Agarre-se com firmeza!

A Árvore de Zaqueu Precioso conselho que não devia figurar apenas nos autocarros, contra as paragens bruscas, para os que gostam de ir em pé ou não têm outro remédio.

O evangelho até se aplica a este tipo de viagens, muito digno e necessário, mas por vezes heróico: «Julgais que a desgraça só acontece aos outros? E que foi por culpa deles?» E sublinha que as tragédias não são um chicote de Deus – mas consequências naturais de um conjunto de factores muitas vezes não domináveis. Só se o acidente é causado por imprudência (política, técnica…) ou má educação (de passageiros… e também de políticos!), é que haverá pessoas a responsabilizar e não pouco. De resto, o natural desejo de coisas novas e arriscadas dará sempre frutos bons e maus.

Ficar satisfeito e tranquilo com uma situação confortável é que seria pior (como quando nos fazemos “convenientemente” afiliados num partido ou qualquer tipo de associação, ou sabichões quanto basta para comprar posição e fama…).

Por isso, o ser espicaçado pela vida garante a constância no caminhar, quantas vezes pelo deserto e sob o ataque de oportunistas e invejosos.

Manifestamente era obra sobre-humana, a da 1.ª leitura: libertar todo um povo que trabalhava sob a tirania da nação mais poderosa da história antiga, e conduzi-lo por meio de perigos da natureza, ataques de inimigos, e sobretudo contra o desânimo e até revolta crescente dos que exigiam uma caminhada sem dificuldades.

Tamanha proeza e tão extraordinário recomeço na vida de um povo só seria possível com fé no único sólido fundamento da nossa livre vontade – o «Deus criador», a única realidade independente, que tudo sustenta, que não pode caber nos nossos conceitos – e por isso não tem nome. Uma realidade que associamos com a luz perfeita, a verdade perfeita, a felicidade perfeita – e por isso lhe chamamos «Deus» – etimologicamente, «o luminoso».

A 1.ª leitura testemunha a experiência de que Deus “está mas não está”. Não tem rosto, não tem nome… – “não está”! Se tivesse rosto e nome, era um de nós, por mais importante que fosse. “Não está”, para que seja o nosso rosto e o nosso nome a estar. No séc. XV, Nicolau de Cusa falava admiravelmente do «Deus escondido». Toda a gente e todo o mundo trazem o fogo de Deus e, como a sarça ardente, é um fogo que não destrói. Muito pelo contrário: é o fogo da beleza e da força da humanidade inteira e de todo o universo. É o fogo que nos entusiasma a «dar a cara» para que nunca esmoreça o projecto de sempre «nova criação».

É interessante verificar que às conhecidas traduções «Eu sou quem sou» (nome oculto) ou «Eu sou aquele que é» (a realidade verdadeira) pode ser acrescentada uma terceira: «Eu sou quem eu serei» – isto é, sou o futuro, em que me vou revelando através da experiência que farão da minha presença no próprio agir humano.

O desafio deste projecto obriga-nos a «ir de pé» e a agarrarmo-nos com firmeza. Só que há gente distraída, ou que se agarra com firmeza a coisas muito pouco firmes… O próprio S. Paulo lembra que nem os pregadores do evangelho têm a garantia de não poderem cair (I Coríntios 9,27).

Mesmo que o ponto de apoio seja bom, há sempre travagens bruscas – e, como lembra Jesus Cristo, não são os piores os que sofrem desastres. Aliás, só cai quem está em pé. Porém, o evangelista (particularmente no capítulo 12) sublinha que pode ter consequências graves não se preparar para possíveis trambolhões. É melhor não andar distraído – e «arrepender-se» de posições ou passadas imprudentes, que tanto podem acelerar a hora da morte como ainda provocar outros graves «efeitos nada secundários»… De resto, se nos queremos curar dos trambolhões da vida, haverá sempre um bom médico como S. Lucas (que o seria de facto) a garantir um «happy end»: como à figueira estéril, não nos faltará a oportunidade para tirar proveito de bom tratamento – e continuar firmemente em pé!

Manuel Alte da Veiga

m.alteveiga@netcabo.pt

(Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico)