Poço de Jacob – 143 No dia 11 de fevereiro recebemos a notícia da renúncia de Bento XVI ao ministério petrino. O mundo inteiro pronunciou-se para comentar. Cada cabeça deu a sua sentença, num mundo que vive de opiniões, a ponto de termos medo de sair à rua por causa do que vão opinar os que nos veem. Todos opinam. Muitos maliciosamente, desenterrando momentos que a comunicação social se esforçou por tornar mais negros do que eram. O mundo move-se a partir de um ecrã de televisão ou de computador e as pessoas pensam com a cabeça dos outros. Multiplicaram-se as entrevistas de pessoas pró e contra o Papa em todo o mundo. Já não podíamos ver o Papa na televisão na hora dos telejornais, nunca objetivos, sempre tendenciosos, pois já adivinhávamos novas opiniões.
No entanto, ele próprio disse ser algo da sua consciência, espaço sagrado reservado ao convívio íntimo do homem com Deus e impenetrável por qualquer pessoa, seja ela qual e quem for. No foro íntimo da consciência de uma pessoa ninguém pode entrar. Nem pai, nem mãe, nem marido, nem esposa, nem Papa, nem Bispo, nem padre… ninguém. Supondo que está bem formada, os que sabem o que é o respeito só devem respeitar. Ele vai… porque assim viu, à luz de Deus e da sua consciência. Como fica a Igreja depois? Como sempre: Nas mãos de Deus, pois Ele é quem a governa e o próximo Papa será tão querido e tão belo como este e seus antecessores. Só temos de o acolher com amor e estudar os seus ensinamentos para a vida… Mas não o podemos deixar ir para o seu retiro, seja ele qual for e ele saberá bem qual é, sem lhe dizer o nosso obrigado.
Quando chegou muitos se alarmaram. Nas paróquias, presbitérios, comunidades, sociedade, vislumbrou-se uma época negra sob o império de Ratzinger. Quando anunciava uma viagem, as manifestações multiplicavam-se, mesmo em Portugal, cheios de preconceitos que andamos todos. A maioria nunca leu nada dele. Mas todos opinavam segundo as opiniões da televisão maliciosa. Cada frase e discurso dele era passado a pente fino para ver se o podiam “apanhar” em algo que dissesse para encher os tabloides do sensacionalismo, como aconteceu com o belíssimo discurso de Ratisbona.
A chamada crise dos padres pedófilos fez com que o mundo pensasse que só os padres o eram – e são-no, alguns, mas não assim tantos, pois neste campo as acusações nem sempre são verdadeiras, e há mais pedofilia fora da Igreja do que dentro dela, até nos lares, mas que não causa o sensacionalismo de arrasar com a figura do sacerdote, quer numa pessoa, quer na generalidade. O Ano sacerdotal trouxe esta prova à Igreja e até foi bom para todos revermos as nossas vidas à luz de Deus e da perseguição do mundo.
Se tinha servido as tropas nazistas quando jovem, se se tinha calado diante da injustiça, se usava sapatos de luxo – aspeto desmentido há anos, mas não noticiado, claro –, se gastava milhões nas férias, se isso, se aquilo… E quando o olhávamos, sereno, doce, calmo, tímido, segurando-se para se manter inteiro, um amante da música, que escreve como ninguém, que ensina como poucos, que prega de modo magnífico… sentíamos que estava ali um grande homem que se mantinha calado e humilde apesar de ter um historial de vida invejável, como nos contam deliciosamente as suas biografias.
Cada país que visitava recebia-o com desconfiança. Quando, humilde, regressava a Roma, tinha o país inteiro rendido a seus pés. Conquistou os muçulmanos da Turquia, os judeus de Israel, deixou Portugal e os outros países de boca aberta perante a sua grandeza humilde, e cativou milhares de corações juvenis fazendo das JMJ momentos únicos, em nada inferiores ao tempo de João Paulo II. Alguém que sempre respeitou o seu antecessor e até o beatificou que como João Batista não se sentia digno.
Nunca Roma teve tanta gente como no tempo de Ratzinger. A Praça de S. Pedro enchia para o ouvirmos falar e dar as suas bênçãos em mais de 50 idiomas e dialetos. A sua voz doce e suave e bem paternal ecoava nos ouvidos e nos corações. O seu lindo sorriso. O seu rosto de menino envelhecido. O seu amor pela família e amigos. Os dois gatinhos que tem no seu quarto como companheiros inseparáveis. Um Papa que gosta imenso de gatos! O seu inseparável piano. Um poeta. Um músico. Um artista. Um Pai… Como não lhe dizer obrigado e desculpa pela maliciosidade das nossas opiniões. Amar-te-emos sempre. E bendito seja Deus por nos ter feito viver estes sete anos sob a bênção de tão grande e belo Pai.
Vitor Espadilha