No Supermercado encontro um casal conhecido, com o seu filhote. Depois de uma troca de palavras com a criança viro-me para os pais e pergunto: Então, como estão a viver o confinamento, está a ser muito difícil?

O pai desviou o rosto e respirou fundo, expressando pressão, a mãe não segurou as lágrimas e disse-me:

– Tem sido muito duro! Aguentar o menino e fazê-lo perceber tudo isto. A incerteza se vamos voltar a trabalhar. Depois, para estes meses ainda tivemos dinheiro, mas para o mês que vem não sei como vamos fazer. A prestação da casa é elevada e do banco ainda não disseram nada…

Escutava-a, com atenção e com dor. Nisto, reparei que a pessoa que estava à minha frente avançou para o pagamento. A seguir, era eu. Despedi-me do pequenito com um sorriso. O pai também se despediu, com um olhar triste, mas simpático. A mãe perguntou ainda:

– Posso ligar-lhe logo, para conversarmos?

Respondi-lhe afirmativamente. Depois, acrescentou:

– Reze por nós. Já não temos mais forças, mas o pior é que tenho medo de perdermos a fé. Onde está Deus para não nos ouvir… Desculpe! Mas está a ser muito difícil.

Afastou-se e, de novo, as lágrimas deslizaram pelo seu rosto.

Entretanto, fiz o pagamento e regressei a casa. No caminho – tinha ido a pé –, não fui capaz de me abstrair daquele encontro e daquela pergunta. Sim. Aquela pergunta é expressão do sofrimento daquela família e de tantas outras, nestes tempos tão difíceis.

Há pessoas que vivem o medo de, por desempenharem uma função de risco, estarem diariamente expostas ao perigo de contágio; pessoas que vivem em regime de lay-off há várias semanas; pessoas que se encontram a trabalhar a partir de casa; pessoas que perderam o seu emprego; pessoas que, não podendo trabalhar remotamente, sentem a insegurança do seu futuro profissional; pessoas que refletem a dificuldade de conjugação, agora mais acentuada, em conciliar a família e o trabalho, etc. Há muitos rostos que nos são familiares com estas realidades, muitos olhares que já testemunharam grande sofrimento, muitas mãos que, mesmo exaustas, deram o melhor de si nesta luta, muito abraços que ficaram por dar.

 

Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas que Deus está presente e connosco. Mais até. Nunca esteve tão próximo de nós como está nestes momentos de dor e de drama que toda humanidade está a viver. Mas, só conseguiremos «decifrar» bem as respostas que Deus dá às nossas questões, quando formos capazes de responder às Suas questões. A Bíblia apresenta-nos, logo, no livro do Génesis, duas perguntas que Ele dirige à humanidade, representada por Adão, a primeira, e por Caim, a segunda: “Onde estás”, “onde está o teu irmão”?

Sabemos, também, que todas as dificuldades podem revelar oportunidades aparentemente difíceis de perceber, como nesta cena que o Evangelista Marcos nos relata: «Porque estais a discutir que não tendes pão? Ainda não entendeis nem compreendeis? Tendes o coração endurecido? Tendes olhos e não vedes, ouvidos e não ouvis? Não vos lembrais quantos cestos de bocados recolhestes, quando Eu parti os cinco pães para as cinco mil pessoas?». [Ev Mc 8, 14-21]

Que paradoxo: quando estamos aflitos, Jesus “manda-nos” cuidar dos nossos irmãos!

 

Se não sabemos onde está o «irmão» e todos aqueles que connosco protagonizam a existência, o amor que Ele nos concede e capacita nunca vai gerar felicidade. Este tempo muito difícil é também a oportunidade para nos perguntarmos onde está a felicidade (qual o nosso “lugar”), e como construí-la (qual o “caminho” que havemos de percorrer).

No fundo, sem saber «onde estamos» e «onde está o irmão», jamais vamos descortinar o que Deus, permanentemente, nos revela, sobretudo, será impossível sentir a ressonância da Sua voz que não se cansa de nos sussurrar ao coração: «Não tenhas medo. Eu amo-te! Eu estou contigo. Vive do meu amor e tudo resto será possível!»

 

Maio de 2020

p. Manuel Simões, Assistente Nacional