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São sete exemplos de mulheres portuguesas no Grão-Ducado, longe do estereótipo da empregada de limpeza. Os testemunhos foram recolhidos no livro “Olhares sobre a história e o quotidiano das mulheres no Luxemburgo desde 1940”, que dedica um capítulo à imigração portuguesa no feminino e vai ser apresentado este domingo em Dudelange.

Aline Schiltz é provavelmente a luxemburguesa mais portuguesa do Grão-Ducado. A geógrafa luxemburguesa vive há anos entre o Luxemburgo e Lisboa, fala fluentemente português, tal como as duas filhas, e é uma das especialistas na imigração lusa no país. Começou com uma tese sobre o Fiolhoso, a aldeia mais luxemburguesa de Portugal, e é autora de vários estudos sobre os portugueses, incluindo uma tese de doutoramento em que analisa a mobilidade entre os dois países. É ela que assina o capítulo sobre as mulheres portuguesas no Grão-Ducado, que integra o livro “Olhares sobre a história e o quotidiano das mulheres no Luxemburgo desde 1940”, uma iniciativa da associação CID-Femmes, com a coordenação da historiadora Sonja Kmec, professora na Universidade do Luxemburgo.

Para o fazer, Aline Schiltz ouviu sete mulheres que têm em comum a experiência de serem imigrantes portuguesas no Luxemburgo. No mais, tudo as distingue: a mais nova tem 37 anos, a mais velha 67; há quem tenha chegado ao Luxemburgo em 1967 e quem só cá viva desde 2015; e quem tenha chegado com três anos, mas também com 55.

Para a geógrafa, o perfil das mulheres portuguesas no país está longe de ser homogéneo. “Pelo menos 50.000 mulheres e raparigas de origem portuguesa vivem atualmente no Luxemburgo. Por isso, haveria pelo menos 50.000 histórias para contar”, aponta Aline Schiltz no livro, que vai ser apresentado este domingo no Centro de Documentação sobre as Migrações Humanas, em Dudelange.

A investigadora é avessa a clichés. Para ela, a expressão “portuguesas do Luxemburgo” evoca “estereótipos sociais ancorados na sociedade luxemburguesa há décadas”, incluindo “a imagem da empregada de limpeza”. E se admite que grande parte das mulheres portuguesas no país ainda hoje “trabalha nos serviços de limpeza”, considera o termo redutor. “Cada vida é única. Por detrás de cada ‘empregada de limpeza’, esconde-se uma realidade muito mais complexa”, aponta.

Aline Schiltz não esconde que o objetivo do seu contributo para o livro é “quebrar os ‘clichés’ associados à ‘portuguesa’, mostrando a diversidade de histórias de vida” e “a singularidade de cada experiência migratória”, mas “expondo ao mesmo tempo os pontos comuns que as ‘portuguesas’ partilham”, explica.

O texto explora sobretudo as barreiras que as mulheres portuguesas tiveram de enfrentar, entre a condição feminina – a exemplo da severidade do pai de uma das mulheres ouvidas, de “mentalidade portuguesa à antiga” – e o estigma de ser estrangeira no país. Para uma das mulheres, que chegou ao Luxemburgo em criança, ser imigrante trouxe consigo a dura “aprendizagem de ser diferente”: chorava por não ser convidada para as festas de aniversário dos meninos luxemburgueses e ouviu termos pejorativos na infância.

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Que os estereótipos têm vida longa, atestam-no duas lusodescendentes ouvidas no livro, que cresceram no Luxemburgo e falam luxemburguês, além das outras línguas no país. Ambas fizeram estudos superiores (como de resto todas as mulheres ouvidas), mas continuam a “bater-se por ser plenamente reconhecidas”. “Tenho de me justificar no quotidiano: sim, eu sei, sou uma mulher de origem portuguesa; não, não gosto de fazer limpezas”, conta uma das mulheres citadas, ironizando: “Às vezes tenho má consciência: trabalho em part-time, dedico tempo aos meus tempos livres, e tenho uma empregada de limpeza!”.

Como um fio condutor, a questão da discriminação das mulheres e as barreiras associadas à emigração atravessa o capítulo dedicado às portuguesas do Luxemburgo. O que pesou mais na construção da identidade, ser mulher – para mais oriundas de um país tradicionalmente machista, como Portugal – ou estrangeira? São luxemburguesas ou portuguesas, ou “estrangeiras em todo o lado”? A resposta é diferente para cada uma das sete mulheres ouvidas: tudo depende da época em que chegaram ao país, da evolução dos costumes e da sua própria história.

Apesar disso, a geógrafa aponta que “os estereótipos que qualificam os portugueses parecem ser a maior barreira social”: as mulheres são “julgadas com base em imagens sociais que lhes são associadas”, “em vez de pela sua personalidade”. E recorda um caso anedótico contado por uma das mulheres, casada com um luxemburguês, diplomada e habituada a “ler imenso”. Apesar disso, numa festa de Natal, a “avó luxemburguesa” ofereceu livros a todas as mulheres da família, exceto a ela. Para sua surpresa, a portuguesa recebeu luvas de cozinha.

A fábrica de ’maçons’ e empregadas de limpeza

 

O caso inspirou o título do capítulo assinado por Aline Schiltz. “Luvas de cozinha para o Natal – As ‘portuguesas’ no Luxemburgo contam as suas vidas” vai ser analisado e discutido numa conferência que tira as mulheres portuguesas da cozinha para as pôr em primeiro plano. Uma iniciativa importante, quando se sabe que os estudos sobre a emigração deixaram muito anos as mulheres na sombra. “Apesar de as mulheres terem a maioria das vezes uma posição passiva quanto à decisão migratória, atribui-se-lhes no entanto uma grande responsabilidade no desenrolar deste projeto de vida”, aponta Aline Schiltz. E são elas, segundo vários estudos citados no livro, que parecem ser “mais abertas aos modos de vida ‘mais modernos’ dos países de acolhimento”, mas também “mais ágeis a interagir com a sociedade de acolhimento, a aprender a língua do país, a tratar dos assuntos correntes e a adotar novas formas de vida”.

Paula Telo Alves