No mundo do trabalho estamos numa situação nova que nos pede para abrir novos caminhos de fraternidade, solidariedade e sensibilidade ao sofrimento e à injustiça, para que as pessoas possam ser verdadeiramente pessoas e viver plenamente. O modelo social em que vivemos, moldado principalmente pela forma como o trabalho humano é concebido e tratado, é um grande obstáculo para que a organização social e as relações e instituições sociais favoreçam aquilo que devem servir sempre em primeiro lugar: as pessoas. Que cada ser humano possa realizar-se e viver com dignidade, à imagem e semelhança de Deus. É isto que está radicalmente em jogo hoje e para o futuro: que as pessoas possam perceber o seu valor enquanto seres humanos e que o modelo social atual põe em causa:

– O equilíbrio entre trabalho e família tem sido quebrado, cada vez é maior a instabilidade no emprego, o que perturba e desestabiliza a família. O trabalho como ganha-pão da família está cada vez mais posto em causa.

– A relação entre trabalho e tempos de lazer, entre emprego e um modelo de vida estável em que os tempos de trabalho são relativamente limitados e o trabalhador pode combinar trabalho, família e tempos de descanso, vida pessoal e social e exercer algum controle sobre o seu tempo está a ser posto em causa. No modelo atual, a profunda flexibilidade e variabilidade do tempo de trabalho (incluindo o dos desempregados à procura de emprego) converte-se na prática em disponibilidade permanente, instabilidade constante, mudanças contínuas… que invadem e dificultam cada vez mais os tempos da vida familiar, pessoal, social…

Não é apenas uma questão de trabalhar menos para haver trabalho para todos. A redução da jornada de trabalho é condição essencial para enfrentar o enorme problema socioambiental: as pessoas serem descartáveis e os maus tratos à casa comum que é a Terra, e para libertar tempo para recuperar forças e permitir o desenvolvimento de outros tempos necessários para o nosso crescimento humano: família, relações com os outros, cultura, religião, desporto, compromisso político… Sem tempo livre, o trabalho transforma-se em “trabalho desumano, trabalho escravo ” (1) e continuará sendo a principal fonte de alienação e empobrecimento físico e cultural para um número cada vez maior de pessoas.

“A pessoa “não é apenas trabalho” (2); existem outras necessidades humanas que precisamos cultivar e cuidar, tais como família, amigos e descanso. É importante, portanto, lembrar que qualquer tarefa deve estar ao serviço da pessoa, e não a pessoa ao serviço do trabalho, o que implica que devemos questionar as estruturas que prejudicam ou exploram indivíduos, famílias, sociedades ou a nossa mãe terra.

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(1) O Papa Francisco. Visita Pastoral a Cagliari, Itália. Encontro com o mundo do trabalho. Discurso de 22 de Setembro de 2013

(2) O Papa Francisco. Carta ao Cardeal Peter K. A. Turkson, por ocasião da Conferência Internacional “Da Populorum Progressio ao Laudato si”. 23 de Novembro de 2017