suas palavras, estaríamos a caminho de sacralizar, agora de outro modo, o Bispo de Roma.

As palavras e gestos do eleito não pretendem desenhar um estrelato sensacionalista. O quotidiano do Papa Francisco, pelo contrário, trilha um firme caminho de fidelidade ao Evangelho: a simplicidade, o acolhimento alegre, a tradução acessível da Palavra; as atitudes de transparência e despojamento, de proximidade e de serviço, de afeição e caridade, que desenham um perfil de verdadeiro Pastor.

Algumas notas me tocam de uma forma mais profunda. A primeira, a escolha do nome. Francisco é o homem da renovação da Igreja, no seu interior, pela simplicidade e pobreza, pela bondade e harmonia de relação com os irmãos e com a criação. O homem de Deus; o homem da Paz!

Depois, o tom de abertura, compreensão, misericórdia, apresentando Deus como Aquele que nunca se cansa de acolher e perdoar: “Se Ele não perdoasse tudo, o mundo não existiria.”. Nós é que podemos cansar-nos de pedir perdão! Com um pouco de misericórdia de cada um, o mundo seria bem melhor. Um apelo claro à “ressurreição dos afetos”.

Na homilia da Eucaristia de início do ministério, marca-nos a afirmação do poder como serviço, na expressão fartamente desdobrada de “cuidar”. O termo encerra uma proximidade, uma solicitude, um amor incondicional, que transforma as pessoas e as relações entre as pessoas. Cuidar: de si próprio, dos irmãos, da criação! Um programa para o Papa e para todos nós!

É clara também a adoção da orientação da “Lumen Gentium”: é Igreja é o Povo de Deus, em comunhão orgânica. Não é um ritual vão: as palavras e gestos do Papa pedem e desejam que façamos caminho em sinodalidade: pastores e fiéis reclamam-se, necessitam-se, ajudam-se reciprocamente.

Estamos numa nova era. Cada tempo é uma nova oportunidade para viver e anunciar, de forma explícita, o Evangelho. Esperamos e desejamos que Francisco seja o bordão sólido que nos atraia, nos sustente, nos estimule!